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Para acabar de vez com as touradas

por jpt, em 27.03.12

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Em Portugal o Bloco de Esquerda propôs no parlamento uma lei contra as touradas, querendo proibir financiamentos indirectos do Estado a esses espectáculos e a sua transmissão televisiva nos canais públicos. E ainda a sinalização dessas transmissões nos canais privados (intentando-lhes uma "marginalidade"). Não sou adepto da "festa brava", nunca assisti a uma tourada, e nisto a minha visão não é nada a la Hemingway, foi nos tempos de adolescência muito mais moldada por D. H. Lawrence, com tudo o que de datado e preconceituoso aquela "Serpente Emplumada" se emplumou com o tempo.

Ainda assim este afã anti-tauromáquico desagrada-me. É certo que corresponde a um crescente sentimento de protecção dos animais, até político, e neste âmbito nada mais é do que uma mitigada derivação, até decadência, dos movimentos ecológicos, uma "petização" das grandes agendas ecológicas de finais de XX. Um processo actual que tem inscrições, legítimas e benfazejas, nos cidadãos - basta passear nesse Rossio actual que é o facebook para ver a quantidade de canídeos e (menos) gatídeos para os quais se pede protecção.

Mas a questão política não habita aí. O aproveitamento deste assunto pela esquerda totalitária e populista, na sua constante agenda agit-prop, tem outras raízes. Significativas num país onde os movimentos ecológicos nunca alcançaram efectiva influência no âmbito político (um pequeno e muito pessoalizado movimento em 1980s por via do partido monárquico; uma breve ascensão de figuras no PSD de finais dessa década, logo enviadas para exílios "dourados"  decerto que para "não incomodarem"; e alguma capacidade de intervenção social de organizações - como a Quercus - mas sem grande peso estrutural). A fragilidade política da cidadania ecológica está bem simbolizada na repugnante pirataria simbólica realizada pelos comunistas, que há décadas mantêm a fraude parlamentar dos "verdes", um acto de corrupção por via de apropriação de recursos  estatais e de imoralização do regime parlamentar que parece já a ninguém chocar.

O radicalismo comunista avança contra as touradas por intentos propagandísticos, a tal festividade "fracturante" que o fez crescer em XXI, sempre atenta às marés das sensibilidades da cidadania, estas difusamente influenciadas pelas questões internacionais, particularmente se americanas. Mas a base não está apenas aí.

A questão tauromáquica radica numa aversão com um mundo social rural (ainda que com as "modernas" características rurais do Portugal de hoje). É óbvio, até pela linguagem constantemente usada (as acusações de "selvajaria", "barbárie", "primitividade", "tradicionalismo", as reclamações de projectos de "modernidade", "civilização"), que nos deparamos com uma população (neo)urbana enfrentando com desagrado as características remanescentes de um mundo ruralizado. O desagrado com a tourada não é apenas com o sofrimento dos bichos (ainda que isso seja constitutivo). É com aqueles contextos sociais, com as suas formas publicitadas de adesão religiosa, de vida familiar, de estrutura social e suas hierarquizações explicitadas, de terratenência (ainda) e de reprodução de redes sociais. As quais são celebradas, implícita e explicitamente, na tal "festa brava".

A desvalorização da tourada começou no 25 de Abril (acima de tudo a nível simbólico, identitário do país) por questões de "inimizade" socioeconómica, de transformação do regime político, mas regressa agora num outro contexto por "inimizade" cultural. Os pequenos urbanos, como nos séculos anteriores, têm repugnância pelo estertor rural. É apenas uma pobre, e serôdia, sequela do "iluminismo". A este movimento político anti-tauromáquico não repugna o sofrimento dos bichos mas sim a vivência dos homens. As suas bases sociais urbanófilas exigem, de modo até inconsciente, a padronização total do país. O que coincide com o totalitarismo inscrito na génese e na actualidade dos partidos que o agitam. O sempre afirmado "direito à diferença" é, claro, como sempre, siamês dos intentos de exclusão.

Na base deste movimento político pretensamente ecológico da "esquerda" portuguesa está não só esta vontade de aplainar o país (o que não é novo na história). Está também, como surge quase sempre nas suas campanhas políticas, um profundo reaccionarismo, uma estruturante irreflexão sobre as suas constituintes ideológicas. O frágil movimento ecológico português, nas suas explosões políticas, nunca abordou sistemicamente as formas de industrialização animal, de ordenamento territorial, nem mesmo ultrapassou o produtivismo agrícola. A vida animal (e correlativa flora) não tem sido verdadeiramente uma agenda. São agora os touros - insisto, fundamentalmente como forma de chegar, transformar, os homens. Com pitada de propaganda auto-glorificadora.

Para o movimento político este incómodo com a "barbárie" tauromáquica não tem qualquer relação estruturante com os (sofridos) animais. Isso denotando é o exemplo extremo de que os mesmos pequenos burgueses (pequenos urbanos), e seus deputados, que tão solidários são com os pobres touros, não têm qualquer pejo em levar as suas crianças aos zoológicos - e a ideia de que uma tarde lancinante no final da vida de um bovino é pior do que vidas de confinamento para um felino ou um primata, ou outros animais, é absolutamente desprezível. Nenhum movimento de cidadania se levanta contra o "zoologismo". Nem face ao sofrimento animal assim infligido, nem face às concepções culturais sobre o mundo natural e sociopolítico que o "zoologismo" reproduz, inscrevendo-as nas novas gerações.

Demonstrando o impensamento constante, estrutural, da pequena-"esquerda" populista? A sua mediocridade intelectual? Sim. Mas muito mais do que isso, mostrando a sua adesão aos modelos políticos e ideológicos que constituiram o movimento "zoologista", de apreensão colonial da natureza, de apropriação e devastação ecológica. E de exposição dos seus "restos", exóticos, assim "zoologizados". No fundo, a actual "festa brava" do movimento anti-tauromáquico é isto, apenas isto. A demonstração, radical, do profundo reaccionarismo do comunismo radical português. Muito por ignorância, certo. Mas muito por perfídia. Propagandística mas, muito muito mais do que isso, ideológica.

Abaixo ilustro o que o Bloco de Esquerda (e seus "companheiros de estrada") não acham prioritário, nem mesmo necessário, discutir. Pois não lhes afronta o mundo social e cultural tal  qual habitam e fruem. Ou seja, o mundo globalizado, e globalizado "daquela maneira", colonial, apropriadora, "expositiva" onde frutificaram. Aquela globalização que tanto choram, e reclamam por manter.

 jpt

publicado às 12:50


13 comentários

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De contra touradas a 18.09.2012 às 11:22

faço minhas estas palavras:

Miguel diz:

17/06/2012 às 6:19

Confesso que não li o texto por inteiro. Li contudo suficiente para compreender que o autor está extremamente desinformado em relação ao tópico que comenta. Começa quando mistura questões relacionadas com direitos dos animais com questões relacionadas com ecologia, e acaba com a apresentação de duas imagens de animais encarcerados, acreditando ser um iluminado preparado para dar a missa ao padre, demonstrando que não teve o cuidado de explorar minimamente os movimentos de defesa dos direitos de (todos) os animais. Não sou representado pelo BE, fico muito contente com o projecto de lei que foi apresentado por um, infelizmente, pequeno grupo de deputados deste partido. O BE está numa situação delicada neste tema já que a única câmara municipal que é presidida por um membro deste partido, é presidida por uma senhora extremamente aficionada, num município extremamente ligado à tauromaquia. Dei-me ao trabalho de explorar superficialmente o percurso e posição de uma deputada deste pequeno grupo de deputados sobre este tema e não tenho dúvidas da honestidade da preocupação que esta tem sobre o tema em questão, assim como sobre os direitos de todos os animais. Acusar o BE de aproveitamento de movimentos ecologistas, como me pareceu do que li do seu texto que era o seu objectivo, é na verdade uma análise ridiculamente simplista. Aliás, a defesa dos direitos dos animais não é uma luta preconizada por um grupo de pessoas homogéneas que facilmente se sintam representados por um qualquer partido político apenas porque este partilha a sua luta, assim como quem participa activamente na luta pela defesa dos direitos dos animais, tem obviamente muitas outras preocupações em temas muito diferentes, com opiniões e posições muito diferentes, e certamente que os deputados em questão estão conscientes desse facto, certamente muito mais conscientes do que o senhor.
Li ainda num paragrafo que considera a luta contra as touradas como uma luta contra o mundo rural. Não li os argumentos nesse paragrafo, mas nem preciso de ler para lhe dizer que essa sua opinião, absolutamente ridícula, vem mais uma vez reforçar que o senhor está completamente desinformado sobre o assunto em questão. Custa-me compreender qual é a parte da motivação por detrás desta luta que não é perfeitamente óbvio; depreendo daí que o senhor não tem a menor consciência do sofrimento do touro, o que leva a que certamente não tenha a menor consciência do sofrimento, físico e psicológico, de qualquer animal não humano. Não lhe vou tentar explicar o óbvio, porque certamente a realidade da tauromaquia passa-lhe completamente ao lado, não deve conhecer o tratamento que é dado ao touro durante e após a corrida, e nem deve saber exactamente quais são os apoios estatais que o BE quer impedir, que estão a ser directa ou indirectamente aplicados em actividades tauromáquicas quase sempre de forma ilegítima aproveitando buracos da nossa legislação; mas digo-lhe que conheço muita gente do mundo rural, de terras extremamente aficionadas como Vila Franca de Xira ou Samora Correia, que se dedicam de modo extremamente activo, muito mais activamente do que qualquer “neo-urbano” precisamente porque lidam com a realidade da extrema fragilidade da nossa legislação neste assunto, à luta pelos direitos de todos os animais, que certamente teriam todo o gosto em perder algum tempo a explicar-lhe aquilo que só por ser necessário explicar-lhe já é em si um problema.
Acabo com um convite: a apresentação dos animais enjaulados é em si uma atitude hipócrita, já que se se preocupasse com esse problema saberia que não estava a ensinar nada a ninguém…convido-o a, caso haja alguma preocupação honesta da sua parte relativamente aos abusos que apresentou, juntar-se a nós em acções/petições/manifestações, etc, contra pelo menos este tipo de abusos, o que envolve circos com animais, os jardins zoológicos que temos em Portugal com a excepção do parque de Sines, etc…Não há um animal ou um abuso prioritário, há é pouco interesse da sua parte, e infelizmente da maioria dos portugueses, neste tema, pelo que só se apercebem de situações pontuais como esta das touradas, que afecta um lobby cujo negócio não sobrevive sem os subsídios que ilegitimamente lhes são atribuídos.

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