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A la Blog

por jpt, em 28.11.12

 

 

O meu texto de hoje na coluna "Ao Balcão da Cantina", no "Canal de Moçambique" 

 

A la blog

 

A angústia diante do ecrã vazio é típica de quem se propõe a escrever periodicamente. Tão típica que já nem é assunto. Pois tantas vezes os escribas preguiçosos a repetiram, gemebundos. Lamentá-la em papel impresso deveria ser, pura e simplesmente, proibido pelos directores de jornais e revistas. Sim, como censura prévia, verdadeira excepção à liberdade de opinião impressa! Por motivos de galhardia e fastio, nada mais. Tipo, “ó amigo, vá chatear outros!”.

 

Não me é o caso, nove anos a blogar moldou-me a atenção, habituou-me o teclado, que até já funciona em piloto automático. A dificuldade não é o ecrã vazio, que verborreia não me falta, vã que seja. O problema é o tipo de atenção que a escrita in-blog cultiva, o género de texto que faz brotar.

 

Fica-se com um olhar espartilhado, debruçado sobre as pequenas coisas, fiapos disto e daquilo do que é feito o mundo, coisas do pouco fôlego: um olhar de fumador, por assim dizer. Que outros dirão desconcentrado, e talvez o seja. Incompetente, pois assim apenas balbuciando dizeres que não se querem conclusivos. Desses que vão sem teses, daquelas povoam o mundo do “dever ser”. Entenda-se, sigo, e falo, com má disposição muita. Missal nenhum.

 

No fundo botar in-blog é uma dieta diferente. A largar o texto longo, as pratalhadas do cozido dominical, ou as matapadas, para os especialistas e, que saudade deles!, para os grandes repórteres. E a preferir um buffet de pequenas notas, breve chamadas de atenção, suaves irritações, rotundas erupções de calão, sorridentes encantos, amiguismos militantes. Na verdade, num blog um tipo jinga, nada mais do que isso.

 

Enfim, um tipo fecha-se assim, ensimesmado, e vai palrando nesse sublime irresponsabilidade do que lhe vem à cabeça. O problema é, de repente, este adultismo de vir para o mundo dos jornais, onde o cardápio sempre se deve adequar à simpática clientela. Pois os repastos já não são solitários. E há quem pague a conta.

 

Enfim, vai longo o palrar, apenas para apresentar os pratinhos do dia:

 

a) O Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane acolhe esta semana (quarta e quinta) uma conferência internacional: “Os intelectuais africanos face aos desafios do séculos XXI”. Celebrando os seus 50 anos e evocando Ruth First, a activista e investigadora sul-africana, assassinada nas suas instalações há exactamente 30 anos.

 

É um grande evento, a congregar a atenção da comunidade intelectual nacional. Serão mais de 100 comunicações apresentadas, por investigadores estrangeiros e nacionais. Espero que sejam produtivas as apresentações e, em particular, os debates. E, muito em particular, quando se renova o discurso desvalorizador das ciências sociais, em prol de um “saber-fazer”, bandeira da tecnocracia, disfarçada de tecnologia. A situação do mundo dever-nos-ia ser suficiente para perceber o quão enganadora é a cantilena malévola dessa sereia tecnocrática, e da necessidade de analisar o real para debater, criticamente e conflitualmente, o que fazer e como fazer: o “todo o poder aos engenheiros” é ainda pior do que o “todo o poder aos sovietes”, esse mito de XX.

 

Como é óbvio várias apresentações serão dedicadas a Ruth First. A esse propósito lembro as palavras de sua filha Gillian Slovo nas suas memórias “Every Secret Thing. My Family, My Country” (Virago, 1997), uma evocação de seus pais, First e Joe Slovo, o dirigente comunista sul-africano. Aí (p. 25), revisitando o traumático funeral de sua mãe, lembra como então teria gostado que nos discursos alguém recordasse a mulher, essa “coquette” que levou um vestido de seda para a prisão em 1956, essa impaciente que adormecia quando se aborrecia. Ou seja, que alguém falasse da mulher, sua mãe. Lamentando que tal não tivesse acontecido, apenas as loas à heroína, o eco da dádiva para a luta. Espero que, 30 anos depois, tal não aconteça de novo. Pois a vida, e as lutas, são feitas de gente, não de cromos.

 

b) ontem uma grande derrota para a escatologia europeia, algo com efeitos por cá – convém lembrar que a EU é ainda o grande doador. E, mais ainda, que se Moçambique importa muita coisa a menor das importações não é, com toda a certeza, o pacote das lamúrias ideológicas.

 

Pois leio a correr, e sem compreender muito bem (quando se fala de dinheiro acontece-me sempre isso) que os ministros das Finanças da zona euro (chamam-lhe Eurogrupo) e o FMI acordaram a redução da dívida grega. No fundo, aquilo que sempre foi óbvio que aconteceria no âmbito da crise europeia. Primeiro a redução do papel e da dimensão do Estado, alguma recessão, depois o reescalonamento da dívida, e o perdão parcial (ou total) desta. A gente, que fomos testemunhando o processo de Moçambique no Clube de Paris, sabia que era esse o caminho. A única surpresa para este leigo é a velocidade com que tudo acontece. Afinal, nos países ACP, bem mais pobres e com gente bem mais pobre, o perdão levou mais anos. Não há dúvida, o peso da contestação social na Europa é maior. Ouçamos, a partir de agora, os indignistas europeus não falar sobre o assunto, pois é sempre acidamente engraçado assistir ao provincianismo de vestes cosmopolitas.

 

c) recebo um interessante livro, “Itinerâncias. Percursos e Representações da Pós-Colonialidade” (Húmus, 2012), uma colectânea de textos de académicos internacionais dedicados à realidade literário-cultural dos países de língua oficial portuguesa, que foram apresentados numa conferência na Universidade do Minho. Gentil oferta de Elena Brugioni, uma das suas organizadoras, pesquisadora italiana com particular atenção sobre o país. O conjunto “não é a minha praia”, são textos sobre literatura, da qual sou mero e preguiçoso consumidor. Contém vários artigos sobre a literatura moçambicana (Borges Coelho, que escreve ele próprio, Patraquim, Chiziane) e enquadramentos teóricos. Com toda a certeza um volume atraente para os especialistas da área. Que assim me podem, justificadamente, invejar esta propriedade.

 

Logo mergulho em dois textos que analisam textos literários portugueses de retorno, de gente que daqui partiu aquando da independência. Para muito me irritar, mais uma vez, com a renovação do protocolo de silêncio sobre António Quadros, o gigante.

 

Quadros, esse que até um leigo como eu descobriu a escrever, chamando-se João Pedro Grabato Dias: “Acabou a era do pequeno torcionário / do paternal cachaço do eh! seu preto sujo / das mulatas de bolso, dos uísques muitos e especiais ” e muito mais por aí em diante (“Pressaga pré-saga saga/press”, 1974). Antes, um pouco antes, Quadros chamando-se Ioannes Garabatus, escreveu nas suas “Quybyrycas”: “E a ti povo meúdo cantarei / sem ilusórias tubas nem esperança / de me ver futurado no que sei / ser hoje a vossa fala de criança.”. Sabia-o bem, o poeta.

 

Convém calá-lo? Sim, pois forma de amarfanhar o real para botar algo, e nisso garantir a atenção às “companheiras de estrada” de hoje. Mas convém nada. “O que é preciso é ler” António Quadros, contra os academismos ideológicos, mergulhar alegremente, sem categorizar, sem “saber-fazer”. Porque a vida é feita de gente, não de cromos.

 

Por isso aproveito esta erupção de irritação, típica de bloguista, que decerto será acalmada na visita a outros textos. E faço um “apelo aos papéis”, vão ler Quadros. Façamos de 2013 um inoficial, privado, amigo, “ano Quadros”, sem homenagens nem conferências, só leituras. E conversas.

 

Adenda para o ma-schamba: sobre António Quadros ler (e quão raros são os textos na internet sobre o autor, algo bem significante) "João Pedro Grabato Dias: o homem com gatos nos pulmões", de António Cabrita.

 

jpt

publicado às 09:04


5 comentários

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De sara monteiro a 29.11.2012 às 16:08

Conheci o António Quadros no Algarve, em Faro em 1983. Eu era MUITO nova, ele já devia ter quase sessenta... (fui ver à net agora mesmo: nasceu em 33, portanto tinha 50 na altura.) Eu tinha 23 e ele já me parecia os tais sessenta, um pouco velho, portanto.:) Afinal tinha a idade que eu tenho agora, meu deus!:) Adiante, tinha imensa energia, plantava imensas coisas (ervas e coisas assim), escrevia e pintava. Na altura, as minhas filhas tinham 3 e 4 anos (Contos de Moça e Mocinha) e ele fazia desenhos nas suas mãos, elas adoravam!!! Depois foi-se embora de Faro, voltei a vê-lo uma vez em Lisboa, sempre com o seu rabo de cavalo grisalho e um dia soube que morreu. Realmente, ninguém fala nele. Tirando a Amélia Muge, que na altura era sua namorada. Abraço PPT, este post deu-me saudades.
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De sara monteiro a 29.11.2012 às 23:16

Ainda no outro dia, eu e um amigo comum falámos de si. Abraço
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De sara monteiro a 29.11.2012 às 23:15

Claro que não está em erro, sou a mesma de sempre. :)
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De jpt a 29.11.2012 às 22:10

Obrigado pela memória. E seja bem-revinda, se não estou em erro ...
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De sara monteiro a 29.11.2012 às 16:12

JPT, enganei-me

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