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[Susana de Matos Viegas, Terra Calada. Os Tupinambá na Mata Atlântica do Sul da Bahia, Rio de Janeiro/Coimbra, Viveiros de Castro Editora & Edições Almedina, 2007]

Este livro é a versão revista da tese de doutoramento de Susana Matos Viegas, corolário de um longo trabalho de campo, ocorrido entre 1997 e 2005, assim até extravasando a conclusão dessa graduação, realizada na Universidade de Coimbra. Susana Matos Viegas é uma antropóloga portuguesa de primeiro plano, actualmente investigadora no Instituto de Ciências Sociais de Lisboa e foi presidente da Associação Portuguesa de Antropologia - friso esses posto e cargo para referir a sua centralidade na corporação profissional em Portugal.

Não vou aqui abordar o conteúdo do seu livro mas sim a sua forma. Para a sempre desejável publicação em livro da sua investigação de doutoramento, SMV encarou o público que teria como alvo privilegiado. Sendo um trabalho dedicado à questão índia, premente nas últimas décadas brasileiras, tornou-se óbvio que os interessados oscilariam fundamentalmente entre a pequena comunidade antropológica académica portuguesa e um contexto bem mais vasto brasileiro, desde uma academia mais alargada a um universo de agentes sociais (estatais ou ongs) ligados (ou meramente interessados) às negociações sociopolíticas relativas a esta temática. Essa duplicidade nota-se, inclusive, ao nível de uma publicação editada conjuntamente por duas editoras, uma portuguesa (a conimbricense Almedina) e uma brasileira.

Mas o fundamental é que tendo em atenção o público maioritário com que esta publicação intenta dialogar o texto foi "traduzido" para português (académico) do Brasil, um trabalho efectivamente realizado por um profissional que transpôs o português académico de Portugal, original na tese. No óbvio intuito de tornar mais manuseável, mais amável, mais atractivo, o seu objecto comunicacional para o seu público maioritário. O qual, como é óbvio, e até pelas suas características sociológicas, poderá ler o português (académico) de Portugal - pois aqui não se tratou de uma declaração de défice cognitivo alheio - mas está confortável noutro português, o (académico) do Brasil.

E com isto me fez lembrar o início dos anos 1980s (quando SMV e eu fomos colegas). Quando na universidade contactávamos com uma bibliografia inexistente em edição portuguesa. E amplamente traduzida no Brasil (em particular pela Zahar Editora, lembro). E nas nossas dificuldades em ler os sociólogos e antropólogos ali traduzidos. Dizíamos que as traduções eram más (e algumas com toda a certeza seriam) e preferíamos, sem snobice mas por economia de esforço, ler em inglês ou francês. Era, como agora lembra a excelente estratégia editorial da Susana, uma questão de conforto cognitivo. O qual não nos impedia de ler Machado de Assis, Erico Veríssimo e Jorge Amado (este lia-se muito na altura). E não nos impediu de termos continuado a ler os escritores brasileiros (agora Hatoum ou Bernardo Carvalho, o grande Nassar, ou os outros clássicos, etc.). Porque na literatura, prosa ou poesia, o discurso é diferente, a atitude leitora diversa, e a própria fluidez semântica uma nossa exigência.

Este exemplo do livro de SMV não é apenas o exemplo de uma estratégia inteligente. É, pura e simplesmente, culto. Um exemplo de cultura. De quem conhece e analisa a realidade e nela actua, benignamente. Intentando o conhecimento e a comunicação. Sem charlatanices ou lusofonices. Percebendo que a questão das dificuldades do diálogo (e da aprendizagem externa) não radica na ortografia. Mas sim nas sintaxes e nas semânticas, nos vocabulários e nas suas combinações. E que essas dificuldades são a riqueza. E nisso, sobre isso, sim, há acordo. Um acordo comunicacional, de mútuo entendimento. De mútua procura de compreensão.

E é porque isto deveria ser óbvio mas não o é que dói toda esta mediocridade ortográfica. Que é a mediocridade duma sociedade, da sua elite. Procurando, trôpega, legislar, controlar, um fluído que lhe escapa. Esse, o do conhecimento, da aprendizagem, das relações. No fundo, apenas, uma elite inculta. Irreprodutiva. Numa sociedade que a permite e reproduz. E que assim fenece.

jpt

publicado às 02:59


3 comentários

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De Luís Eusébio a 29.09.2011 às 13:55

Não. Concordo com mais coisas. Realcei apenas um dos pontos que, ao fazê-lo, denuncia concordância com as dissemelhanças semânticas e léxicais.
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De jpt a 29.09.2011 às 12:50

não conheço a edição brasileira, não posso opinar. mas posso lamentar que apenas possa concordar com isso
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De Luís Eusébio a 29.09.2011 às 10:56

Caro JPT,

Numa coisa, ao menos, concordo: na generalidade, as traduções brasileiras são péssimas.

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