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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Desde que definitivamente adulto sempre me questionei sobre as causas dos comportamentos extremados. Por que é que no quotidiano pacífico há tanta acção objectivamente horrível?Por razões profissionais esta angústia implicou que me perguntasse, muito em particular, porque é que tanto académico peca por auto-centramento histriónico, por práticas patológicas? Há-os maravilhosos, há-os normais, mas abundam os terríveis. Pejados de ambições que nos estupefactam, tão poucas parecem ser as recompensas disponíveis para tamanhas atitudes.Não estou só nesta inquietação. Por vezes partilho com amigos colegas este espanto. Que nos é alimentado pelo desprazer da paisagem. Mas acredito que secretamente também é alimentado pelo medo em que nos tornemos assim, apenas membros de bandos de predadores esfaimados. Ou, pior, solitários roídos pelas maleitas da idade, mais perigosos e erráticos ainda.São conversas, esconjuros, que quase sempre terminam num "para quê tudo aquilo?", pois, e repito-me, as recompensas são poucas. Simbólicas sim, estatutárias sim. Mas, bem lá no fundo, nada que valha trocar pelo apreço dos seus pares humanos.Então nas gentes das ciências sociais estes feitios tortuosos ainda mais me confundem. Não só por aí conhecer uns muitos. Mas fundamentalmente por razões metodológicas: pois se os objectos de trabalho são as pessoas, como poderão tão execráveis pessoas proceder às suas investigações, como poderão eles organizar o necessário contacto, como poderão eles conceber sem preconceitos desvalorizadores aqueles que estudam?[há aqui uma explicação possível. Académicos arrogantes e umbiguistas, pisadores militantes, coisificam os seus objectos de estudo, os indivíduos. Assim podem tratá-los bem, lá do alto da Ciência. Regressando aos seus pares, aqueles não-coisas mas homens, regressam à sua "natureza de escorpião" (para usar a célebre fábula). Se isso tem efeitos na qualidade das suas análises sobre tais "coisas-homens" quem serei eu para opinar.]Aos historiadores ainda os justifico, uma vida encerrada em arquivos bafientos e mal iluminados, difícil é-lhes manter a prática do contacto pessoal saudável. Agora a gentes outras, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etcs, a essas nunca percebi. Quando assisto ou escuto relatos dos mais vis egocentrismos, por vezes até torpes atitudes, sempre procuro imaginar como será essa gente diante dos seus interlocutores aquando no trabalho de pesquisa.Quais as causas para tudo isto? Cultura profissional? Ambiente de formação? Maus tratos paternos? Esta é uma velha angústia, que tanto me desassossegou ao longo dos anos.[O Prezado Leitor já sofreu a investida de um bando de intelectuais profissionais? Uma inopinada emboscada solitária? Se sim compreender-me-á. Caso contrário, e para contextualizar alterne Kafka, o Alien de Ridley Scott (espantosa metáfora) e um pouco de Dante. Ficou em pânico? Vá ler o Robinson Crusoe, que me parece ser o único remédio pacificador, imaginando-se claro o herói ANTES do Sexta-Feira chegar].Mas hoje encontrei princípio de resposta para tudo isto. Rejubilo. E ainda bem que tenho um blog para partilhar com alguns este meu alívio. Ei-la:"O homem citadino não consegue continuadores. O político julga-se insubstituível; o literato cuida que depois dele ninguém mais saberá escrever; o industrial pensa que o seu génio empreendedor estancou as fontes da habilidade comercial. Só o camponês deixa herdeiros. Exactamente porque nenhum homem da terra se considera uma excepção, pode ensinar naturalmente ao filho todas as aquisições da sua experiência, e torná-lo um igual e um sucessor".Bem haja Miguel Torga, Diário V, Círculo de Leitores, p. 426 (22 de Abril de 1949)