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Brincadeira

por jpt, em 15.09.12

 

Exercício lúdico de atribuição de personagens literários a actores políticos.


TROIKA […] bando de seres humanos de aparência feroz, montados em garranos índios sem ferraduras, a cavalgar, meio bêbados, pelas ruas, barbudos, bárbaros, vestidos de peles de animais cosidas com tendões e munidos de armas de todos os feitios, […], e os cavaleiros usavam ao pescoço escapulários ou colares de orelhas humanas secas e enegrecidas, e os cavalos tinham uma aparência agreste e olhos selvagens e arreganhavam os dentes como cães bravios, e do bando fazia também parte um certo número de selvagens seminus a rodopiar nas selas, perigosos, imundos, brutais, e todo o grupo se assemelhava a um flagelo saído de uma terra pagã onde aquelas criaturas e outras semelhantes se alimentassem de carne humana. Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue


PASSOS COELHO Talvez não fosse muito brilhante, disse Robey humildemente, mas que podia fazer? Não podia fugir às suas ideias. Nenhum de nós podia fugir às nossas ideias, e toda a gente tinha de enfrentar a mesma dificuldade, isto é, que havia centenas de coisas sobre as quais era obrigatório pensar e aprender. Tinha o dever de fazer o melhor que pudesse a esse respeito. Era assim que encobria o ardor que, no entanto, senti a pulsar vigorosamente no fundo.Queria dar ao livro, continuou Robey, o título de O Buraco da Agulha. Porque nunca houve a possibilidade de uma vida espiritual para os ricos, a menos que desistissem de tudo. Porém, já não eram apenas os ricos que teriam problemas pela frente. Num futuro próximo, a tecnologia iria gerar abundância e toda a gente teria o suficiente de tudo. Haveria desigualdade, mas ninguém mais passaria fome nem grandes necessidades. As pessoas comeriam. Bem, e quando comessem, como é que ia ser? O Éden da liberdade, da fartura e do amor, o sonho da Revolução Francesa a caminho da concretização. Mas os franceses tinham sido demasiado optimistas e acharam que, quando as decrépitas civilizações do passado fossem derrubadas, nada nos poderia impedir de entrar no paraíso terreal. Só que não era assim tão simples. Estávamos diante da maior crise que a História já viu. E não estava a referir-se à guerra, então em gestação. Não, descobriríamos se esse paraíso terreal se concretizaria ou não.- O pã-pão agora é quase de graça na América. O que é que vai acontecer quando a luta pelo pão aca-aca...Os bens de consumo vão libertar ou escravizar o Homem?Quase éramos levados a esquecer a aparência ridícula dele e a exuberante colecção de tapeçarias, antiguidades, objectos de ferro, trenós russos, alças e rabos de capacetes, caixas de madrepérola. De qualquer modo, mesmo quando estava nas mais altas esferas, parecia desconsolado, pronto a debulhar-se em lágrimas. Entretanto, o gosto de presunto rançoso vinha--me à boca de vez em quando. Saul Bellow, As Aventuras de Augie March


PAULO PORTAS «Nada há mais chato do que uma pessoa viajada.» A velha banheira erguia-se sobre as patas amolgadas de uma criatura ambígua, talvez um leão imperialista. A Opel afastou do nariz um pedaço de espuma. Espolinhou-se na espuma já velha de uma hora, acrescentando-lhe água quente de quando em quando e mergulhando até ao pescoço quando sentia uma corrente de ar.«Então não tens nada para dizer», disse eu.«É chato. Não interessa a ninguém. As pessoas que viajam muito perdem a alma algures. Todas essas almas perdidas estão lá em cima, no ozono. São lançadas para a atmosfera pelos aviões, juntamente com os químicos nocivos que bem conhecemos. Há uma cintura de almas lá em cima. As pessoas que viajam muito só falam de viagens. Do antes, do durante e do depois. Este é o pior sabonete do mundo, Bucky. Merda, tu metes-te no meu apartamento, vens para aqui viver, e quando vais às compras trazes-me para casa lixo sob a forma de produtos para o corpo. Como é que uma rapariga se há-de pôr bonita? O mínimo que podes fazer é esfregar-me as costas. Há uma espécie de destrutividade interior no discurso sobre viagens a meio de uma viagem. Além disso, viajar em demasia contribui simplesmente para isolar as pessoas. Torna-as mais limitadas. Torna-as chatas.» Don DeLillo, Great Jones Street


VÍTOR GASPAR À porta, já se sabia:- Tio Alma-Grande! Ó Tio Alma-grande!- Lá vai…Daí a nada o moribundo encontrava a paz nas mãos e sob o joelho do Alma-Grande.Entrava, atravessava impávido a multidão que há três dias, na sala, esperava impaciente o último alento do agonizante, metia-se pelo quarto dentro, fechava a porta, e daí a nada saía com uma paz no rosto pelo menos igual à que tinha deixado ao morto. Os de fora olhavam-no ao mesmo tempo com terror e gratidão. Miguel Torga, Novos Contos da Montanha, O Alma-Grande.

 

PSB

publicado às 17:10


1 comentário

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De jpt a 15.09.2012 às 18:58

Estás aqui muito bem, ó PSB

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