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Otelo e a democracia senil

por jpt, em 17.03.12

[Instalações do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra]

 

Otelo Saraiva de Carvalho voltou às lides da palavra pública. Há um ano, a propósito de outra das suas atoardas, já aqui botei o que agora repito: "Otelo ... disse mais algumas asneiras, não particularmente relevantes, o homem é o que é, a sua importância histórica é apenas a de o terem querido como símbolo, o problema (que nem dele é, que não tem dimensão para ter problemas) é ser vastamente inferior ao que dele quiseram fazer."

Mas as suas declarações levantam outro tipo de questões,sobre o funcionamento das instituições estatais em regime democrático. Otelo acaba de apelar a uma revolta militar. Sou totalmente leigo em matérias jurídicas e, como tal, também o sou em termos de justiça militar. E por isso fico confuso. Se um militar reformado pode ser promovido (em 2009, já na situação profissional em que Otelo agora se encontra) ainda está sob o âmbito militar, e como tal deve ser punido por este tipo de declarações. Ou seja, ou é militar e sendo promovível é também punível por apelos à revolta. Ou é civil e diz o que lhe apetece quando fala de política. Só uma democracia senil se distrairá quanto a isto. E isto está muito para além dos juízos de valor que, subjectivamente, cada um poderá fazer sobre o indivíduo.

Mas o que mais me choca destas declarações está muito para além de Otelo, até pela mediocridade do indivíduo. A questão fundamental está no seu enquadramento. O coronel foi convidado para fazer uma palestra sobre  "As Forças Armadas na Defesa da República e da Democracia Portuguesa" no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, uma unidade do Instituto Politécnico de Coimbra, uma institução estatal de ensino superior. Entenda-se, para uma instituição oficial do ensino superior é normal, desejável, convidar Otelo para falar sobre a "defesa da república e da democracia".

Já há um ano aqui me indignei com um texto publicado pela historiadora Maria Manuela Cruzeiro, que trabalha para o estado português, sobre Otelo [escrito para o "Entre as Brumas da Memória", que o publicou integralmente]. Um texto revisionista, de falsificação da história através da elisão do processo pós-25 de Abril. Aquilo que então não escrevi - mas devia ter escrito - era o meu espanto e repugnância diante de um estado que paga ordenado a um historiador que é falsário, e que o é explicitamente para intuitos políticos. O lugar de um revisionista histórico não é, obrigatoriamente, a prisão (como em alguns países algumas leis requerem). Mas não será, com toda a certeza, na folha de pagamentos da função pública. A questão então era bem simples: o "apagão" da existência das FP-25, uma organização terrorista, que cometeu vários atentados, assassinou pessoas, intentando o estabelecimento de um regime ditatorial. Uma organização da qual Otelo foi mentor, fundador e líder. Por isso foi preso (uma gaiola dourada, contavam-me os polícias militares milicianos que o escoltavam, mas isso é outra história). E depois indultado, solto.

É esse revisionismo que pulula, grudado como paradigma, um revisionismo que consiste na negação do terrorismo assassino com intuitos anti-democráticos, no esquecimento da existência das FP-25. Otelo tem direito a falar? Tem, todo, é um cidadão. Mas que critérios são os de uma instituição de ensino superior pública que convida o líder reconhecido da mais gravosa organização terrorista anti-democrática nacional para falar sobre a "defesa da república e da democracia". Critérios absolutamente inaceitáveis. Vá ele propôr revoluções ou não.

Muito mais relevante do que hipotéticos processos à patética figura é essa cumplicidade institucional pública com esta falsificação histórica. Por isso me parece totalmente desadequado que a direcção do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra continue em funções. São os responsáveis disto, para lá dos meandros internos da organização. Devem abandonar funções: Rui Jorge da Silva Antunes (presidente), João Benjamim Rodrigues Pereira e Maria João Pinto Cardoso (vice-presidentes), Paulo Sanches (pró-presidente), independentemente de quaisquer méritos outros que tenham. A educação da sociedade não pode aceitar estas falsidades, anti-democráticas ainda para mais. Só uma democracia senil, e timorata, hesitaria diante disto.

(Nota: até hoje desconhecia a existência deste Instituto e da sua direcção. Que até podem ser excelentes profissionais. Mas isto é inadmissível.)

jpt

publicado às 00:33


1 comentário

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De Lucia Costa a 17.03.2012 às 01:11

Haja alguém que não deixe passar esta infâmia, esta vergonha em branco. Concordo totalmente com a sua opinião, linha por linha, letra por letra.

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