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Vou-me embora ficando

por jpt, em 16.03.08

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João Mosca é autor de já vasta e importante obra sobre o processo moçambicano. Autor de referência no domínio da história económica (chame-se-lhe assim) do processo nacional.

Mas neste seu breve livro de poemas "Vou-me Embora Ficando" (Lisboa, Instituto Piaget, 2001) é uma outra dimensão que se lhe desvenda, ainda que não totalmente desligada da reflexão de contornos científicos. Não lhe discuto os méritos poéticos. Ainda assim surge-me como um livro exemplar. Por lhe reconhecer, na sua linearidade, um carácter de espelho de um muito específico meio social e de uma era histórica que a este provocou e formatou, de tudo isto um breve mas acurado retrato. Ali se ouve o eco de tantas outras biografias vividas na complexidade identitária brotada da etapa nacional em Moçambique. E, em particular, das formas assumidas de "moçambicanidade" por um núcleo formado por jovens à época da independência, alguns de ascendência portuguesa como o autor, outros de outras e bem plurais ascendências. Neles o húmus identitário conteve uma dimensão telúrica, uma "africanidade" de reclamação biográfica e também poética, mas a qual foi ainda fermentada pela adesão, mais ou menos explícita, mais ou menos madura, a uma ideologia igualitarista, também esta envolvendo poeticamente o real: "Fico / aqui nasci cresci e trabalho / o que amo é aqui [...] Quero transformar transformando-me / quero ver florir o homem novo / e ser um deles".

Mosca transparece esses percursos, gente que assumiu rupturas familiares e sociais (ou, talvez, que deixou os seus assumirem essas rupturas - a formulação depende do ponto de observação de quem as indexa), e nesse seguimento desde cedo assumindo responsabilidades administrativas, a sua juventude inexperiente esquecida na urgência imposta pela inexistência de quadros no pós-independência. Um mergulho no real, às vezes romanesco outras vezes dramático, um real então desejavelmente moldável sob preceitos bem determinados - e moralistas -, que tanto marcou as biografias, pelas acções e andares havidos mas também pelos efeitos triturantes impostos pela força desse mesmo real efectivo, sempre ele escapando-se ao quadro moral que se lhe quis impôr: "Um dia, disseram-me que tinha poder / acreditei / mandei / ordenei / parecia mesmo grande / apesar de pequeno [...] Concluí mais tarde que quem me mandava / não mandava / era mandado / nunca descobri por quem [...]".

É assim o testemunho, pungente até, do longo e lento processo de des-encantamento, essa desilusão individual tão recorrente alhures mas que aqui assume constantemente a dimensão de uma desilusão ideológica - silenciado o projecto igualitarista o qual era, afinal, apenas a cor do projecto nacional. Uma dor individual como o processo é amiude sentido, uma dor de contornos éticos, e que em muitos assumirá uma recusa existencial mas não um despojamento identitário, ainda que este seja uma questão de recorrente discussão, até de conflitualidade ("... donde vens Tivane / Venho da terra / da minha mãe e do meu pai / Como eu / Não / o senhor vem de outra e é branco"), questionamento de imputação racial, claro, mas não só, produto da dimensão visível do círculos sociais: "Somos iguais [...] Não / não somos iguais / eu não tenho nada / e o senhor não sabe o que é nada".

Deste longo processo, que acampa para além da experiência individual, é este livro arguta e sentida testemunha. Do estertor dos ideais face ao real, este bem menos moralista e moralizável do que era sonhado e foi pensado. Um estertor que é também, e até dramaticamente, o da recusa do hoje. Daí até à angústia do pró-exílio, algo sentido como exaustão, ainda que ele próprio recusando a negação. Entenda-se, uma dolorosa recusa não da identidade sonhada mas sim a da sua negação: "25 anos de ficar e não fico / não fico pelas mesmas razões que fiquei / já não vejo os horizontes da liberdade e justiça / foi uma miragem /  Pretendia ser um do povo pasei a um da tribo / tentei lutar por ideais fiquei elite ..."

Para além do livro e dos caminhos aí endereçados dizem-me que o autor, cumprido com todo o sucesso um longo programa académico no estrangeiro, regressou ao país. Que testemunho do futuro nos deixará?

publicado às 03:45


3 comentários

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De Paulo Esteves a 28.04.2008 às 13:11

Professor João Mosca, o Mestre dos Mestres.
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De jpt a 29.04.2008 às 08:38

Ainda bem que alguém que o conhece por aqui passa. E mais ainda bem que dele tenha essa opinião ...
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De umBhalane a 25.06.2008 às 01:15

Também o conheço doutras andanças.

Dos Maristas da Beira, e do liceu Pêro de Anaia.

Com a independência, ambos nascidos em Moçambique, e com a mesma ascendência portuguesa, seguimos rumos diferentes.

Tenho muitas boas recordações dele.

Bom rapaz.

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