Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]




"As compotas do Pedro"

por jpt, em 23.01.12

 

O nosso co-bloguista Pedro Sá da Bandeira surge na edição do Diário de Notícias de ontem (21.1.2012), em artigo ilustrado pela fotografia que reproduzo acima. Ali se explica (também) o pousio bloguístico em que ele se encontra, dedicado às suas urgentes e literais machambas. O Pedro, meu amigo e compadre (por via da amizade sororal das nossas filhas), é repórter fotográfico, trabalhou durante anos no "Record". Partiu para os EUA e depois para Moçambique, onde trabalhou com assinalável sucesso. E fez ainda exposições individuais. Do seu trabalho realço a exposição "Vai Fazer Bom Preço" em 2008. Uma coisa raríssima, um olhar destipificador, uma marcha contra o exótico e a despersonalização, um momento de inteligência perfeitamente excêntrico ao comum do olhar português sobre África.

 

É um profissional com este valor que, regressado a Portugal por razões familiares, encontra um mercado profissional desgraçado, prisioneiro da sub-remuneração, o estertor do jornalismo como existia, o desbaste da sociedade que conhecíamos. Profissionais primeiro proletarizados, depois sub-proletarizados. O PSB, à sua maneira, suave e sem procurar os píncaros, recusa a lumpenização. E tem a extrema coragem de procurar outros caminhos, de se reinventar. Um naco de terra de família, mãos à obra na produção agrícola e na sua transformação. Um must de dignidade nestas suas compotas, as "compotas do tio" como eu insisto, risonho, em intitular. Em vénia. Viva o PSB!!

 

Ele fez zoom à fruta da quinta da avó


Do congresso norte-americano para a Quinta de São Romão, em Setúbal, vão cinco anos. Pedro Sá da Bandeira, 41 anos, é fotógrafo. Estudou no Cenjor, estagiou no desportivo Record e colaborou com títulos como o El País, o Le Monde, a revista Edit ou o jornal de Washington The Hill. Foi ainda correspondente da agência Lusa em Maputo, Moçambique. Além do fotojornalismo, Pedro trabalhou como fotógrafo para a Organização das Nações Unidas, a Fundação Gulbenkian e a USAID - Agência de Cooperação para o Desenvolvimento do Departamento de Estado americano.


De regresso a Portugal, depois de quatro anos nos Estados Unidos e outros tantos em Moçambique, Pedro não encontrou o mesmo mercado que em 2002, ano em que saiu do País. "Escolhi a fotografia porque gostava e porque queria uma profissão que não me obrigasse a estar fechado num escritório. Passava as manhãs a ler jornais, a história do jornalismo era-me familiar. Tinha a quinta da família, e comecei a arranjar as coisas, não naquela coisa idílica de ir para o campo, mas para ter, no fundo, melhores laranjas para comer em casa. Rapidamente comecei a ter o que queria na fotografia - andar ao ar livre - e passei a ir para Setúbal quase todos os dias. Depois, é esta economia de sobrevivência: tinha lá uma ameixeira. Quando vi as ameixas a cair, decidi fazer uma compota", conta.


Até ao ano passado, a casa da avó de Pedro servia apenas para férias e fins de semana. Primeiro, o fotógrafo decidiu recuperar o laranjal - que produzira frutos até ao governo de Cavaco Silva e permitira à família comercializar laranjas. Mas Pedro não ficou pelo pomar: começou a fazer compotas de fruta e plantou uma horta com legumes da época. "Ervilhas, rúcula, tomate... agora só como tomate produzido por mim...", esclarece.


Mas como é que um fotógrafo profissional troca as lentes e as objetivas pela enxada? Não troca. Pedro continua a levar a máquina fotográfica para todo o lado e tem documentado o crescimento e a produção da horta. Além disso, continua a trabalhar como fotógrafo sempre que surgem trabalhos - como aconteceu em 2011, quando foi contactado pelas Nações Unidas para fotografar o trabalho State of World Population Report.


"A fotografia continua, mas procuro-a menos, sempre à espera de uma resposta. Não desisti da profissão, mas, de momento, ser fotógrafo não está a garantir-me qualquer tipo de rendimento. Não é que o que eu estou fazer esteja, mas pelo menos todas as semanas faço uma sopa com os meus legumes."


O sucesso das compotas de fruta da época - que Pedro cozinha e coloca em frascos esterilizados - já não se resume a pessoas da família: o fotógrafo pensa apostar na venda dos produtos em mercados, depois do sucesso que as suas compotas fizeram no Natal.

"Há muita concorrência, por isso tenho apostado em pequenos pormenores. Por exemplo, a baunilha que uso é francesa e as receitas são as mais tradicionais."


Com um investimento que ronda os 500 euros mensais, entre "combustível e sementes", a venda de compotas ainda não cobre todos os custos de produção, mas Pedro quer prosseguir com o projeto, a par da fotografia. Para isso, tem fotografado a horta e espera poder vender as fotografias emolduradas. "É assim... As voltas que a vida dá."


Entre ervilhas, espinafres, couves-flores, brócolos e tomate, Pedro Sá da Bandeira decidiu mudar de vida. Ou como o próprio escreveu numa carta, "se calhar, o futuro passa por aí. Por nos reinventarmos".

Retrato

Pedro Sá da Bandeira nasceu em 1970 e tem dois filhos. Frequentou o curso de Relações Internacionais mas optou por ser fotógrafo, por não se imaginar a trabalhar "num escritório". Entre 2006 e 2010, colaborou com a agência Lusa na delegação de Maputo, Moçambique. Em 2009, expôs o trabalho realizado em Moçambique no Instituto Camões. Vende cada frasco de compota por 5 euros.


jpt

publicado às 01:01



Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos