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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Uma interessante colecção de textos de Eduardo Lourenço este "A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História? Ensaios Políticos" (edição algo preguiçosa da Gradiva em 2009 [há textos que já precisam de notas de rodapé, em particular os aprisionados à política portuguesa, pois entretanto as décadas passaram e os eventos aflorados surgem já como "pequena história" em demasia]). Interessante também como na sua leitura podemos ver por um lado a incapacidade de se acompanhar os processos coetâneos (em 1986 em "A Esquerda como problema e como esperança" EL estava ainda incapaz de entender a desagregação da URSS - e, "apesar de tudo", desvalorizava retoricamente os seus críticos, ver pp. 39-40) e por outro a perenidade das preocupações, tantas dessas que hoje surgem como se inopinadas, a maior das quais a quasi-sempre presente escatologia ocidental da "crise" como se lê no mesmo artigo de 1986 (há um quarto de século!) através do lamento/apelo "É necessário e urgente numa Europa ao mesmo tempo transbordante de riqueza, de ciência e tecnologia de ponta, e em crise ... que a Esquerda recupere ... a sua função de contra-poder, e até de antipoder mesmo no poder." (36).
Também explicitando as perenidades, neste caso particularmente as portuguesas, e denotando a incomunicabilidade entre o intelectual partisan e os movimentos partidários a que adere, surge a reflexão sobre o PS que estabelece por dentro, ancorado no seu estatuto de entre-"camaradas" (9). Em 1988 escreveu ("Memorial por conta de um futuro socialista") "É excelente e mesmo necessário que um partido que se afirma socialista e democrático não seja um partido ficticiamente unanimista" (65), algo que o futuro do seu partido e dos seus camaradas veio a desmentir, com redobrado desprezo e franca arrogância. Eduardo Lourenço nunca foi apupado num congresso do PS guterrista ou socrático apenas porque terá faltado a ocasião ...
Particularmente interessante o artigo "Do Estado como providência (O fim de um mito?)" (1997). Por um lado porque nos devolve a velha expressão Estado-providência que a estratégia discursiva "socialista" censurou nos últimos anos através da migração (ou transumância?) para o vácuo "Estado social". Mas acima de tudo porque é sagaz o suficiente para entender os processos históricos da sua formação (o "contrato social" que o funda e a exclusão internacional que exige, um verdadeiro "corporativismo continental"). E formulação que desaparece radicalmente nos actuais defensores do tal "Estado "social"", mergulhados no feitiço da "crise" e na reclamação dos seus privilégios. De "classe", "continental" ...
"Nem a hegemonia política, nem a económica da Europa durante os três últimos séculos foram um produto do acaso. A superioridade científica e tecnológica, a capacidade de empreendimento dessa Europa, em particular da Inglaterra, explicam de sobre essa hegemonia e a sua duração. Mas não as explicam menos o facto de a Europa não ter concorrentes e poder obter matérias-primas e mão-de-obra, por assim dizer, no mundo inteiro. As exigências internas do combate social europeu conduziram ao Estado-providência. Mas não o poderiam ter feito se a Europa no seu conjunto não fosse um continente privilegiado. Pelo menos até aos finais da Segunda Guerra Mundial que, paradoxalmente, viram a emergência de um verdadeiro Estado-providência como se fosse ao mesmo tempo uma vitória e o anúncio do seu crepúsculo." (85)
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