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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Três notas antropológicas no fim destes jogos, que acompanhei em registo lite zapping, entre o tabuleiro de comida fria e o tabuleiro de comida requentada:
1. O Medalheiro: absolutamente extraordinária a actuação dos britânicos. Passava-se de um canal para outro, de um desporto para outro, e lá estavam os seus atletas, a ganharem competições, medalhas ou na compita final (os tais "diplomas", como se chama agora). A nota antropológica? Como as decisões estratégicas (organizar os Jogos) implicam inflexões institucionais, demarcam práticas e concepções. E conduzem a um sucesso (desportivo) destes.
Levaram a palma em muitas áreas. Na beleza e elegância no mínimo ascenderam ao diploma ... Estou algo seduzido pelas virtudes monárquicas.
2. Os velocistas jamaicanos. Espantoso domínio. Nota antropológica? Como explicar que uma tão pequena população tenha tamanha superioridade?. A antropologia biológica propõe-se resolver o assunto apontando o gene ACTN3, dizendo-o causa do fenómeno. A explicação neo-darwinista, em versão spenceriana ("a sobrevivência dos mais fortes" - coisa que não é de Darwin), surge celebrizada pelo ex-campeão Michael Johnson. A tese, ufana, indica que os corredores jamaicanos são os mais apetrechados geneticamente, dado que descendentes dos mais robustos, os sobreviventes ao tráfico esclavagista transatlântico. A "pequena história" (a la carte?) já vem confimar as hipóteses - como, aliás, é sempre costume. Talvez, talvez. Mas a antropologia política avança outra hipótese: o antigo campeão Carl Lewis diz, pura e simplesmente, que os controlos anti-droga são mais leves na Jamaica. Talvez, talvez. A ver vamos. Mais etnografia, sff.
3. Uma terceira nota antropológica, até mesmo de registo filosófico-ontológico. O agora ucraniano Valery Borzov (campeão dos 100 e 200 metros em 1972) entregou as medalhas dos 4X400 metros. Tremi face à robustez física com que se apresentou. Gelei com a "cortesia", siberiana, que demonstrou para com as atletas premiadas (até com as suas compatriotas, ali bronzeadas). Tudo a lembrar os tempos do apparatchikismo ("A Caçada", de Bilal mostra como era). Mas mais do que essa deriva para a antropologia política, há a questão ontológica.
Pois se até o Borzov fica assim que mais seremos nós, o Homem, do que vão pó insuflável? De que vale tudo isto?