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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
António Cabrita, que percebe de literatura, toma a defesa do "Cidade dos Espelhos, de João Paulo Borges Coelho, face a uma crítica negativa que o livro teve.
Eu não percebo de literatura, não é o meu "métier", sou só um leitor preguiçoso. E como tal não meto teclado em seara alheia. Só posso dizer que ao ler este livro do vizinho ficou-me acima de tudo isto, um paradoxo que passo a citar aos nacos, sem que com isso me possam acusar de truncar. Apenas para torcer o nariz a quem diga que "não há história":
"...este futuro que não deu em nada." (50)
"Caia deixa-se rodear de mimos. Os mimos que a ternura tece são bem mais sólidos ... Cedo ou tarde acabam por romper-se, é certo, mas para que tal aconteça é necessário muito mais do que um mero raio de sol.
A velha não sabe ainda se lhe toque, Caia não sabe se suportará ser tocado. Acaba por ser mais forte do que ela: estica as mãos, complexas folhas rendilhadas de nervuras, e tenta tocar os cabelos (porquê, sempre primeiro os cabelos?) ...
De olhos fechados, Caia deixa-se percorrer como se fosse um pequeno animal. Quando não pode mais, inventa uma súbita preocupação e corre à janela a espreitar a rua lá em baixo ...
A velha já mal consegue ver ,já mal consegue ver ou cheirar. Tudo acabará dependendo destas mãos tortas, as únicas que tem. Mãos que ainda vão segregando a teia com que prende e traz as coisas até si. (37)
Avança até as mãos trémulas, horríveis para o comprovar. Caia recua. (...)
A velha fica um tempo a olhá-lo e a sorrir. Afinal de contas é o seu neto, o seu único neto. Depois, passa outro tempo ainda em volta dele, nos trabalhos de tecer uma teia que o prenda (...) Fica a olhar o neto e a tentar chorar para celebrar o facto de estar tão viva ainda. Mas pelo menos há dez anos que lhe secaram as lágrimas, de uma vez que teve uma forte e continuada razão para chorar. Agora o mais que consegue é esta sequência de feios soluços enquanto a chuva miudinha traça arabescos verticais no vidro da janela. (38)
"No quarto, também nada conseguem achar. Há, é certo, um volume esguio imerso em despropositada serenidade, enredado em milhares de fios. Nada mais, apenas os fios da ternura de uma avó." (39)
O futuro, afinal, deu isto ... É, para mim, o desconforto que sinto diante do livro, a desvalorização (en passant?) desta magnitude.
Quanto ao resto, as críticas, as impressões. É uma história de amor. Tem história, e é essa. Bonita. De ler, e de se ver.
jpt