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O consulado português de Maputo

por jpt, em 14.05.12

Contrariamente a algumas pessoas, até amigas, tenho boa opinião dos funcionários públicos diplomatas portugueses. Não só no sentido global (Portugal tem tido uma política externa bem sucedida ao longo das últimas décadas). Mas também no seu desempenho individualizado. Conheci vários diplomatas de grande qualidade. O homem mais sagaz e mais decente com o qual trabalhei foi um diplomata, o Embaixador António Valente, cuja memória muito acarinho. Um príncipe da república, sem qualquer hipérbole.

Certo que a imagem pública da "carreira" (como os próprios lhe chamam) é algo afectada. E muitas vezes pela própria "afectação" que conduz os passos de muitos dos seus membros, a excessiva personalização da "gravitas" necessária à representação do estado e ao acompanhamento das relações políticas internacionais. Haverá também, algumas vezes, tiques sociológicos, de "elitização" ou de "ascensão social", como se uma absorção do simbólico dos poderes dos quais são vizinhos, nisso criando fossos face àqueles a que servem, nós. Algo, creio, que mudará com a passagem das gerações de uma democracia republicana. Mas, grosso modo, é uma profissão onde há gente de grande qualidade, e ao qual o país muito deve. [Entre eles, consta e fazem constar, são tenebrosos, um autofagismo corporativo. Coisa que derivará das modalidades de exercício da profissão, pequenos núcleos expatriados, e das formas de organização interna, onde as redes pessoais são ainda mais determinantes do que na restante administração pública]

Vem estre preâmbulo a propósito da Petição que acabo de receber, onde se solicita ao MNE que abra uma excepção à normal rotação dos diplomatas e mantenha em funções a actual consulesa-geral* em Maputo, Graça Gonçalves Pereira. A qual é uma mulher incomum. Desde logo porque a sua concepção de "função pública" é a de "serviço público", algo que não está bem arreigado nos hábitos nacionais. Enérgica, criativa, exigente, disponível. O seu período em Maputo correspondeu ao crescimento da população portuguesa por cá e, como tal, de incremento das responsabilidades consulares. Dinamizou e acompanhou múltiplas actividades, congregando a "comunidade" (como se costuma dizer), procurando criar espaços comuns, de conhecimentos e de interacção.

Apaixonada pelo seu serviço e interessada pela realidade no qual decorre, entendeu como ninguém que a forma de dinamizar as formas de sociabilidade não era induzindo o auto-fechamento português, mas sim a compreensão e o apreço que nós-todos podemos ter do país em que vivemos e trabalhamos. Criou relações com inúmeras instituições e organizações moçambicanas. Dinamizou o "seu" consulado como verdadeiro centro cultural (nisso contrastando com o marasmo intelectual do Instituto Camões, seu vizinho), tornando-o um espaço de verdadeiro diálogo e interacção entre as múltiplas "comunidades" aqui existentes. Algo de um simbolismo profundo. Com tudo isso mostrou-se diplomata, forma de política. Ou seja, atenta, inteligente e culta.

Pela abertura, pela vontade, pela arrasadora disponibilidade e, acima de tudo e por tudo isto, pela sua inteligente clarividência, Graça Gonçalves Pereira recolhe a admiração dos portugueses (e de muitos moçambicanos), sempre prontos a resmungarem com os nossos diplomatas e com o nosso Estado, tantas vezes de modo injusto. E daí o meu preâmbulo - pois apesar de ter uma boa ideia, grosso modo, da diplomacia portuguesa tenho que sublinhar o carácter e a competência verdadeiramente únicos da nossa actual consulesa.

Desconfio muito que o espartilho burocrático dos "movimentos diplomáticos" impeça que esta Petição para a sua continuidade em Maputo venha a obter o efeito desejado. Mas talvez sim, daí que a assinei. E convido os patrícios que por aqui passem a assiná-la. Intentando a que se possa criar uma situação excepcional, a da renovação do seu posto. E, também, homenageando o seu desempenho. Pois nós, portugueses, somos também parcos em verdadeiras homenagens.

* Consulesa ou Cônsul? A "doutrina" divide-se e eu tenho hesitado no termo. "Consulesa" tem sido utilizado para nomear a mulher do cônsul, tal como "embaixatriz" designa a mulher do embaixador. Deixemo-nos de coisas, actualizemos a linguagem: não há forma de ser republicano, cidadão e inteligente e manter estas definições. As cônjuges não têm postos - mesmo reconhecendo que em muitos casos cumprem trabalhos associados aos respectivos cônjuges, por adesão pessoal. Ou seja, "embaixatriz" é um termo a tornar vácuo, a inexistir, e "consulesa" deve destinar-se à mulher que ocupa um posto. Não é apenas uma questão de português. É de república.

jpt

publicado às 17:10


10 comentários

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De jpt a 15.05.2012 às 13:50

Estiveste(estivemos) bem. E, como se dizia antes, "lê [assina] e divulga"

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