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Um excelente texto de Vasco Graça Moura. Sobre o acordo ortográfico e, a esse propósito, sobre o desnorte da sociedade portuguesa. Acertado. E doloroso. Partilho-o aqui, muito em particular para os visitantes moçambicanos. Porventura menos atentos a esta questão, que ainda não os assombra, pois vivendo em "país livre do acordo ortográfico". E para que não venham a cair sob o mesmo estrupício. E, já agora, para que possam fruir dos elogios que VGM distribui pela África Austral:

 

O Acordo, outra vez


As questões de fundo relativas à aplicação do Acordo Ortográfico continuam por resolver. Não entrou em vigor, mas há sectores, tanto oficiais como privados, em que vigora sem rodeios especiais o princípio do faz-de-conta. Faz-se de conta que o Acordo já se aplica de pleno e estropia-se alegremente a nossa língua. Jornais e editoras continuam a fazê-lo da maneira mais bárbara. Há já alguns livros importantes que saem cheios dos correspondentes aleijões. E eles só não vieram ainda afectar uma série de clássicos da língua pela razão singela de que cada vez menos se cura de editá-los e pô-los ao alcance de toda a gente.


Ninguém parece ter sequer acordado para a necessidade de uma revisão. As duas grafias coexistem, porque, felizmente, um quotidiano importante e uma grande parte dos colaboradores da imprensa lusitana se mantêm fiéis à grafia anterior e esta é, por enquanto, a única que, legalmente, pode e deve ser aplicada. Toda a gente sabe que é assim e não vale a pena repeti-lo.


É possível que o lobby das editoras, depois de se ter precipitado na adopção do Acordo em livros escolares, manuais, dicionários e agora noutras publicações, procure impor essa coisa sem nome em todos os sectores da vida nacional, em especial no escolar. Também é possível que o poder não saiba lá muito bem o que fazer, seguindo e alimentando, neste aspecto, a desorientação das escolas.


Os partidos políticos com assento parlamentar têm vindo a pactuar, sem excepção, com esse estado de coisas. Ninguém lucra absolutamente nada com ele. Mas tudo isso redundaria apenas num simples exercício de humor de gosto discutível, se não se traduzisse numa violência quotidiana contra a língua. E o certo é que, se as coisas continuarem assim, dentro de uma geração ninguém conseguirá pronunciar correctamente a língua portuguesa tal como ela é falada deste lado do Atlântico.


Por outro lado, o que interessa, para além da questão jurídica e cultural de fundo, é uma questão política assaz bizarra. E a questão política actualmente resume-se a isto: estão a ser aplicadas não uma, mas três grafias da língua portuguesa. A correcta, em países como Angola e Moçambique, a brasileira (no Brasil) e a pateta (em Portugal e não se sabe em que outras paragens). Os representantes dos Estados-membros na CPLP, esses, devem dar pulinhos de corça alvoroçada e do mais puro regozijo com tão portentoso contributo que a organização deu para unificar a grafia do português.


Enquanto se anda nestes preparos, toda a gente se esqueceu do famigerado vocabulário ortográfico comum. Onde pára o dito? Dele, ninguém sabe dizer nada, como da formosa Mariquinhas... Até agora, o vocabulário peca pela inexistência pura e simples e ninguém se preocupou com a superação de tão momentosa dificuldade. Ora não parece que actualmente, com as restrições que afectam tantas áreas da investigação e da diplomacia, haja qualquer possibilidade de ele ser concretizado.


Entre as consequências relevantes dessa inexistência conta-se a impossibilidade de aplicar o Acordo de cuja entrada em vigor o vocabulário comum é condição prévia, por muito que isso pese ao Prof. Evanildo Bechara, que lê a exigência correspondente como se ela unicamente se reportasse ao vocabulário técnico e científico. É de lamentar que, na pessoa do ilustre académico, a interpretação jurídica não consiga acompanhar o saber do linguista emérito.


Alem disso, é muito de estranhar que, no ano em que o Brasil se apresenta em Portugal e Portugal se apresenta no Brasil com tanta pompa e circunstância, nenhum dos países interessados tenha feito qualquer reparo à maneira como a grafia do português, que se pretende oficial e oficiosamente seja agora adoptada em Portugal, consagra uma série de enormidades que não estão, nem podem estar, a ser aplicadas no Brasil e que aumentam a desconformidade com a maneira como a língua se escreve de um lado e do outro.


Talvez tenhamos de esperar que se realize um ano de Angola em Portugal e de Portugal em Angola para o problema merecer atenção. E então não será de estranhar que tenhamos de agradecer aos angolanos um rigor na grafia da nossa língua de que, por cá, nós portugueses já não somos capazes.


jpt

publicado às 19:48


7 comentários

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De Filomena a 22.11.2012 às 16:29

Apoio e concordo incondicionalmente... e mais não vale a pena dizer!!!
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De cristina a 21.11.2012 às 21:22

a minha opinião sobre este novo acordo ortografico é simples estou verdadeiramente contra porque acho que é uma matança da língua portuguesa enfim é o país que temos mas também que podíamos esperar de um país que tem ministros com falsos percursos acadêmicos
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De António Martins a 21.11.2012 às 21:09

Digamos que é mais o benvindo regresso de Vasco Graça Moura com o acordo ortográfico do que o regresso do acordo ortográfico com Vasco Graça Moura. O acordo ortográfico não está esquecido, principalmente numa quantidade de bons e rigorosos artigos contra o acordo ortográfico no "quotidiano importante" que o Vasco Graça Moura refere sem dizer que é o Publico.
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De Isabel a 21.11.2012 às 20:56

Muito bem visto, aliás como não podia deixar de ser vindo da pessoa que escreveu este artigo!
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De António Pereira a 12.12.2012 às 01:30

Vasco Graça Moura tem mais de 207 registos na Porbase e uma capacidade dialética a que nenhum outro autor português vivo se consegue aproximar, menos ainda na diversidade dos estilos, géneros e temáticas. Por razões profissionais, quando a lei, a instituição em que trabalho e a civilização me impuseram o acordo, através do computador, adaptei-me ao mesmo e nele tento escrever ainda com algumas gralhas e muitas dúvidas. Porém, para quem, como eu, todos os dias, lê o português desde os primórdios em que ele se manifesta e notou a mesma palavra escrita de formas tão diversa, por vezes na mesma página, um acordo não é motivo de desacordo, apenas traz mais uma "chatice". Continuarei a ler quem não acordar no acordo e acordo em ler com quem acordar no acordo. Fique tranquilo, Vasco. Lê-lo-ei quando tiver de lê-lo, sempre acordado e com proveito. Já agora sabe quantas grafias podia haver do seu nome no glorioso século XVI. Sugiro algumas, sendo que não consigo aqui as plicas nos dois aa ou nos dois uu e as abreviaturas: Vasco, Vaasquo, Vasquuo e Vaasquuo. Ninguém se escandalizava ao tempo. Agora é que estas coisas nos escandalizam por constituirmos uma sociedade em que uns tantos ditam a gramática e nem se sabe bem como chegaram a tal condição de ditadores gramaticais e doutras coisas.
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De José Pires F. a 23.11.2012 às 01:55

http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=541&langid=1
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[...] não é a nacional. Não só, nem fundamentalmente, por aquilo que tantos vão dizendo, isso de que a adopção do acordo ortográfico no contexto português assenta numa ilegalidade. Mas porque, e apesar de haver os tristes antecedentes locais, muito tristes acho, da Ndjira (uma [...]

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