Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Enquadramentos
Karingana Wa Karigana é o nome desta exposição de Sérgio Santimano. Era uma vez… em tradução aproximada. Desde que o poeta José Craveirinha, em 1974, publicou o seu livro de poemas com o mesmo título que a expressão vem sendo glosada, do teatro à pintura, da fotografia ao cinema.
Um dos mais consagrados fotógrafos moçambicanos, Sérgio Santimano divide-se entre a Suécia e o seu país. Mas território emocional mais importante do seu já extenso trabalho é Moçambique. Índico, de corpo inteiro, fez uma vez uma espécie de autobiografia, revisitando as origens goesas. Essa Goa que se entranhou por inteiro no tecido cultural e social moçambicano.
Se a escola da fotografia moçambicana bebe no fotojornalismo, com Ricardo Rangel e Kok Nam – este último aqui em bela e agora comovedora evocação (Kok Nam em Estocolmo junto da imagem de Samora Machel em manifesta cumplicidade) – a verdade é que Sérgio Santimano se desdobrou em trabalhos temáticos de grande fôlego. Esquadrinhou as terras e as gentes da portentosa província do Niassa e caminhou ao lado dos refugiados de guerra que, após a assinatura do Acordo de Paz de 1992, regressavam às suas aldeias e lugares perdidos.
O Karingana Wa Karingana, o Era uma Vez que impõe uma dimensão narrativa ao destino e às vicissitudes individuais e colectivas de todo um povo, ganha em Sérgio Santimano uma intensidade e um enquadramento peculiares. Nele, como na maioria dos fotógrafos seus compatriotas, o enquadramento vai ao arrepio do discurso oficial, do relato épico, da visibilidade conveniente. O enquadramento é um acto moral e político, dizia Jean-Luc Godard. Sérgio Santimano empenha-se, com humaníssima atenção e sensibilidade, em nos dirigir o olhar para uma espécie de ritualização do momento dramático, como na imagem da mulher que se “lava” de todos os seus sofrimentos. É este o enquadramento que importa, o que se descentra da evidência conveniente, para iluminar e dar a ver, em proposta polissémica, o que considero o melhor do seu trabalho, a dignidade essencial da condição humana.
jpt