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Grande parte das pesquisas que tenho feito assenta em diálogos e entrevistas com gentes diferentes, para recolher a informação que busco. Úteis de uma forma geral, tomam por vezes rumos inesperados. Uma pergunta mal entendida pode dar-nos informações preciosas sobre a entrevistadora (eu, neste caso), sobre a entrevista em si, mas também sobre o assunto em debate e acrescenta frequentemente dimensões inesperadas à informação que se procura. Lembro-me que foi devido a um mal entendido que numa entrevista em grupo as pessoas me explicaram como iam dormir para o mato durante a guerra, pois era geralmente de noite que as tropas faziam incursões nas aldeias. A partir daqui divergiu a entrevista para aspectos sobre percepções de espaço que me proporcionaram uma dimensão inesperada ao objectivo que lá me levara.

 

Mas às vezes, mesmo sem perguntas, a informação flui e corre num sentido que não tem qualquer interesse, nem pessoal, nem em termos do objecto de estudo e da informação pretendida. E são estes entrevistados os mais difíceis de orientar ou conter.

 

Vem isto tudo a propósito do Recenseamento e de uma amiga minha entrevistadora que se tem deparado com situações inesperadas. Pergunta sobre o aquecimento da casa e lá vem o arrazoado de queixas contra o senhorio, a falta de dinheiro para reforçar janelas; pergunta-se sobre o agregado familiar e lá vêm as queixas do marido que não participa e do filho que não faz nada; pergunta-se sobre o tamanho da casa e lá vêm as queixas sobre a vizinha do lado ou dos de cima que fizeram obras e agora a casa está a abrir rachas, quer ver? Mas embaraçoso mesmo, diz ela, é quando à pala do censo lhe gastam horas e horas de verborreia a maldizer o vizinho do lado e o marido e as amigas do marido e as tareias que o de cima dá na mulher e as bebedeiras que a do rés-do-chão apanha e... e... e...E tu?, perguntei-lhe eu, que fazes? Olha, o que querias que fizesse? Tento interromper mas raramente me dão chance, tenho que ir aguentando para ir preenchendo o inquérito e o tempo todo na minha cabeça só grito: há informações que prefiro não saber! (ler isto aos gritos e em maiúsculas)

 

Agora que parecem abundar as críticas, justas ou não, ao inquérito do census lembro aqui neste texto quase inútil esta minha amiga e todos os outros que, como ela, mais que entrevistadores e facilitadores do processo parecem ser terapeutas. Um efeito secundário e terapêutico do recenseamento e do qual não se tem falado.

 

AL

publicado às 17:48


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