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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Estamos de luto aqui em casa; choramos a morte de uma irmã. Conheci-a num encontro fugaz, mas a marca que me deixou foi indelével. Cedo hoje o meu postal à Paola Rolletta, sua amiga de longa data e que sempre a acompanhou:
Faleceu a minha amiga Ana Maria Muhai. Faleceu de noite. Ela que amava o sol, a luz, a vida. Que sempre sorria e tinha uma palavra divertida para fazer sorrir. Que fez da sua vida “uma obra-prima de amor”.
Tornou-se uma figura incontornável para os moçambicanos dentro e fora do país. Foi uma das primeiras pessoas a dar a cara: “Eu não aprendi a Sida numa associação ou nos livros. Aprendi na minha própria pele. A Sida sou eu!”. Dizia isso, com voz poderosa e tenaz, para dar coragem àqueles que tinham medo de fazer o teste, àqueles que não sabiam que existem antirretrovirais, àqueles que não queriam ouvir sequer pronunciar a palavra Sida.
Jornalistas de todo o mundo íam entravistá-la na sua casa, na casinha da Machava, depois de terem visto e ouvido os seus discursos veementes contra o estigma e para o acesso universal ao tratamento. Até em Nova Iorque nas Nações Unidas! Os vizinhos chamavam-na Luisa Diogo, e ela ria-se. Famosa como uma primeira ministra! A sua grande frustração era não falar inglês, mas dizia que os últimos dez anos de vida valiam como cem anos, tantos os lugares que tinha visitado, tantas as pessoas que tinha encontrado!
Recebeu muitas homenagens pelo mundo fora pela sua coragem, pela sua “fúria de viver”.
No bairro da Machava onde morava com os filhos e a mãe, naquela casa que construiu lágrima após lágrima, tijolo após tijolo, bloco após bloco, choram a grande amiga e conselheria, depois de muito tê-la marginalizada porque seropositiva. Chamavam-na fantasma. Chamavam-na Sidinha. E ela chorava não tanto por ela, mas porque também os filhos eram vítimas da discriminação. “Os vizinhos não deixavam os meus filhos assistirem televisão por causa de mim, por causa da Sida!”.
Trabalhamos juntas, durante muitos anos, com muita cumplicidade e carinho. Com amizade.
Ana Maria Muhai tornou-se um dos mais importantes e conhecidos testemunhos do DREAM, o programa de luta contra o HIV/Sida e a má nutrição que a Comunidade de Sant’Egidio leva a cabo em Moçambique desde 2002. Ela foi uma das primeiríssimas pacientes, na casinha da Machava. Não há ninguém que não considere Ana Maria o ícone do DREAM e da luta contra o HIV. “Conto a minha história, eles podem ver com os seus olhos, que estou bem, que tenho força, que posso trabalhar. E mostro a fotografia de quando pesava 29 quilos. Explico-lhes a importância de cumprir com todos os conselhos que os médicos dão, de levar uma vida saudável. E os meus vizinhos agora vêm a minha casa, pedem-me conselhos e até me pedem sal...”
Um maldito cancro levou-a. Tinha 52 anos.
AL