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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Os leitores deste blog poderão maçar-se, exagero de atenção na lusa trama. Mas do modo como está tudo aquilo "quem não se sente não é filho de boa gente" ... Assim, para ler, guardar e citar, transcrevo dois textos sobre a "gasta Pátria". Vasco Graça Moura, incontornável, e também porque fala dos "donos da palavra" - e tantos deles são bloguistas, hoje como sempre teclando sem o menor amor-próprio. E Manuel Maria Carrilho (apesar do seu colaboracionismo) a tentar pensar para o futuro, de certo modo enfrentando a questão "E agora que fazer? Uma nova república?" levantada pelo nosso FF.
Vasco Graça Moura no Diário de Notícias (30.3.2011):
Ninguém se lembra de ter visto, nos últimos anos, algumas figuras gradas de extracção socialista a chamarem a atenção do Governo de José Sócrates para as barbaridades que estavam a arrastar Portugal para o abismo e para a irresponsabilidade da governação. Deviam tê-lo feito pelo menos dia sim, dia não, mas não o fizeram.
O país ia-se arruinando, os portugueses iam resvalando para o beco sem saída em que se encontram hoje, o Governo ia garantindo exactamente o contrário daquilo que se estava a passar e dando provas de uma incompetência e de uma desfaçatez absolutamente clamorosas, mas esses vultos tão veneráveis abstinham-se de fazer a crónica dessa morte anunciada, não se mostravam grandemente impressionados com ela e sobretudo não sentiam o imperativo patriótico de porem cá para fora, preto no branco, numa guinada veemente e irrespondível, o que bem lhes podia ter ido na alma e pelos vistos não ia assim tanto.
Devo dizer que não fiquei nada impressionado com os apelos recentes e vibrantes de algumas dessas egrégias personagens, em favor da manutenção do statu quo ante em nome do mesmo interesse nacional que as terá remetido ao mutismo mais prudente sempre que a governação socialista dava mais um passo em frente para estatelar Portugal.
Sou levado a concluir que foram sensíveis, não ao descalabro a que a governação socialista acabou por conduzir o país, mas ao desmoronamento do PS enquanto partido de governo. Não lhes faz impressão nenhuma que Portugal esteja na merda por causa dos socialistas. O que os impressiona deveras é que o PS se arrisque a ficar na merda por causa de tudo o que fez. E então, então sim, apressam-se a invocar alvoroçadamente o interesse nacional, secundados por todo o bicho careta lá do clube que se sinta vocacionado para dar o dito por não dito e o mal feito por não feito e também, está claro, para fazer sistematicamente dos outros parvos.
Tal apelo surge todavia no ensejo menos adequado. Hoje, só faz sentido invocar o interesse nacional para esperar que o PS seja varrido impiedosamente de qualquer lugar de preponderância política e que a ignomínia da governação socialista fique bem à vista para a conveniente edificação das almas.
Os responsáveis por tudo isto e os seus porta-vozes já se começaram a esfalfar, a acusar desvairadamente os outros de terem criado um impasse irremediável para Portugal, a passar uma sórdida esponja de silêncio e manipulação sobre o que foi a actuação dos Governos socialistas desde 1996 e, em especial, desde 2005, a fazer esquecer que é ao PS e ao seu Governo que se devem coisas tão sugestivamente picantes como a crise, o aumento delirante dos impostos, o aperto asfixiante do cinto, a subida incomportável do custo de vida, o desemprego sem esperança, o fim da dignidade nacional.
Nessas virtuosas indignações da hipocrisia socialista, já se vê quanta gente do PS anda já por aí a desmultiplicar-se, na rádio, em blogues, um pouco por toda a parte e até aqui nos comentários aos artigos, a jogar na inversão e na distorção de todos os factos e de todos os princípios. Alguns ingénuos talvez deixem mesmo de se perguntar mas afinal que canalha é essa que se diz socialista, para sustentar o insustentável e defender o indefensável.
Já toda a gente percebeu que o país só sai desta se tiver uma verdadeira "ditadura da maioria", expressão que, como é sabido, causava calafrios democráticos ao dr. Soares. Amanhã, se nessa maioria entrasse o macabro PS que ele ajudou a fundar, tal conceito ficaria, apesar de tudo, esquecido entre as brumas da memória. E se, como é de esperar e de desejar, o PS for reduzido a cisco em eleições, não nos admiremos por assistirmos em breve à recuperação grandiloquente do chavão.
Já se percebeu que a Europa o que quer é que Portugal não faça mais ondas e volte a ser o bom aluno que os próceres socialistas escarneciam tão displicentemente. Deve recordar-se ao dr. Sampaio que, no estado de porcaria pantanosa a que isto chegou e que ele não denunciou a tempo, hélas!, afinal não há muito mais vida para além do orçamento. E mesmo a pouca que houver se vai pagar muito caro.
Eu, cá por mim, com a queda desta gente execrável, só posso exclamar: - Aleluia!
Manuel Maria Carrilho também no Diário de Notícias (publicado ontem, 31.3.2011):
Reduzir o que está em causa nas próximas eleições à tagarelice contabilística em torno do défice, é de uma lamentável cegueira e mediocridade. Na verdade, só uma coisa verdadeiramente interessa agora – é que as próximas eleições legislativas abram mesmo um novo ciclo na vida do País. E se um novo ciclo implica naturalmente uma maioria, ele exige bem mais do que isso: exige, para lá de uma clara maioria parlamentar, um novo projecto e uma nova confiança que conquistem a sociedade. Nas actuais circunstâncias, exige uma legislatura patriótica que integre vários partidos, motive os parceiros sociais e mobilize a sociedade civil em toda a sua diversidade.
O País precisa de austeridade, mas precisa também de crescimento. Austeridade sem crescimento não altera o caminho para o colapso, apenas muda a sua natureza e, talvez, o seu timing. A ortodoxia austeritária sem mais conduzirá o país por uma espiral cada vez mais intensa de cortes e de protesto, que deixará o País em pele e osso. É por isso fundamental articular a austeridade com o crescimento. Mas como a austeridade é imediata e o crescimento é a prazo, é fundamental que a sua articulação dê origem a um projecto estruturado que seja bem explicado aos Portugueses. Um novo ciclo também é isso: a substituição da infernal demagogia em que temos vivido, por uma pedagogia que saiba combinar o realismo com a ousadia, isto é, reconhecer os problemas que temos, e, sobretudo, avançar com soluções inéditas mas credíveis. É tempo de mostrarmos que somos capazes de fazer mais do que auto-estradas, rotundas e estádios de futebol!
Para isso é muito importante, por um lado, mudarmos de cultura política, como há meses sugeri no meu livro «E agora?- Por uma Nova República», onde propus várias ideias que poderiam incentivar essa mudança: o voto facultativo a partir dos 16 anos e obrigatório a partir dos 18, o fim do exclusivo partidário da apresentação de candidatos a deputados à Assembleia da República, o reforço dos reguladores independentes, a valorização do trabalho e do mérito, uma cultura de diálogo que estimule a concertação estratégica entre várias forças políticas. Mas também a inscrição constitucional da obrigatoriedade do equilíbrio orçamental, em nome, não de nenhum dogma financeiro, mas dos direitos das gerações futuras, que têm sido atingidos de um modo absolutamente sem precedentes.
Por outro lado, e talvez mais importante ainda, é a definição de novos desígnios nacionais, nomeadamente em torno da qualificação, das indústrias criativas e do mar. A qualificação do território, das instituições e das pessoas é hoje a condição sine qua non de qualquer horizonte de efectivo crescimento. E uma medida tão simples como a de se começar o ensino obrigatório aos 3 anos de idade, faria mais pelo futuro do País do que toda a panóplia de controversas medidas tomadas nos últimos anos, sobretudo aquelas que mais vivem do deslumbramentos tecnológico ou da manipulação estatística.Por sua vez,as indústrias criativas, que estudos recentes creditam de uma contribuição para o PIB de cerca de 3%, têm hoje um indiscutível potencial de crescimento, bem argumentado no relatório apresentado no ano passado, por Augusto Mateus sobre «O sector cultural e criativo em Portugal». Em linha, de resto – ponto que tem sido totalmente ignorado -, com o que a União Europeia defende na sua estratégia «Europa 2020».
Mas é o mar, que há cerca de uma dúzia de anos é objecto de sucessivos estudos, relatórios e recomendações (com destaque para o trabalho de Tiago Pitta e Cunha), que podia e devia ser o grande desígnio português para as próximas décadas. Temos uma zona económica exclusiva que é 18 vezes superior ao tamanho do nosso território, a maior da União Europeia e uma das maiores do mundo. O que precisamos de fazer, é de colocar de novo no centro da nossa visão do País e do futuro esse elemento nuclear da nossa identidade histórica, transformando-o num dos principais motores do nosso crescimento. Olhar para alguns exemplos talvez ajude: a economia da Dinamarca é em cerca de 50% uma economia marítima, o porto de Roterdão significa 20% do PIB da Holanda, o comércio internacional é em 90% feito por transporte marítimo.É preciso olhar para o mar pensando em tudo o que se pode fazer em termos de transporte marítimo, construção naval, biotecnologias, aquacultura, energias renováveis ou pesca. A pesca é um bom exemplo do paradoxo em que se vive: é que, apesar dos nossos recursos nesta área, e de sermos os maiores consumidores de peixe da Europa, (com uma média de 60K/ano por pessoa, quando a média europeia é de 24), importamos grande parte do que consumimos... A aposta no mar é a única das apostas estratégicas que pode ser um desígnio nacional, porque, como escreveu Ernâni Lopes, «o mar é o único domínio com carácter identitário». Eu diria mesmo «o» desígnio nacional, porque nestas matérias, quanto mais desígnios houver, mais fracos serão. E nós precisamos de um desígnio forte e magnetizador.
Insisto: a alternativa ao pântano dos impasses que temos vivido só pode ser um novo ciclo político que, respondendo às dificuldades imediatas que enfrentamos, consiga articular essa resposta com um horizonte mobilizador, com um novo projecto para o País. Para isso, é fundamental integrar, no esforço de austeridade a fazer, margem de manobra para o investimento estratégico que esse projecto exige. Ambos exigem tempo – pelo que precisamos também de repor o médio prazo como temporalidade de referência na actividade política.
O momento não é para contabilistas que reduzem o futuro à próxima eleição - é, de facto, para visionários concretizadores, capazes de pensar o imediato em termos de próxima geração.
jpt