Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




10 de Junho, o discurso

por jpt, em 12.06.12

 

Encontro inúmeras reproduções e elogios ao discurso de António Sampaio da Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, proferido ontem, dia de Portugal. Sim, bonito. Apelando ao pensamento, às alternativas, ao compromisso social. E apelando também à industrialização, à produção. Gosto desse bocado. Não sei se Mira Amaral lá estava, o homem do "petróleo verde". Estava, claro, muita da gente do "Portugal não é um país agrícola", a solução são as celuloses. Estavam os arautos do Silicon Valley de Europa, do "país de serviços", do turismo, etc. Estavam os tipos das parcerias público-privadas (o desenvolvimento insustentável não foi alvo do reitor, diga-se) e os amigos dos bancários fugidos (o "mercadejar" foi alvo do reitor mas a "usura" não foi, foi simpático).

 

Ouvi o reitor de Lisboa. Ouço-lhe uma antropologia simpática logo de início, "penso nos outros logo existo", "é o compromisso com os outros, com o bem de todos, que nos torna humanos", e isso, afligindo-me, chama-me a atenção para o que se seguirá. Sei que é um discurso, que são palavras de circunstância, o apelo ao estético, ao sentimento. Por isso não resmungo diante deste contratualismo lite do reitor da universidade de Lisboa. Ouço-o, forço-me, tão recomendado está. Ouço coisas como "a liberdade de viver só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social" e nem quero acreditar. Nem me pergunto sobre esse impessoal "quando se dá", que a sociologia não conta, para quê perguntar o "quem dá a quem"?. Como também não conta a economia política, que só "interesses" serão aflorados e claro que a globalização do investimento é ali vituperada - o meu banco cabe no meu jardim, é o lema, como sempre tem sido. Depois apela ao "armistício com o país", como se alguém (um "inimigo interno"?) tivesse declarado guerra - e presumo quem seja. Agora, não antes. Depois ouço "O futuro está no reforço da sociedade e na valorização do conhecimento. Uma sociedade que se organiza com base no conhecimento", e dá-me a sensação de já ter ouvido ou lido coisas assim, o racionalismo mais serôdio. Depois, ouço o necessário "a arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade" e "precisamos de alternativas". E por isso, claro cita-se Roosevelt, que são as alternativas disponíveis pelos vistos. E tanto se cita Roosevelt agora (não o era há alguns anos, engraçado, quando se vivia em total, constante, expansionista, até ontológico New Deal, dito estado-providência). A pobreza regressa agora (presumo que estou a perceber quem é o "inimigo interno" que a causa), "sem as redes das sociedades tradicionais". Aguento, claro.

 

Chegam as citações dos "vencidos da vida", como convém ao discurso crítico nacional. E finalmente claro, refere os que preferiram "a índia incerta" ao nosso rincão. Quando o problema grave, deste passar do século foi aqueles que preferiram o "rincão certo".  A plutocratização assente no tal desenvolvimento insustentável. Mas mais vale repegar nas velhas dicotomias. Tal como a economia política global não interessa ao argumento também a sociologia interna é antipática. Basta organizar a sociedade tecnocraticamente, "pelo conhecimento".

 

Disse o reitor algumas coisas acertadas? Sim, disse. Mas, caramba, disse-as embrulhadas num papel tão pardo que até aflige. Acima de tudo aflige-me o coro de aplausos (até de antropólogos ...). São precisas alternativas? Com toda a certeza. Mas não será desta maneira, com toda a certeza.

 

jpt

publicado às 03:51


4 comentários

Sem imagem de perfil

De jpt a 13.06.2012 às 09:44

Margarida Paredes eu não discordo do seu comentário. Regresso ao meu postal e ao primeiro parágrafo. Lá friso que "gosto desse bocado", e também porque foi dito diante de quem foi: o bloco político que entendeu a europeização do país como a desindustrialização e a desagriculturização, ou seja, a desprodutivização do país. Está lá, e até em linguagem sarcástica. Portanto parece-me algo injusto que me critique a "atitude" (que sublinha) de lhe esvaziar o acto político. Nos comentários feitos no grupo ma-schamba no facebook, onde o jpn do blog "Respirar o Mesmo Ar" me critica duramente o postal, refiro que gosto da atitude deste discurso, que tem a suprema qualidade do "panache".

Quanto ao resto, acima de tudo quanto ao "cinismo" que me imputa. O que vale? A crítica? Ou o conteúdo da crítica e aquilo para onde se aponta? É certo que é louvável o espírito crítico (em particular num país tendencialmente soturno, em particular num contexto oficial como este). Mas basta a crítica para que tenhamos que aplaudir? Os neo-nazis do PNR criticam o estado do país e eu, para não ser cínico, tenho que aplaudir? Isaltino de Morais foi agora falar contra a corrupção no país, e eu tenho que aplaudir. Que fique explícito que não comparo, minimamente, PNR ou Isaltino com Sampaio da Nóvoa, apenas procuro exemplos extremos.

Repito, ouço o discurso de Sampaio da Nóvoa e interpreto-o (e, parece-me, é aí que V. conclui "Concordo com quase tudo o que diz"). E o conteúdo desse discurso, seja metafórico, seja intelectual, é extremamente problemático. E apesar de gostar das críticas (e de terem sido feitas naquele lugar) afasto-me dele. Porque não basta criticar, ainda por cima sendo um homem da espessura intelectual que se espera de um reitor. Isto não é cinismo, isto não um exercício mordaz. É alguma esperança, pelo contrário. Que a crítica necessária em Portugal não seja apenas a imputação ("armistício com o país"? o que é isto, insisto até à exaustão, quem declarou a guerra?) a la carte. Mas o desenhar, grosseiro que seja, das alternativas. Que são, e isso é um dos pontos, as alternativas na "pátria incerta" e, custe o que custar aos adeptos proteccionistas estatizantes do mundo colonial, pós-rooseveltianas. É isso que eu espero da elite intelectual portuguesa. Se isto é cinismo ...
Sem imagem de perfil

De PST a 12.06.2012 às 09:10

lembra-me uma cancao da Lena dagua (se nao estou em erro)que dizia algo como "demagogia feita a maneira ,e como queijo numa ratoeira.E a musica segue eos menos atentos vao cantarolando com alegria este fado antigo.
Politica.O que fazer com estes sENHORES,de S pequeno?!.....podia entrar por aqui adentro e fazir milhoes de comentarios mas isto comeca a cansar.Liberdade de falar como papagaios e ninguem nos ouve.Eu,tenho a certeza que nenhum politico me elegeria para Povo,porque penso e sinto responsabilidade pelos outros, e isso e amor.Uma pequena diferenca,que e tao simples que tem a forca de mudar o Mundo.
Sem imagem de perfil

De Margarida Paredes a 12.06.2012 às 14:49

Concordo com quase tudo o que diz, só não concordo com a sua ATITUDE inferiorizando e esvaziando de significado o acto politico do Nóvoa. Veja bem, é verdade que o discurso foi embrulhado em metáforas que conhecemos mas foi enunciado a partir das estrutura do poder, na cerimónia do 10 de Junho, pelo presidente da dita, o que no mínimo é subversivo porque subverte o discurso de circunstância habitual nesta data. Só isso tem um peso simbólico que não pode ser iludido, é preciso coragem para o fazer. O desconforto dos governantes foi evidente e o silêncio da comunicação social sobre o discurso só sublinha esse desconforto para não dizer censura. Quanto ao impessoal "que se dá", como você próprio o diz nas entrelinhas quer dizer "vocês" e aponta o dedo aos governantes, a maior parte do discurso foi uma crítica às escolhas políticas economicistas dos governantes! O apelo aos sentimentos ou a esteticização do discurso parecem-me bem no contexto em foi enunciado e a prova é que o video já teve mais de 30.000 visualizações. Significa que imagens claras e simples podem ter significado para uma grande parte e a sua critica mordaz e cínica é o tipo de atitude que pessoalmente me desgosta o que não tem importância nenhuma! O discurso está a ter um feedback público do qual a sua crítica também faz parte e essa virtualidade já ninguém lhe tira e isso já é importante!
Sem imagem de perfil
[...] alguns meses o reitor da Universidade de Lisboa discursou nas cerimónias do 10 de Junho. Colheu muitos aplausos, não fosse ele reitor e teria até sido elogiado pela sua [...]

comentar postal



Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos