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As traduções e o latim

por jpt, em 28.04.06

[John Locke, Carta Sobre a Tolerância, Edições 70, 1996, (tradução de João da Silva Gama, revista por Artur Morão)]

É óptima a existência destas edições populares dos clássicos. São relativamente baratas, acessíveis à compra (encontram-se, são distribuídas). E assim permitem aos populares ler tamanhas palavras. E, mais do que tudo, recomendarem-nas, emprestarem-nas, recortarem-nas e assim passá-las aos populares mais novos. Têm defeitos nas notas de rodapé? Referências bibliográficas incompletas? Notações exóticas? Citações incompletas? Revisões parece-que-inexistentes? Terão, mas é por isso que são populares. Letra pequenina e lombada frágil? Sim, mas são populares.

O que me irrita são as não-traduções. Não é a primeira vez que aqui venho com latinices semelhantes. Não consigo entender a inexistência de tradução (que seja entre parêntesis, que seja em rodapé, até mesmo no fim do livro) das citações em latim. Durante muito tempo pensei que fosse sinal de distinção. Género quem aqui vem (o aqui são as ilustres colecções) tem que saber latim (e alemão, também sofre do mesmo mal). Pensei assim bastante tempo, chapéu na mão, respeitoso e humilde diante do saber de quem edita ou traduz tão grandes pensadores. Ainda que paradoxo, então as colecções populares não serão para nós, populares? Já letrados no hoje-em-dia do progresso mas não em latim (ou, repito, em alemão)? Mas enfim, de paradoxos está o mundo cheio. Ainda assim isto irrita-me, e cada vez mais.

Como mero exemplo, nesta "Carta Sobre a Tolerância" as duas siglas, bem significantes, que integraram a edição original, anónima, surgem

pelo menos 3 vezes, nas introduções e no texto. Em nenhuma delas são traduzidas, tal como várias outras citações. Porquê? Nós, populares, não podemos saber o conteúdo exacto e total do livro? Há dimensões que serão só para iniciados?

Repito, isto é mania geral, não apenas neste livro. Tradutores altaneiros? Editores elitistas? Vice-versa?

Talvez não. Pois estas são traduções de edições traduzidas. E quando nessas edições base (normalmente em francês) algum excerto em latim foi traduzido também aqui o surge em português. Portanto a imperscrutabilidade do latim não é um dogma (aliás neste caso está-se a traduzir um original latim, mas enfim). E na única tradução do latim para português (ainda que mediado pela tal tradução francesa, ainda assim) em todo o livro o jeito é este:

"Não tinha ele tomado como divisa o pensamento atribuído a Santo Agostinho: In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas" (na necessária unidade, na dúvida liberdade, em todas as coisas caridade)" [meu sublinhado]. [versão wikipedia, para quem tiver curiosidade]

Confirme-se. É um pequeno erro (ainda que invalide uma ideia). Até pode ser de revisão. Mas denota bem, o restante latim deste(s) livro(s) não é traduzido porque é desconhecido. E não se solicita trabalho complementar. O latim a seco não é sinal de distinção. Afinal somos todos populares, posso entrar. E ponho o chapéu na cabeça.

Mas e os mais-novos, como lhes traduzir as latinices avulsas? E, principalmente, como não os deixar assustar diantes dos excertos (quase)incompreensíveis?

publicado às 01:57


3 comentários

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De O leitor do seu comentário a 14.01.2012 às 00:15

Podemos, e devemos, irritar-nos com muitas coisas. A meu ver com as injustiças no mundo, isto se algo nos deve irritar... verdadeiramente irritar, no sentido estrito da palavra.
O que acho deveras curioso no seu comentário (que é, curiosamente, ser demasiado profuso na argumentação)é que se trata apenas de justificar o facto de o ter escrito - como se não estivesse inteiramente certo do que o que afirmou seria compreendido por todos.
Eu faço parte desse grupo, não o compreendo e não podia estar mais em desacordo. Eis porquê: um livro é uma porta para o conhecimento. Aquele que o compra deve ser curioso por natureza, pois esta curiosidade é amiga da sabedoria. As línguas estranhas podem ser uma riquíssima parte da cultura de um ser humano e a sua descoberta (seja das línguas vivas ou mortas) torna-se, quase sempre, num extraordinário utensílio na compreensão do mundo que nos rodeia e, logo, dos outros. Em última análise, assim que compreendemos o que nos era estranho, provavelmente, isso deixa de o ser (primeiro estranha-se e depois entranha-se). Deste modo, se calhar, depois disso, deixa até de nos irritar.

P.S.: entranhe-se nas línguas que lhe são estranhas...

P.S.: espero, sinceramente, que um mero comentário não o irrite
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De jpt a 14.01.2012 às 01:24

1. Cada um irrita-se com o que quer (ou pode). A mim irritam-me aqueles que julgam poder estabelecer hierarquias para os assuntos irritantes. V. irrita-se com as injustiças do mundo, sejam elas quais forem, e faz muito bem. Eu irrito-me consigo por me vir dizer sobre o que me devo irritar.
2. Não deixo de lhe agradecer a crítica, ainda que negativa, ao texto que aqui coloquei.
3. Desirrito-me quando me diz que não me compreende e discorda. Acho piada.
4. Acho imensa piada quando me diz que devemos aprender as "línguas estranhas" e me dá lições sobre o que é um livro. Como tal para acedermos aos tais "extraordinários utensílios na compreensão" deveríamos aprender todas as tais línguas estranhas. Antes disso? Aguentávamos.

5. Nãpo compreendeu o "comentário" (como lhe chama). Eu explico - as traduções em segunda mão são preguiçosas. Traduzem o texto já traduzido (do francès, na maioria dos casos) em edições "populares". E esquivam-se a traduzir partes significantes (pois lá estão) de línguas que não são do domínio da maioria dos hipoteticos leitores [V. lê latim, grego, alemão, russo, sânscrito, mandarim, etc? parabéns]. É uma decisão editorial preguiçosa e que prejudica os leitores (os tais que olham para os tais objectos que V. me avisa, com óbvia sapiência, serem "extraordinários utensílios")

PS é evidente que V. não percebe o que aqui escreveu, tamanho o absurdo de dizer a alguém para se entranhar nas línguas que lhe são estranhas. É, como se diria numa língua que não me é estranha, "um topete"
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De Rafertino Almeida a 08.12.2012 às 18:27

Tem toda a razão senhor «o leitor do seu comentário"! Desfez a verborreia inócua do postal e do seu autor. Parabéns.

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