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Exposição "Vai Fazer Bom Preço"

por jpt, em 13.02.08

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"Vai Fazer Bom Preço" é a exposição que o fotógrafo português, cá residente, Pedro Sá da Bandeira está a apresentar no Instituto Camões (até 8 de Março). São 24 fotografias - cujas reproduções aqui são empobrecedoras - em estilo de retrato-pose mostrando 24 vendedores de rua - a maioria ambulantes, alguns nem tanto, que bem conheço o seu poiso certo. Estimulante exposição: por um lado a mostrar o modo inteligente, nada exótico ou exotizante, com que o fotógrafo se animou na cidade e com a gente nela, como a capta sem subterfúgios "poetizadores"; por um outro lado porque neste olhar cara-a-cara, apenas aparentemente despido, deixa um documento da paisagem humana (um olhar etnográfico, se se quiser) dos tempos que passam; finalmente, porque este mostrar os vendedores, nomeando-os (nome e local de trabalho) sem os empacotar ("artística" ou "poeticamente"), é um óbvio manifesto, um combate ao anonimato social de uma classe de trabalhadores que o são (anónimos) por excelência, ostracizados e estigmatizados - estigma auto-reproduzido, pouco atreitos a serem fotografados e mostrados pela exo-desvalorização individual que assumem como própria.

 

Uma bela iniciativa muito bem captada pelo Daniel da Costa que, no texto de apresentação, deixa: "Os seus olhos [do fotógrafo] são alérgicos às feridas. Em silêncio, tratou de eliminar da moldura uma boa parte dessa imagem e arregaçou as mangas de novo. Foi à procura do outro lado da história, um lado real, sem o cliché do costume, mas algo ausente dos nossos álbuns. (...) A objectiva entendeu assim dar a César o que é de César. Devolveu ao vendedor ambulante o segundo pé e a dignidade que lhe é roubada todos os dias um pouco."

 

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A visitar por todos - em particular pelos que têm, seja por profissão seja por aspiração, a ideia de representar (até analiticamente) a gente que faz o real. A ver se despem um pouco o seu ver.

 

Acho que podia ter havido um maior arrojo no acto de expor - sem colocar em questão o central do projecto. Espero que isso venha a acontecer nas próximas apresentações desta exposição, que presumo virem a acontecer nas cidades a centro e norte do país.

publicado às 10:26


5 comentários

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[...] Fotografia - Exposição “Vai Fazer Bom Preço” [...]
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De jpt a 13.02.2008 às 15:45

obrigado ao Retorta e ao Insónia (http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2008/02/exposio-vai-fazer-bom-preo.html#links) pelo eco à exposição.
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De João Feijó a 14.02.2008 às 02:28

Apesar de as fotos não fazerem muito o meu género, a exposição até me parece interessante. Mas discordo consigo em alguns aspectos. O JPT considera que um olhar etnográfico, ou pelo menos o olhar etnográfico de Pedro Sá da Bandeira (artisticamente não empacotado) constitui um combate ao anomimato social de uma classe ostracizada e estigmatizada. As ditas fotos “exóticas” não podem ter a mesma função? Um olhar poético e surreal não pode chamar a atenção, de comunidades nacionais e internacionais, para uma determinada questão social, retirando populações do anonimato? Um olhar poético não pode retratar as pessoas com respeito e dignidade e constituir até uma poderosa arma de intervenção política e social?
Porque é que um olhar cara-a-cara, aparentemente despido, “nada exótico ou exotizante” e sem subterfúgios “poetizadores” é inteligente? Porque motivo uma foto em contra-luz, tirada com uma lente grande angular de um ângulo pouco peculiar de um vendedor num mercado informal africano (será isso exótico e poetizador?) não é inteligente? Escolher um plano “poetizador” (portanto não cara-a-cara) retira inteligência à fotografia? Afinal quais são os critérios para uma fotografia “inteligente”?
Porque dirige o convite para visitar a exposição particularmente àqueles que têm “a ideia de representar (até analiticamente) a gente que faz o real”? Os que fazem um retrato etnográfico não terão também uma forma académica de representar (até analiticamente) a gente que faz o real? A “objectividade” fotográfica não constitui também um paradigma para vestir o Real?
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De jpt a 14.02.2008 às 02:55

1. Mouche. Tem V. muita razão no que aqui escreve - e a culpa disso (?!) está no texto que aqui meti, curto, apressado, cheio de flancos dados. O argumento precisaria de muito mais espaço, argumentos (e exemplos?), para ter menos flanco dado - da justeza dos argumentos já será outra coisa.

2. Ainda assim há algumas coisas que aponta que estão matizadas no texto: "um olhar etnográfico, se se quiser" quer (toscamente?) aludir a que não é exactamente de um projecto etnográfico que se trata, mas que com boa vontade se poderá dialogar nesse âmbito; "A ver se despem um pouco o seu ver." significa que esses que querem ou representam o real o podem fazer um pouco mais libertos, mas nunca nus (eu não me referia apenas a académicos, atenção. Mas gostava que colegas e alunos aqui fossem visitar ...).

Eu não disse que o fotógrafo despia o real, o que eu disse (ou quis dizer) é que na aparente simplicidade do apresentado (e a aparência da simplicidade pode ser muito complexa - pode, mas às vezes é mesmo só coisa de simplório) outros poderiam despir um pouco o seu olhar sobre o real.

Uma coisa que talvez não esteja sublinhado o suficiente no meu textito: o que muito me agrada na exposição - e que não está nas reproduções porque o material de suporte não o comporta - é que os vendedores são nomeados um a um (nome e local de trabalho; idade? não estou certo). É isso que significo na quebra do anonimato - estou um bocado farto do retrato nomeado de quem é nomeável e do anónimo de quem não é nomeável (o "popular" de hoje, o representante de "tribo"/"etnia"/"classe"/"religião"/"etc." de antes - a "beleza macua", o "guarda suiço"). Um folclorismo e um elitismo conjugados - é a negação diss que gostei de captar. Agui entre nós, algo até revolucionário (não o digo absolutamente inédito, mas será raro) - por exemplo encontra-se uma fotografia de Dilon Djindji e depois de um "timbileiro de Zavala"; já reparou que um Sebastião Salgado, vero guru, não nomeia os seus simbolos, homens e mulheres que porque populares ou pobres se des-nomeiam?

A discussão estética seria mais demorada. Concordo consigo que todos os olhares/formas podem ser inteligentes/des-anonimizadores, etc. Ali apenas transpira o meu cansaço com o poemário habitual, exótico, as loas "às cores, sabores e sons de àfrica", a tralha sentimentalona que é tão recorrente em quem chega aspirando-se a esteta. Digamos que a minha canelada não era ao(s) estilo(s) mas sim à(s) prática(s) corrente(s) - também ela exoticizadora, donde produtora de desconhecimento. E muito altaneira.

Em suma, obrigado pelo carolo. Volte sempre. Em especial assim ...
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De Eduardo de Paula Barreto a 07.03.2008 às 22:50

FOLHAS SECAS DE OUTONO

Caiam folhas secas de outono
Sobre a terra avermelhada,
E no mais repousante sono,
Num mundo livre, sem dono,
Suspirava a moça apaixonada.

Ela viu chegar um lindo cavaleiro
Montado num cavalo branco,
Ele a arrebatou por inteiro
E sobre o animal faceiro
Saíram a passear pelo campo.

Milhares de pássaros entoavam canções,
Os jardins estavam floridos e perfumados,
Não existiam as quatro estações,
E ela sentiu muitas palpitações
Quando percebeu que o cavalo era alado.

Lá do alto ela via as serras
E as nuvens que as cobriam,
Via também escorrendo pela terra,
Alimentando as plantas e as feras,
As águas que nos rios corriam.

E ao pousar sobre uma colina
Nos braços ele a tomou,
E olhando para cima
Viu-se refletida na retina
Do homem que a conquistou.

E ela não resistiu aos encantos
E se deixou beijar pelo amante tão hábil,
Mas acordou em prantos
Ao perceber que foi o vento brando
Que jogou folhas secas sobre os seus lábios.

Eduardo de Paula Barreto

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