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O otelismo

por jpt, em 15.04.11

 

Aproxima-se o 25 de Abril e, como todos os anos, o efeito-efeméride põe os microfones diante dos militares então revolucionários ainda sobreviventes. Otelo Saraiva de Carvalho disse mais algumas asneiras, não particularmente relevantes, o homem é o que é, a sua importância histórica é apenas a de o terem querido como símbolo, o problema (que nem dele é, que não tem dimensão para ter problemas) é ser vastamente inferior ao que dele quiseram fazer.

No Entre as Brumas da Memória Joana Lopes publica um texto de Maria Manuela Cruzeiro, historiadora, uma "Carta Aberta a Otelo Saraiva de Carvalho" lamentando as recentes declarações do velho militar, qualquer coisa como se soubesse o que sei hoje não teria feito a revolução, emigrava (morrerá egocêntrico e ignorante, como tem vivido).

A argumentação desta invectiva é relativamente simples (citar é truncar, mas ligar um texto permite lê-lo, evitando as truncagens maliciosas. Basta ler): a democracia actual pouco difere do regime salazarista-caetanista (o fascismo, como se diz em Portugal, o colonial-fascismo, como aqui se diz): "Este Abril que vivemos hoje é o tempo da comissão liquidatária do pouco que restava de um outro tão diferente de há 37 anos". (...). Este apaziguamento do conteúdo do regime fascista, esta desvalorização da democratização [e] do desenvolvimento societal das últimas décadas, é típica e recorrente nas concepções totalitárias que o final dos 80s aparentavam ter passado à história. Em tempos, há décadas, aparecia como a desvalorização da democracia "formal", uma adjectivação que se queria ilegitimadora. Isto é a mais radical das lavagens do totalitarismo fascista, e das suas vertentes anti-desenvolvimentistas, alimentando[-se de] uma profunda crença anti-democrática, um desprezo pela democracia existente.

O segundo ponto do texto da historiadora é simples, o da higienização da figura de Otelo, a extroversão da simpatia pelo símbolo (não apenas da revolução de Abril, mas também dos processos políticos posteriores). Para a historiadora em causa os ataques a Otelo devem-se a ter sido ele o (ou um?) obreiro da revolução. Entenda-se, os ataques, a desvalorização de Otelo, são provenientes dos anti-democratas:

Por cada aniversário da Revolução elas lhe são atiradas à cara, intactas como cristais de puro ódio e ressentimento. Fazem já parte do jogo viciado da contra-revolução, que em vez de argumentos, usa o golpe baixo, o ataque pessoal, o descrédito dos homens para descrédito da obra. Primeira batota: confundir os homens com a obra. Porque há, todos sabemos, uma verdade que é simultaneamente um grande mistério: como todos os grandes momentos da história, o 25 de Abril foi feito por homens vulgares e cheios de defeitos. Mas que uma força maior uniu, e escolheu para artífices de desígnios que em muito os ultrapassam. Todas os defeitos se lhe podem perdoar, até porque de alguns deles a história se serviu para concretização dos seus enigmáticos planos. No seu caso, leviandade, vedetismo, inconstância, mas nunca, para glosar o prefaciador dos seus dois livros, Eduardo Lourenço, «em absoluto infiel á audácia e generosidade que um dia fez de si a chave da nossa revolução».

Segundo esta perspectiva, constante, presente, recorrente, velha de décadas, o ataque a, o desgosto com Otelo é então a expressão da anti-democracia. De um lado os democratas, os que mais ou menos, simpatizam com OSC. Do outro os seus antagonistas, adversários da democracia, da revolução. De um os democratas, os que sabem significar a verdadeira democracia. Do outro os de baixo nível, gente não só adversa à democracia como também submersos no "puro ódio e ressentimento.", restritos ao "usa[m] o golpe baixo, o ataque pessoal, o descrédito dos homens para descrédito da obra", ao impensamento, à inintelectualidade. À mentira.

Em 2011 fico estupefacto com a manutenção desta retórica apropriação da democracia por parte daqueles que - como se vê no pequeno texto - são os seus inimigos, explícitos, desvalorizadores. E que durante XX a combateram, sonhando (e realizando) ditaduras, totalitarismos. Continuam, no entanto, donos da palavra. E atrevendo-se a exercê-la assim. Diante do silêncio de tantos, até da anuência.

Numa era complicadíssima, em que o desabamento do projecto desenvolvimentista é notório, em que as crises e seus efeitos sociais com toda a certeza fazem recuperar ideários autoritários, sidonismos ou guevarismos, que ainda que matizados pelos espartilhos políticos da globalização actual se poderão imiscuir nos processos sociais, o silêncio diante deste otelismo- que tanto tem feito a figura de "idiota útil" para o decadente poder português, ver o papel do BE nas últimas legislaturas - é uma distracção inadmissível. Pois arrisca a gradual musculização dos processos políticos e administrativos.

A "carta aberta a Otelo Saraiva de Carvalho", esta breve suma da anti-democracia, invoca Eduardo Lourenço, citando-o como prefaciador de Otelo. Uma recorrente estratégia de exaltação, a busca de um grande autor sublinhando o argumento. Ocorre-me por isso parafrasear o dito prefaciador. Pois, com efeito, para Cruzeiro, para os otelistas, "As FP-25 nunca existiram"!

Adenda: Ainda que o resmungo contra esta estética do terror tenha custos. "Má disposição", "acidez", chegam-me acusações por via de e-mails. Ok, "ácido" sim mas não colaboracionista.

jpt

publicado às 22:42


1 comentário

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De umBhalane a 15.04.2011 às 23:29

Com o devido respeito, eu diria os militares revoltosos (e todos o sabemos porquê - $€£).

Bom, cada um tem a brigada do reumático que merece.

E também o guia da "revolução"!!!!!!!!!!!

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