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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
No seu mural de Facebook o jornalista José Manuel Fernandes reproduziu agora os exames da 4ª classe em 1966, perguntando "quem seria hoje capaz de os resolver?", capciosa questão conduzindo-nos ao diagnóstico do radical ignorância actual. Dantes é que era bom, como é óbvio. Claro que por lá colhe centenas de "laiques", a vox populi de hoje, grande parte desta sempre sensível a estes "rapidismos" a escorregarem para o chinelo ...
Nem vou discutir as questões ligadas com o ensino da cidadania (sim, é uma dimensão escolar, curricular), nem com a impregnação de modalidades de actuação intelectual (que, em última essência, são o cerne da escola), ou outras coisas mais explícitas que terão mudado no currículo escolar no último meio século.
Nem vou defender a escola actual. Já aqui resmunguei contra a lassidão da aprendizagem no actual ensino básico, algo que descobri quando a minha filha transitou de uma escola internacional para a portuguesa. O diferencial era tão grande que a avançaram um ano e ela, ainda assim, navegava com toda a facilidade pelo paulatino currículo.
E também não elogio a actual escola porque, tendo lá uma filha, vivo em permanente irritação com a cultura profissional dos docentes, submersos num lamaçal intelectual culpabilizador desses energúmenos que somos nós, os vis pais, ou "papás", como somos tratados com desprezo. Pois para os membros daquela corporação que vou conhecendo, os culpados do estado do mundo, e concomitante insucesso escolar, é a repugnante família - daí o fascínio por tralhas como "E Tudo Começa no Berço", do psicólogo Luís Maia. Interessante, se para José Manuel Fernandes (e todos os seus laicadores), o bondade residia na escola do Estado Novo, pois aí-então é que se aprendia, para o psicólogo Luís Maia (e todos os seus reprodutores), a bondade terá residido numa qualquer família (do Estado Novo?) passada, que disciplinava as crianças e as preparava para irem, educadamente, à Escola como receptáculos do saber. Estão bem uns para os outros ... ainda que, se calhar, não saibam disso.
[Mas aquilo do psicólogo Luís Maia, que tanto blogo-eco teve, lembrou-me do quanto mudam as ... "vontades" com o passar dos tempos. Há alguns anos a "família" era vista como um coito de pais falocratas, ditadores domésticos, pró-alcoolizados e violadores, e de mães violadas, traumatizadas, frígidas e emasculadoras das proles, tudo isso correspondendo à gestação de gerações de complexados incapacitados. Daí a necessidade de "escangalhar" a instituição familiar. Agora esta mesma família é vista como um recreio onde os gentios crescem selvagens, desregulados, felizes e mimados. Terão as coisas mudado assim tanto?]
Enfim, derivações minhas. Porque o interessante são os tais "orgulhosos" exames da 4ª classe de 1966, no ocaso do Senhor Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar (já agora, constava, garboso, do meu livro de leitura), reproduzidos, com saudade e apreço, por José Manuel Fernandes. Não resisti e fui vê-los. Ridículo exemplo, para os objectivos pretendidos. E no mural de JMF deixei este comentário, obrigatoriamente curto pois no FB (ligeiramente alindado aqui):
"Que tristeza. Pura demagogia. Isto não "cabe" no seu perfil intelectual, é uma mera atoarda. Explico-me: tenho uma filha com 9 anos, no meio do 5º ano (o antigo 1º do ciclo preparatório). Vou-lhe acompanhando os estudos - neste momento ela responderia a grande parte disto. Com algumas diferenças, a formulação das questões de matemática (as coisas do azeite, as torneiras que pingam, esses antigos quebra-cabeças que tantos nos marcaram) é algo diversa - e já me custa ajudá-la. E, claro, as questões de geografia e de história são algo diversas [está agora a entrar na II dinastia]. Certo, muito do que utilizaria para responder a estas perguntas aprendeu neste 5º ano (e não na "4ª classe"), o que corresponde a um diferente arrumação do currículo (notar que em 1966 a 4ª classe ainda era a conclusão de estudos de uma boa parte da população) - como por exemplo conhecimentos de geologia, astronomia, biologia, ética (eu chamar-lhe-ia "filosofia social"), artes, etc. E corresponde também a diversos métodos e conteúdos de expressão apreendidos. ... Um mau momento seu, garanto-lhe."
Ou seja, em querendo apoucar o conteúdo do ensino actual por este modo não se vai lá. Talvez existam outras coisas para discutir. Para além do "dantes é que era bom" e dos "malandros dos pais incompetentes".
jpt