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Pacheco

por jpt, em 24.02.06

[Luiz Pacheco, Literatura Comestível, Lisboa, Estampa, 1972]

Releituras rápidas, coisas de ler os livros todos de seguida, que um novo levou a outros da estante. Neste (bem) mais velho temas que me ligam, acima de tudo o cansaço, e em Pacheco logo na época, com o Delfim, de Cardoso Pires, que senti quando o reli aquando do filme (não vi o filme, claro, Fernando Lopes é-me tabu "desde" a Crónica dos Bons Malandros, o "desde" entre aspas porque metáfora, o filme não existe portanto o "desde" é intemporal).

"Uma derradeira reticência: como Mário Dionísio perspicazmente detectou, o rendilhado labor estilístico de J.C.P. atinge neste livro altitude inigualada. Mas sente-se muito isso. Quando um prosador (consumado; é o caso) comete o gravíssimo erro de não nos deixar esquecer, pelo contrário: permanentemente desdobra diante dos nossos olhos o seu virtuosismo pisando-nos os olhos com ele, faz-nos criar a suspeita que essa sua constante preocupação oculta algo. Por exemplo: nada." (113) Mouche? Que o Delfim envelheceu parece-me, leigo vindo em gerações vindouras, óbvio. E talvez por causa dos requebros. ["Agora este está armado em literato?" pergunta o visitante - nada! eu gosto é muito do Cardoso Pires, menos deste Delfim, é só por isso ...].

Mas neste Literatura Comestível acima de tudo muito pouca coisa, questíunculas lá da pequena história da literatura portuguesa, zangas, tricas e isso, pouco interessantes hoje (que é me [nos] que interessa o plágio do Namora ao Vergílio Ferreira, e como este o denunciou? e outros obscuros etcs) e se calhar sempre. Textos envelhecidos. Livro-bairro. Ou, naquele então, país-bairro?

Súbito, sorriso, a sentir-me familiar, "onde é que eu já li isto?", assim como se em blog, aprés la lettre, heranças metodológicas ou mais-que-isso:

"Depois de uma leitura muito enojada, repito, e tal o atesta o meu volume todo sublinhado, anotado, riscado, vincado, do que afirmo e afirmarei ser uma das obras mais porcas da literatura portuguesa ..." (85)

E já que vinha ao caminho passo ao, este sim, livro


[Luiz Pacheco, O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor, Lisboa, Colibri, 1992]
o texto a manter a pica passados os anos, quarentão já. Mas depois olho o livro, lá vem com a adenda "Depoiamento de uma angolana", de Maria Veiga Pereira, com mão de Alfredo Margarido, e enrolado em textos de apresentação e apósentação (Victor Silva Tavares, Júlio Moreira, Alexandre Pinheiro Torres a chamar-lhe "poetização da miséria, esplendor negativo" (??!), mais 3 desenhos inclusos em edições prévias, de Carlos Ferreiro (1) e Henrique Manuel (2), e fac-simile do manuscrito original), tudo isto à volta de nem-30 páginas de prosa: nítido, o embrulho a querer-se produção de um mito, pedra a pedra, livro a livro. Assim como, e isto já me veio à cabeça, a causa "por mais um velho do Princípe Real" - atenção, estamos para aí a 18 anos do centenário. E, entretanto, chamem lá o Le Carré, para o "cameo". Honestamente, o texto mantém a pica, mas caramba, é uma coisinha. Terá sido mais no seu tempo. Pobre tempo, não pobre texto. Mas também rico esse tempo, que por ele engrandece o texto.

E isto tudo foram regressos a propósito de quase-calhamaço de ardina, livros que se trazem em Lisboa quando se vai comprar o Record, acaba-se de "sair" do quiosque com um suplemento Barbie para a Carolina e o Pereira Coutinho, o Pacheco, o Ramos e o Venceslau (que raio de perfil de colecção lançou o Independente!? Não... a Barbie [com colar e pulseira] não fazia parte).



[Luiz Pacheco, Figuras, Figurantes e Figurões, Lisboa, O Independente, 2004]-

Baratinho (as tralhas dos jornais são-no sempre), e a valer a pena. Muita destruição (Urbano Tavares Rodrigues, Ferreira de Castro, a revista, o JL - p. 163, pequeno período justificável de visita que o PS merece - enfim coisas lá do tempo dele, e outras também mais do nosso) com arreganho de mastim. Depois anuncia-se à gente, mas hoje é despedida (o texto "Crítica de Identificação" é de 1971 mas, sem pudor algum, o mórbido editor usa-o para encerrar o livro), propósito seu que é agora rescaldo: "fazer o que geralmente não vejo que se faça, isto é, aclarar publicamente tramas que se ocultam, apontar flibusteiros das Letras, pondo-lhes a careca à mostra embarrilando-os pela gargalhada; sempre que preciso, denunciar os compromissos de vária ordem em que se atolam os nossos pseudointelectuaizinhos que por aí andam a governar-se à larga, seguros na sua impudência e da sua impunidade mercê das circunstâncias" (194).

Mais sorrisos meus, coisas de então e de hoje. Projectos de vida. Mas, honestamente, a mim parecem-me mais é angústias com alheias mercês. E, muito sobretudo, coisa de sobrevalorizar os tais livros e gentes - o mundo corre pior por causa da maus romances? de contos coxos? de poemas torpes? do prémio a ou afago b? Separar o trigo do joio implicará ficar, enraivecido, a tri-tu-rar o joio? Ou não será melhor ir comer uma bela sandes de panado, panito quente, forno caseiro, piri-piri sacana?

Insisto, bons pensares em cima de uma sobrevalorização, complicações de mira. Angústias também, decerto.

Súbito "E que significa tudo isto? A coexistência de culturas mui diversas, de mui estranhas origens, umas arcaicas, tradicionais, outras em plena fase embrionária, nos primeiros tentames duma aclimatação. Culturas paralelas, misturadas, alheadas umas das outras e isto tudo num mesmo tempo histórico, porque a história é radicalmente transição (Jaspers, ainda uma vez)." (18) "A POLÉMICA É A RAZÃO DA NOSSA PERMANÊNCIA." (19)

Um texto para hoje, em tempos de "choque civilizacional"? Logo o apanho, é bom apanhar estes textos já antigos e roubá-los aos autores, manipulá-los a nosso gosto, até truncá-los, na nobre arte da citação, como se eles concordassem conosco (melhor dizendo, nós com eles), fazê-los (já mortos ou para isso preparados, textos e autores digo) pensar o que queremos. Eis-me nessa parece-que-legítima actividade, dissertando sobre o real circundante.

Mas, afinal, o homem estava a falar dos romancistas, Chiado acima, Chiado abaixo. Faço-me entender? O sentimento de desperdício do pensar, enredado nas discussãozinhas afinal elas ...

"O Génio é uma longa paciência" (178). Ganda Pacheco, faltou-te a dita?

publicado às 02:17


9 comentários

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De jpt a 24.03.2008 às 01:06

Isto dos blogues é um pouco arrítmico. «Entretido» com a actualidade, só agora li as suas pachecadas. Assino por baixo. Por elas fiquei a saber da edição «Plêiade» do Libertino... que nunca vi. O Pacheco, hoje, é um «negócio». Com pouca procura, note-se.

Publicado por: Eduardo Pitta às fevereiro 25, 2006 12:34 PM
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De jpt a 24.03.2008 às 01:06

note-se que nada tenho contra o negócio de livros - acho muito bem.
mas não pude deixar de ali encontrar eco (raíz?) de algumas (blogo)posturas d'hoje e sempre (já pareço o hermano saraiva)
e chateia-me a canonização do homem. interessante, mas caramba, a gente precisa tanto assim de troféus?
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De jpt a 24.03.2008 às 01:06

ah, e uma "co-assinatura" sua (peso pesado) num texto em coisas destas lavras é troféu (já agora...) cá para as hortas
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De jpt a 24.03.2008 às 01:07

eu queria o livro em pdf
me arruma ai

Publicado por: jose às julho 25, 2006 05:42 PM
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De A morte de Luiz Pacheco | ma-schamba a 23.07.2008 às 14:24

[...] entrevistar….?” logo me veio à cabeça. Depois lembrei uma entrada que há dois anos aqui meti sobre o escritor (e sobre o como surgia ele em espírito pre-mortem em alguns blogs literários). [...]
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De Objecção de consciência | ma-schamba a 07.08.2008 às 10:47

[...] literatura todos opinam, e fazem muito bem, que é bom falar sobre livros. Até a mim me dá para isso, e estou a hiperligar-me com conexão ao que aqui abaixo virá. Em Portugal agora grande discussão [...]
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De Leonel Auxiliar a 02.03.2010 às 03:39

Pacheco, o Luiz, usou a palavra para fotografar uma faceta da sociedade portuguesa que marcou uma era. A mais extraordinária era de todas. E a mais dífícil também. Por isso era tão duro, até consigo próprio. As imagens que deixou, contribuirão para sempre para o entendimento do ser humano em Portugal no final do sec. passado! Pela forma como se passeou ele também (quase impune, não fora a vida ela mesma) pelo mar da escrita da geração "no future" dos anos 50 e depois pelo flower power dos 60. Dir-se-ia que não tinha verdadeira consciência do seu próprio poder para captar essas fantásticas peças que nos deixou. Daí uma aparente desconecção no fluir da pena de texto para texto!

Um notável contributo para a descrição social e para a compreensão de uma geracção de sonhos limitados num país sem brio.

O post é claramente tendencioso: não é preciso gostar-se de uma obra para se lhe reconhecer mão de mestre. E claro, é mesmo isso: ninguém gosta de Pacheco, o Luiz! Nanja eu: é só mesmo um pouco de carinho e saudades de algumas noites no "estádio". Já lá vão vinte e muitos anos!

Há que conhecer o homem: um medo móbido da morte, uma baixa estima pelo ego e uma constante ondulação de humor de quem conhecia todos e não se dava com ninguém! Num minuto estava com o António Sobral, o Americano e eu a comer uma omelete (adorava torresmos mas queixava-se dos dentes, ou da falta deles!) e já no momento seguinte metia conversa com algum puto da mesa de trás. Quer dizer: eu também era um puto. Enfim!

Acabava por se aborrecer com pequenas coisas e lançava invectivas em todas as direcções. Especialmente quando o tinto rasca já pesava mais do que as emoções ou as imperiais o faziam arrotar de cada vez que dizia uma frase mais comprida. E não era preciso muito! Quantas vezes o Manel mandava vir com ele por causa da algazarra ou atitudes e recebia logo uma metralha daquelas.

Em 83/85 durante uma estadia de dois anos entre Helsínquia e Berlim eu tinha escrito doze poemas, originalmente para um trabalho musical intitulado Gerrilla Urbana na sequência de um trabalho que fizera em Brawnschweig. Pacheco, o Luiz, chegou a ficar muito aborrecido comigo por ter "usado uma ideia" dele. Claro que eu nem sequer sabia das suas publicações e muito menos do conteúdo. Durante 2 ou 3 meses deixou de aparecer. Acho que por fim, após ter lido o meu trabalho com atenção, veio dizer-me que afinal nada tinha a ver com as coisas dele e que estava enganado! Mas ele também desaparecia com frequência. Eu acabei por ir para Coimbra e só nos voltámos a ver em 89/90.

Alguns tinham receio, a maioria afastava-se e não aguentava a forma brutal e tantas vezes desproporcionada como reagia quando alguma coisa não assentasse nas suas regras rígidas.
Mas não era homem de guardar rancores. No dia seguinte ou no outro, era como se nada tivesse acontecido. Os mais amargurados, não lhe perdoavam e sentiam-se incomodados com a sua presença. Era um personagem muito difícil.

Nos escritos apontados, que não raro trazia no bolso do casaco, contava coisas sobre os mais variados temas: uns mais tímidos que outros mas sempre com uma crueza a raiar a violência. Gostava da sua escrita mas nem sempre tinha paciência para a sua candura brutal.
Nem por isso deixo de admitir que a envergadura da sua escrita ultrapassa as idiossincracias de cada um. O homem era um génio e tratá-lo como tal não é surpresa para ninguém que o tenha conhecido!
Este país precisa urgentemente de muitos homens como Pacheco, o Luiz (com Z se faz favor, dizia).

Uma jangada com timoneiro adormecido e palavras a servir de vela em farrapos! Em bom porto descansa agora!
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De jpt a 02.03.2010 às 10:49

LA obrigado pelo seu interessantíssimo testemunho - e surpreendente, pois os textos in-blog envelhecem muito, pouco gente andará pelo passado.

Duas notas: a) "Luiz" está sempre escrito com "z"; b) o post não é "tendencioso". Não há nenhuma tendência aqui, apenas expressei a minha opinião sobre os livros do autor (e, em pano de fundo, com a utilização do autor nos últimos anos que a imprensa foi fazendo). Não há tendência nenhuma, repito: Pacheco não fazia parte do meu mundo, geracionalmente (sou de 64), nem sou eu homem dos mundos da literatura. É-me, nesse sentido, alheio. V. diz, e bem, que nele há um retrato da sociedade de então. Não nego, mas uma leitura de quem chega depois encontra um enorme dispêndio de energias em minudências, em irrelevâncias, em tricas (aliás, uma atitude de espírito que V. aborda no seu comentário). Torna-se pouco relevante. E o que mais me terá levado a escrever isto (o post tem 4 anos) não era exactamente o Pacheco ("ninguém gosta do Pacheco" diz V., e não é o caso), terá sido mais o culto pachequiano que por Portugal andou (veja-se a edição do "Libertino" que refiro, que é espremer até ao tutano para criar coisa para vender). Ou seja, retratista de Portugal? Sim, de um Portugal que aborda. Mas também imagem de um Portugal, ele próprio objecto, na sua pequenez de interesses, na sua estreiteza de horizontes, na mera truculência de tantos dos argumentos (falo de textos lidos, não do homem que V. conheceu e que não posso avaliar para além dos livros e das múltiplas entrevistas onde repetia à exaustão as mesmas coisas, pois lhas perguntavam). Ele próprio imagem de Portugal, agora dos anos 90, da exagerada atenção que lhe davam, um apreço pelo "marginal".

Ou seja, não há "tendÊncia". Há uma relativa indiferença, o que é exactamente o contrário.

Cumprimentos
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De Leonel Auxiliar a 04.03.2010 às 00:51

JPT: Ter eu referido o "Z" não tinha a ver com o post mas antes com uma mania que o Pacheco tinha de dizer o nome exactamente assim : "com Z por favor!". Ele mesmo insistia no "Z" e nós gozámos muitas vezes com isso porque no BI estava com "S" e ele teimava que tinha sido erro do escrivão e que o pai lhe tinha dito que era com "Z". Coisa com pouco interesse senão para os que o conheceram.
E estou plenamente de acordo consigo quando diz que ele retratou um Portugal paranóico e pequenino, miserável mesmo. Mas terá sido talvez dos que melhor o fez precisamente com as minudências que para mim sempre foram muito pouco agradáveis e um tanto cansativas até. Aliás, como o próprio Pacheco. Era um efeito generalizado. Mas mesmo assim gosto da definição que essas picuinhiçes trazem às discrições. O Eça também abusava.
E tenho que reconhecer que realmente a atitude dos media pouco antes da sua morte (achando muita piada àquela maneira brutal e mesmo mal educada com que Pacheco brindava as audiências. O homem adorava ver a cara das pessoas nesses momentos) e também logo a seguir à sua morte, era uma atitude desproporcionada e apenas contribuiu para afastar os que não gostam de carnavais desse género de apreciarem devidamente a sua arte de escritor.
Ainda hoje me custa ver a fantochada que se fez e faz sobre o homem, em que quase sempre fica de fora aquilo que realmente interessa que é a sua escrita.
Apostaria que, de todos os que lidaram um pouco com ele, ninguém reconhece o homem que os media gostam de mostrar. Tirando claro uma certa malandragem no falar.
Normalmente o Pacheco era um pouco (bastante) mais desafiador e arrogante para com os outros.
E sim, é esse mesmo o valor de Pacheco: trazer à luz imagens de um Portugal cuja pequenez de interesses e estreiteza de horizontes se mantém quer Pacheco esteja cá ou não. Alguém havia de deixar escritas as imagens deste mundo zombie que dorme em Portugal. Como pessoa, Pacheco foi um falhado, como todos os grandes portugueses o foram; como escritor pede meças a qualquer um e muito mais aos bem falantes e politicamente correctos que nada mais fazem que usar a cunha e o conhecimento pessoal para colocar nos escaparates o vómito de duas ou três semanas e depois, sentados alegremente no sofá, esperam o retorno financeiro (na maior parte das vezes sob a forma de subsídios) que acham ser devido. Infelizmente conheço muitos assim e também isso é fruto deste Portugal que temos.

Mas talvez estejamos os dois a perder tempo com isto e ainda por cima, porque me parece não haver grande diferença de opinião entre nós neste assunto!

Cumprimentos e bom trabalho que , como já deve ter reparado, sigo com todo o interesse.

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