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Um cooperante em Inhambane

por jpt, em 21.08.05

Não é a primeira vez que no Eclético se ecoa a poesia de Adriano Alcântara. Um gosto particular da MP pois, ainda que aqui de longe, não me parece que este seja poeta muito afamado.

E sempre que o leio lembro-me de como o conheci. E de como gostei e o invejei. Eu tinha chegado aqui há apenas alguns meses. Certo dia um futuro amigo disse-me que em Inhambane iria ocorrer uma festa, a comemoração do já décimo aniversário de uma associação cultural local, da qual eu já tinha ouvido falar, ainda que muito vagamente.

Foi pretexto imediato, eu não conhecia Inhambane, terra dita belissima, e sendo as comemorações num fim-de-semana fiz-me convidado. Ou seja, apareci. Para muito gostar da cidade, coisa que ficou. Das praias sim. Mas muito da cidade, o que é outra coisa. E também da tal associação cultural, uma tal de que então ia gerindo um centro cultural, coisa pequena mas boa, onde música, algum teatro, artes plásticas iam acontecendo. E convívio, sítio para jogar bilhar e beber uns copos. Coisas estas últimas fundamentais, que sem elas nada ocorre. Espaço crucial naquele Inhambane, e talvez seja preciso conhecer a terra para perceber tamanha importância em sítio de modorra e de desacontecimentos.

Mas o coração do Xiphefo era uma revista literária, mais dada à poesia, aberta ao exterior mas acima de tudo aos poetas locais, um grupo centrado em Momed Kadir, Guita Jr, e nos então já migrados Artur Minzo e Danilo Parbato. Ia então no décimo ano, nessa altura comemorativa editavam o número 19. Era assim, desde 1987, desde esses tempos duros da guerra, do isolamento, que em Inhambane um grupo de geração foi publicando uma revista literária, coisa assim como o que a célebre Charrua foi em Maputo, mas esta muito mais episódica. Espantoso. Épico até. Ou por outras palavras, um verdadeiro Xiphefo (lamparina).

Foi nessas comemorações que encontrei Adriano Alcântara, tinha vindo para tal, convidado pelo grupo. Então leitor em França (Poitiers? Bordeaux? não recordo bem) Alcântara tinha aqui sido nesses tempos de guerra (mais ou menos entre 1986-1988) professor de liceu cooperante, período no qual agitou aqueles jovens manhambanes, provocando essa geração. Os frutos dessa provocação estavam ali. A comemorarem-se. E com a grandeza da memória, a do terem chamado o tipo professor de então.

Lembro-me de o encontrar algo vagueando, eu num "então como está?", e ele, já um bocado velho, para aí com a idade que eu tenho agora, olhos abertos a sorver uma terra largada há quase 10 anos, num "isto mudou muito" de quase irreconhecimento e eu a pensar um "claro, deve ter mudado, e tu também". E lembro-me também de deixar para a minha mulher um "porra, este deixou aqui marca. Que mais é que um gajo pode querer na vida?".

A marca Xiphefo continuou por mais uns anos, recordo ainda de em Janeiro de 1998 lá ter visto o José Mucavele tocar no dia comemorativo dos 500 anos de Vasco da Gama em Moçambique, espectáculo até de madrugada. E do Mucavele me dizer, à mesa do melhor restaurante da cidade, o "Maçaroca", que não tocava na cidade desde 1979, há vinte anos já - o quão grande o país tinha sido nos anos de aperto. E de nos anos seguintes ter recebido mais revistas, assistido ao lançamento dos livros do Momed Kadir, do Guita Jr. Depois deixei de ter notícias, coisa normal, foi um grupo de geração, de duração longuíssima, é natural que se tenha ido esbroando. Trocado por homens a fazer coisas.

Se alguém conhecer o Adriano Alcântara, talvez a MP, digam-lhe que em Maputo está um Teixeira que o cruzou em Agosto de 1997 em Inhambane e que muito gostou desse tipo que por aqui andou em tempos

"...
coreografando vadios e mágicos / do orgulho da vida / o único bailado possível: / a obsessão de não ter dono"

("Genética Obsessão", no Xiphefo, 18, Inhambane, Mai/Jun 97, p.15)

publicado às 19:25


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