Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Encontro inúmeras reproduções e elogios ao discurso de António Sampaio da Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, proferido ontem, dia de Portugal. Sim, bonito. Apelando ao pensamento, às alternativas, ao compromisso social. E apelando também à industrialização, à produção. Gosto desse bocado. Não sei se Mira Amaral lá estava, o homem do "petróleo verde". Estava, claro, muita da gente do "Portugal não é um país agrícola", a solução são as celuloses. Estavam os arautos do Silicon Valley de Europa, do "país de serviços", do turismo, etc. Estavam os tipos das parcerias público-privadas (o desenvolvimento insustentável não foi alvo do reitor, diga-se) e os amigos dos bancários fugidos (o "mercadejar" foi alvo do reitor mas a "usura" não foi, foi simpático).
Ouvi o reitor de Lisboa. Ouço-lhe uma antropologia simpática logo de início, "penso nos outros logo existo", "é o compromisso com os outros, com o bem de todos, que nos torna humanos", e isso, afligindo-me, chama-me a atenção para o que se seguirá. Sei que é um discurso, que são palavras de circunstância, o apelo ao estético, ao sentimento. Por isso não resmungo diante deste contratualismo lite do reitor da universidade de Lisboa. Ouço-o, forço-me, tão recomendado está. Ouço coisas como "a liberdade de viver só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social" e nem quero acreditar. Nem me pergunto sobre esse impessoal "quando se dá", que a sociologia não conta, para quê perguntar o "quem dá a quem"?. Como também não conta a economia política, que só "interesses" serão aflorados e claro que a globalização do investimento é ali vituperada - o meu banco cabe no meu jardim, é o lema, como sempre tem sido. Depois apela ao "armistício com o país", como se alguém (um "inimigo interno"?) tivesse declarado guerra - e presumo quem seja. Agora, não antes. Depois ouço "O futuro está no reforço da sociedade e na valorização do conhecimento. Uma sociedade que se organiza com base no conhecimento", e dá-me a sensação de já ter ouvido ou lido coisas assim, o racionalismo mais serôdio. Depois, ouço o necessário "a arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade" e "precisamos de alternativas". E por isso, claro cita-se Roosevelt, que são as alternativas disponíveis pelos vistos. E tanto se cita Roosevelt agora (não o era há alguns anos, engraçado, quando se vivia em total, constante, expansionista, até ontológico New Deal, dito estado-providência). A pobreza regressa agora (presumo que estou a perceber quem é o "inimigo interno" que a causa), "sem as redes das sociedades tradicionais". Aguento, claro.
Chegam as citações dos "vencidos da vida", como convém ao discurso crítico nacional. E finalmente claro, refere os que preferiram "a índia incerta" ao nosso rincão. Quando o problema grave, deste passar do século foi aqueles que preferiram o "rincão certo". A plutocratização assente no tal desenvolvimento insustentável. Mas mais vale repegar nas velhas dicotomias. Tal como a economia política global não interessa ao argumento também a sociologia interna é antipática. Basta organizar a sociedade tecnocraticamente, "pelo conhecimento".
Disse o reitor algumas coisas acertadas? Sim, disse. Mas, caramba, disse-as embrulhadas num papel tão pardo que até aflige. Acima de tudo aflige-me o coro de aplausos (até de antropólogos ...). São precisas alternativas? Com toda a certeza. Mas não será desta maneira, com toda a certeza.
jpt