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Do plágio

por jpt, em 02.03.11
[caption id="attachment_26354" align="aligncenter" width="460" caption="Karl-Theodor zu Guttenberg, ex-ministro da Defesa da Alemanha. Fotografia: Fabrizio Bensch/EPA"][/caption]

Há algum tempo aqui deixei resmungo sobre o plágio na academia, coisa brotada da minha vida profissional, tendo ainda deixado ligação para um interessante texto/debate sobre o assunto Plagiarism is not a big moral deal, de Stephen Fish. É uma praga, a qual aqui detectamos principalmente no contexto do ensino pós-laboral, gente muito mal preparada, usualmente pouco abonada, trabalhadores-estudantes (e não o inverso) sem tempo para estudo, e em busca (como de pão para a boca) de uma certificação que lhes permita alguma ascensão socio-profissional na sociedade moçambicana. Às vezes, em particular quando mais cansado, o contexto "neo-realista" no qual decorre a "coisa" faz condoer o mais empedernido dos professores.

Ao encontrar no Da Literatura a história do barão Karl-Theodor zu Guttenberg, o demissionário ministro da Defesa da Alemanha e dirigente do CSU, o partido social-cristão alemão, agora caído em desgraça política (e pessoal?) por ter sido denunciado que plagiou na sua tese de doutoramento na universidade de  Bayreuth (os manes prussianos devem estar em alvoroço) não posso deixar de convocar as radicais diferenças de contexto. Um comparativismo. Para mais reforçar a inadmissibilidade da cena: no barão de Bayreuth tal como no pobre escriturário da Mondlane. Pois é a única forma de os tomarmos como iguais. Na danada irresponsabilidade. Ou seja, na responsabilidade devida. Condição humana, por assim dizer, sem apuramentos antropológicos ou filosóficos.

jpt

publicado às 03:03


5 comentários

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De Pedro Silveira a 03.03.2011 às 12:43

Podem-me informar se este título foi também atribuído num domingo?
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De José Moura Pereira a 03.03.2011 às 13:23

É pena que os comentários de JPT e de Helena não estejam na página principal do Blogue.
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De jpt a 02.03.2011 às 10:18

Obrigado. Não tinha atentado nos seus posts sobre o assunto (nem tampouco nas notícias no jornal Publico). Agradeço-lhe, de modo particular, o esclarecimento respeitante ao ãmbito do trabalho que é referido (eu apontei "doutoramento" por via do post do Eduardo Pita) - hoje, com as múltiplas reformas, os títulos oscilam de momento para momento (os títulos não será grave, mas a oscilações dos âmbitos dos trabalhos já é confusionista).

A questão mais ampla é a relativa ao plágio - não me parece que seja a questão do software "policial". É uma questão disso, claro, mas que implica duas coisas: uma mais activa "tutorização" do trabalho e uma maior criatividade nas propostas de trabalho. Ora isso implica uma maior presença docente, o que vai contra a ideia corrente: menos tempo de universidade, menos tempo de estudo, maior "liberdade", maior "individualismo". Aka, menos aprendizagem.

Quanto ao barão alemão (prussiano?) haverá quem ache que ele deverá ser exilado para uma longínqua e árida ilha. Não concordo, é mesmo ser passedo agrilhoado pela cidade, a ser insultado pela turba avinhada pelos barris gratuitos distribuídos. E depois devidamente crucificado na porta de armas ...
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De Helena a 02.03.2011 às 14:00

Prussiano? Não, e cuidado com os insultos (aos prussianos) - é bávaro.
A propósito das diferenças, que eles gostam de manter claras, lembrei-me de uma queixa que li num diário escrito em Berlim, durante a guerra: o "cancro" veio do sul, mas as cidades martirizadas foram as do norte.

Se o passearem agrilhoado pela cidade, vai ver que os populares vão desancar os polícias para libertarem o ídolo. Isto é um fenómeno que dá muito que pensar: o plágio está a ser transformado num mero jogo palaciano para afastar um ministro muito amado do povo, e o ódio está a voltar-se contra os que o puseram a nu, não contra quem o cometeu.

É espantoso o que por aí vai de comentários "erros, toda a gente faz". Temos a classe política a fazer questão de respeitar valores fundamentais, e o povo a dizer que não, que esse Guttenberg é bom rapaz, e que se pode perdoar um pequeno deslize.
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De Helena a 02.03.2011 às 08:47

Tenho andado a falar sobre isso:
http://conversa2.blogspot.com/2011/02/queda-de-um-anjo.html
http://conversa2.blogspot.com/2011/02/queda-de-um-anjo-2.html
http://conversa2.blogspot.com/2011/03/queda-de-um-anjo-3.html
Repare num fenómeno extremamente curioso: uma grande maioria do povo tem estado do lado do ministro e contra os jornalistas.
À distância de doze dias, é estranho ver como no primeiro post estou muito bem enganada: era a fase em que ele dizia "ah, isso são acusações ridículas", e quase todos acreditavam. As acusações ridículas resultaram afinal nisto: em vez de 10 ou 20 passagens que ele se esqueceu de referir no conjunto de 1200 notas de pé de página, é uma grande maioria de páginas do trabalho em que há pelo menos uma frase copiada ou apenas ligeiramente modificada sem referência ao seu autor. Outra coisa de que não se fala nos jornais portugueses, e é um aspecto grave da questão: o Parlamento tem formidáveis equipas de técnicos que investigam e fornecem aos deputados todo o material de que precisam para fundamentar solidamente o seu trabalho. Embora estes trabalhos não possam ser usados para fins pessoais, na tese de Guttenberg há muitas passagens copiadas de alguns desses relatórios. Devido a isso, foi do próprio presidente do Parlamento, que é da mesma área partidária, que vieram algumas das críticas mais contundentes a este ministro. Arrisca-se, aliás, a levar um processo movido pelo Parlamento.

Entretanto há na internet grupos de voluntários a controlar do mesmo modo as teses de doutoramento de outros políticos famosos. Veremos o que daí vem...
As universidades debatem-se com a questão de como evitar estes erros. Comprar software para controlar cada vírgula, ou exigir do candidato um juramento sobre o cumprimento das boas práticas académicas, com castigos exemplares no caso de ser perjúrio? Nas escolas secundárias os alunos já vão aprendendo truques para tornear estas novas dificuldades: em vez de copy & paste da wikipedia alemã, vão a wikipedias noutras línguas que dominem, e traduzem. Isso é muito mais difícil de apanhar.

Uma pequena informação: "doutoramento" é uma forma de dizer - este é o trabalho que permite passar de licenciado a doutor, e há quem o faça mesmo antes de terminar a licenciatura. Para o título de professor é preciso fazer um outro trabalho, bem mais vasto e exigente.

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