Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Este é o texto de hoje no Canal de Moçambique]
Mês de Natal, também festa de família num país tão multi-religioso. Festa nas cidades, pelo menos para os que não adversos ao “universo cristão”, que Natal no campo é bem outra coisa. Festa para cristãos, por crença e hábito ancestral, e de outras confissões, por salutar convívio com usos que lhes foram alheios. De consumo excessivo, coisa de ritual. Pois momento de sacrifício, de oferendas, de dissipar para vir a (re)colher num futuro que venha.
Durante o mês vamos partilhando as “Boas Festas” com conhecidos ou desconhecidos, assim querendo-as para todos. No dia juntam-se as famílias, às vezes até nelas acolhendo amigos, esses assim anunciados como parentes, espirituais. Come-se e bebe-se em demasia, e nisso em cada casa conforme o que se pode. Para isso preparam-se as coisas do costume, que se a mesa deve ser farta o possível este não é momento de inovações. Pois em cada sítio comer-se-á diferente mas todos têm “aquilo que deve ser” o dia.
Trocam-se dádivas, as prendas, no dizer e confirmar que “somos família, somos dos nossos” e nisso até se estendem, a esses amigos então ali e mesmo a outros, visitados para a ocasião, num afinal “és como família”. Trocam-se prendas e sentimentos, sem sentimentalismo. É altura em que mesmo os mais empedernidos gostam de ser ofertados, de serem assim lembrados. Convocados.
Alguns ofertam os mais pobres, forma de dizer que todos são parentes ou que o deveriam ser nesta humanidade. Talvez por isso tão acertados vão aqueles que dizem que o Natal deveria ser todos os dias. Os religiosos vão à missa. E nisso falam com os antepassados, é dia de (também) os evocar. E, até, de os invocar.
Assim comungamos, “estamos juntos”. Tréguas nas zangas, intervalo no individualismo, hesitações no puro egoísmo. Para continuarmos a ser. E na esperança que por todo este excesso, de coisas e sentimentos partilhados, venhamos a ter e a ser mais. Até este ateu, que escreve, sente assim os dias. Mesmo que depois siga, sei-o bem, na sua concha. Imóvel.
Nesta altura, imigrante longe da família, festas assim dolorosamente amputadas, partilho a minha imaginada cesta de Natal, aquelas oferendas que escolheria, tivesse eu o dinheiro e a gente para ofertar. Alguns lerão e resmungarão que o povo não tem dinheiro para isto, que agrido a pobreza alheia. Outros dirão que faço publicidade, deverei estar a ser pago. Sejam, sff, natalícios, suspendam a má-vontade. Partilho gostos, apenas. Então é assim a minha imaginada cesta de Natal, 10 prendas:
Um livro, “Sangue Negro” de Noémia de Sousa, reeditado este ano pela Marimbique. E alguém poderá ler, alto, algo como se canção de Natal: “Dia a dia / o pulso à roda de tudo / se aperta mais e mais … /Dia a dia, grades e grades se forjam / tapando o sol de toda a gente. / Dia a dia / do fundo da noite em que nos estorcemos / mais e mais se sente / a certeza radiosa de uma esperança …”.
Um saco de castanha de caju. A castanha é a minha paixão. Compro-a (sacos de 180 meticais) nas vendedoras do mercado do peixe, e nunca me arrependi.
O single “Caranguejo”, de Stewart Sukuma. Porque alegra. E porque o cantor nos vem dando entretenimento denso, juntando a tradição urbana com a moderna qualidade de produção, sem facilitismo. Se há indústria musical aqui é Stewart.
Um frasco de mel, por exemplo daquele de Boane, que ainda não é uma compota química.
Uma aguardente Aloe, produzida no Mossuril. Que tal um intervalo no culto dos “rótulos vermelhos” ou “negros”? Esta destilação da aloe vera, célebre planta dita miraculosa merece atenção. Não curará os excessos alcoólicos mas animará o convívio.
Olhando o que vem do Mossuril junto o licor de jambalao (Jamba Brandy), para beber fresco e partilhar com as senhoras. E esqueça-se a Amarula, esse leite condensado bem publicitado, sff.
Uma fotografia de Ricardo Rangel. No ciclo de actividades que o homenageia já houve a exposição “Rangel e as crianças”, na galeria Kulungwana (estação dos CFM). Por 3000 meticais (imenso para a maioria, mas acessível à burguesia natalícia) pode-se ter uma das fotos com que Rangel retratou e imaginou Moçambique. A dar a alguém a quem se quer dizer algo especial.
Um conjunto de seis frascos de condimentos (300 meticais). Eu compro os do restaurante Petisco (no Hoyo-Hoyo), excelente fabrico caseiro, e proponho uma mescla de achar de limão, chutney de limão e tâmara, chutney de manga, miscut de tendlim, miscut de manga e kassaundi de manga.
Um queijo de Chimoio, até amanteigável, ou até mesmo do apicantado. Bem mais saboroso do que os sintéticos que chegam da vizinhança ou dos básicos e caríssimos portugueses que aportam a Maputo.
Outro disco, o “Timbila Ta Venâncio – Ao vivo no Teatro África”, o apenas segundo disco do enorme Venâncio Mbande, gravado este ano. Bom som, boa produção, uma selecção de 11 significativas músicas. Se tantas loas tem a música de timbila então é obrigatório levar o disco para casa dos parentes. Sem discursos, só para gozar a vivacidade e a riqueza, feitas alegria.
Desejo a todos um Natal “saborosamente moçambicano”.
jpt