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A Viagem Profana, de Nelson Saúte

por jpt, em 30.12.03
Nelson Saúte, A Viagem Profana, Marimbique.
A editora Marimbique estreia-se aqui. Pertence ao poeta. Se este tivesse feito uma edição de autor, com o seu dinheiro ou de patrocínios, tê-lo-iam saudado. Como inaugura uma casa de livros alguns criticam-no. Pré-juízos?
O livro é bonito. Bom papel, boa capa. Belo lay-out. Bem revisto, inexistência de gralhas, pelo menos à segunda vista. Tudo isto é bom e por cá infelizmente tão raro. E prova que todas as outras falhas que por aí se vêm não brotam das reclamadas “nossas limitações” gerais mas sim de distracções particulares. Pouco importante? O livro é um objecto, mesmo que simples. E neste caso feito por quem gosta destes objectos, e o mostra.
Do que está lá dentro já me custa mais falar, falta-me o saber sobre a poesia, não sou das críticas, sou só um cliente. Mas como estrangeiro olho-o como sempre faço diante da literatura moçambicana: o documento-ajuda para perceber tudo isto.Quem apresentou o livro já o referiu. Saúte autobiografa, e já (já?). E dele sai a imagem de um moçambicano cosmopolita, homem do mundo e assim daqui. Interessante num país onde as legitimidades pessoais continuam a brotar das raízes ancestrais, dos localismos, até das negações de putativos “estrangeirismos”. Estranho país este, onde escrever um mero “Amo as cidades distantes” pode ter sentidos tão políticos. Certo que no correr das suas memórias lhe afloram os espíritos antepassados, mas estes não são os velhos “lá da aldeia” mas sim (sacrilégio?) os mais velhos poetas, Ginsberg, Knopfli e todos aqueles outros, são esses que ele invoca para lhe iluminar o caminho, protecção.
E tudo isto é ainda mais interessante pois este livro não é um sinal dos tempos, aliás é mesmo um oposto aos tempos que aqui correm, como se este país antes de olhar o futuro precisasse de muito contemplar um “passado” que se entretem a idealizar.
Pouco importante? O livro é um objecto, mesmo que polémico. E neste caso feito por quem gosta destas polémicas, e o mostra.
Do meu gosto? Se me perguntares hei-de dizer-te, Nelson, que te prefiro nos curtos, quando de sopetão ainda te lamentas da falta de jeito na Munhuana, é aí que dialogo contigo. Mas isso pouco vale, fraco leitor, “homem de acção” reduzia-me um velho poeta lá das europas. Da estética que falem outros, daqui sai postal.
E invejo-te. Não te brota dor. Nem falsa (a falsidade do poeta) nem verdadeira (se é que são diferentes). Invejo-te. Ao homem que autobiografa. E ao poeta que nela não se ancora, refugia.

publicado às 15:14

Escolhas do fim de ano II

por jpt, em 30.12.03

[fui adolescente nos anos 70. Lá onde era isso significava ler, também, a Rock&Folk. E foi nela, estou certo, que li e reli aquela frase de um jornalista americano, dita bem nos inícios da década e depois célebre. Qualquer coisa como “eu vi o futuro do rock n’roll e chama-se Bruce Springstein”. Agora que passou tanto tempo que o Springstein é já o passado do rock n’roll, ou se calhar é mesmo o rock que é o passado, houve uma noite em que me lembrei dela, que raio de memória, atafulhada de pequenos, esconsos (insignificantes) detalhes. Foi a...] 21 de Agosto, Café com Letras - e este é também uma boa escolha, hoje o bar do Naguib é o mais bonito de Maputo, ainda por cima com a Catembe fronteira a ajudar (Ka Tembe, um nome para o bar que falta do outro lado).

 

Jazz, o grupo de Celso Paco. Convidado Sérgio, um marimbeiro jovem. Durante algum tempo, três trechos lembro, apenas o baixo a marcar, como lhe era pedido, a bateria de um Celso cadenciado, excelente a saber não ser exuberante, a provocarem uma enorme e suave tensão, e a marimba do Sérgio a soltar-se, mas solta num diálogo muito ritmado, compassado, insistente, bem afirmativo do trio tenso, num som compacto.

Excelente. Mais do que excelente. O melhor que já ouvi em Moçambique. Ainda que soasse a esquiço, ou talvez por isso mesmo. Estava ali um caminho muito original. E, aleluia, sem quaiquer preocupações, dessas que por aqui ainda subsistem, das essências musicais, da tradição, da moçambicanidade, apesar da marimba estar lá. [Tensão tanta que todas as conversas interrompidas, e o nosso grupo estava muito animado, a despedir umas patrícias aqui há muito professoras. Um velho à mesa a dizer “eh pá, isto é muito ECM!”, ok, ok, dá para ilustrar o texto ainda que seja falso.]

 

Fantástico e, claro, "eu vi o futuro da música moçambicana, e chama-se...". Vou-lhes dizer isso, mas agradecem entre sorrisos enquanto desiludem, que não estão a pensar avançar muito naquilo, foi só para brincar naquele dia. Ah, conhecesse eu algum produtor musical!

publicado às 15:11

Escolhas de fim de ano

por jpt, em 29.12.03
Até no meio das Amstels levo com as respectivas escolhas sobre as “personalidades do ano” e outros eventos tais quais. Mas a mais deliciosa ainda é a escolha da secção cultural do jornal “Savana”: eles mesmos. Fantástico jornal. E já nem falo de quem lhes acha o cronista social a “personalidade moçambicana do ano”. Coisas dos diferentes húmus, decerto. Mas enfim, também tenho opinião. Para mim os objectos do ano são “As duas sombras do rio”, livro escrito por João Paulo Borges Coelho, e “O amor vive-se nú”, uma delícia de Ídasse, e cuja “Protegida” veio ter comigo, em princípio para sempre.

Repito, ainda que democrático:coisas dos diferentes húmus, decerto.

publicado às 15:09

Os livros de Natal e as editoras

por jpt, em 29.12.03
Não se queixam muito os livreiros de Maputo, não lhes corre assim tão mal o negócio, e não falo só destes finais de Dezembro. Bom sinal! E ainda que o grosso das vendas seja livro estrangeiro, para este Natal animaram-se as edições na escala do mercado local. As duas semanas anteriores foram de azáfama nos lançamentos, alguns ainda com chamuças e vinho branco, a não perder, mesmo que não se leiam (ou comprem) os livros.
 
 
Mas depois basta ir comprar os presentes para resmungar com a distribuição, as novidades não aparecem. E quando se fala de tiragens pequenas, a oscilar entre os 500 e os 1000 exemplares, e de editoras não muito abonadas, o que significará perder uma estação natalícia?
 
 
Talvez não muito, e este é um problema outro, pois a maioria das edições que surgiram chegam por via de patrocínios. Dinheiro em caixa, edição paga, distribuição esquecida? Se calhar é isso, e depois lá ficam os caixotes de livros em armazém e o “ai, ai, que os livros não se vendem, não há mercado”, e estou só a falar em Maputo, que no resto do país nem se fala. E os autores a não serem lidos, ou tão lidos como o gostariam, e isso ainda é o pior.
 
 

Andei pelas livrarias, a comprar as poucas prendas e a falar com os empregados. Nas duas maiores livrarias de Maputo, as Escolar Editora, comprei o antepenúltimo “As duas sombras do rio”, o qual está esgotado, cinco meses depois de sair. Que raio, porque fizeram tão poucos? Do último de Mia CoutoO Fio das Missangas”, edição local há apenas um mês restam 30 em armazém, e repito a pergunta. Do delicioso “Xingondo”, belas crónicas de Daniel da Costa, nem vê-lo. E estas nem são edições patrocinadas, mas faltou qualquer coisa.

 

[Já agora que falo do Xingondo, um aviso de não crítico a quem chegou até aqui. É o cronista que mais me encanta nesta terra, não um imortal, mas algumas das peças bem conseguidas e, mais do que tudo, com uma ironia suave por aqui tão única, que o hábito dos seus colegas é um risco bem grosso, para ser nítido, que até cansa].

 

De Panguana, “O Chão das Coisas”, a biografia de Coluna “O Monstro Sagrado”, “A Viagem Profana” de Nelson Saúte, tudo da segunda metade de Dezembro nem sombra. Deste pacote de fim de ano só os “Poemas de Prisão” de Craveirinha à venda, nos escaparates usa-se dizer, e talvez porque noblesse oblige. E, atenção, todos patrocinados. Causa - efeito?

 

Cá para mim anda-se a dormir na forma, mas enfim, não sou homem de negócios. Mas fico-me, falta distribuição, não tão difícil assim em Maputo. Repito, é o raio dos patrocínios, o livro está feito, há o objecto e pronto, ninguém se preocupa mais.

 

E já agora, que falo de livros. Bebo com o poeta Afonso dos Santos, ele ia mais adiantado do que eu, mas ainda assim vai dizendo que anda à procura de editora para dois novos livros. Um “Coleccionador de Quimeras” que aqui esgotou 750 exemplares de poesia e anda à procura de quem o edite? Em casa vou ver-lhe o livro e lá está, patrocínio institucional, cheira-me a metade da edição metida em caixotes como retribuição do taco avançado e, aposto, desde então condignamente clandestinos para não desarrumar os corredores. Não sou muito de poemas, defeito ou característica, não sei. Mas um tipo que se avança com

 

Quando as minhas angústias

começam a morder-me

ponho-lhes a trela

saio à rua a passeá-las

e deixo-as ladrar

ao tédio transeunte.

Depois ponho-lhes asas

e deixo-as voar

como pássaros

em busca de primaveras

imprevisíveis

 

bem que deveria ser editado, mas para ser mesmo lido. Fosse ele de salões e talvez. Mas se calhar ladra-nos demais, a nós transeuntes.

publicado às 15:06

Natal em Maputo

por jpt, em 28.12.03
Em cada Natal há mais natal em Maputo. Pois, em cada Natal, o tal da “paz”, “felicidade”, “amor entre os homens”, “todos os dias que um homem quiser”, “criancinhas”, “etc. e tal”, há mais gente na rua apinhada nas ruas, um trânsito voraz nas avenidas mas também nas ruas e ruelas, que os buracos destas são agora esquecidos na pressa das compras - ai, quando maputo tinha poucos carros!, que sossego -, gente até chorando os preços mas a encher o fajardo, o bazar central, que esses vi eu e os outros só acredito, o alto maé encrespado de compradores de última hora, bem como lá na baixa, e por todas essas bancas de rua, sempre o olho no cliente o olho no polícia, e lá no fundo da luthuli o fantástico ayob comercial, filas ao sol esperando vez para entrar, comprarmos as tralhas chinesas, maravilha de marketing essa baixa de preços em época de ponta, e até os prédios shoppings agora com visitantes feitos compradores, uma festa, uma festa, mesmo as iluminações de natal vão surgindo, isto está moderno, cidade fazendo-se grande. 

É verdade, instalou-se o horror do consumismo, desvirtuando o que deveria ser, o que foi, o espírito natalício. E ainda mais incompreensível neste país, onde a maioria da população tem tantas dificuldades, passa por tantas privações. Um paradoxo inconsciente, amoral até.

É, é isto que se vai ouvindo, ainda há alguma consciência, e mais ainda nos intervalos das compras, entre aqueles, de cá ou não, que não passam privações, os de há muito habituados a consumir, antes do natal, no natal, depois do natal, esses que fazem do natal o tal “todos os dias que um homem quiser”. Resmungando, desgostosos, com esse povo da cidade, coitado é certo por tal o ser, e que assim se distrai, a querer-se tão burguês, gerando maus hábitos nestas cópias, hábitos talvez não para eles, talvez não sustentáveis.

Mas que fazer, esta terrível globalização a padronizar modos, a natalizar-nos, não é assim?

publicado às 08:48

Não se assustem, não vem aí “a minha opinião sobre tudo aquilo”. Apenas aproveitar o assunto para lembrar algumas incoerências na lusa pátria.

Bem, o homem foi preso, os americanos foram um bocado ordinários, não havia necessidade de lhe mostrar os dentes hirsutos, JPP teve mais do que razão [situação em que ameaça tornar-se monótono]. Por aí toda a gente falou, berrou, blogou. Logo veio o “julguem-no”, alguns saddamianos a ruminarem-lhe uma pena de morte, outros nem tanto, todos mais ou menos a opinarem sobre quem o deve julgar, os iraquianos (esses a prazo, os que estão agora mais no poder e que vão acabar mal, coitados) ou uma tal “comunidade internacional”.

Ora é aqui que a minha porca torce o rabo, e nem me estou a ligar ao tal homem, tantos a pensarem sobre o assunto devem chegar a uma conclusão suficiente. Ouço e leio aí à esquerda que Saddam deve ser julgado pelos iraquianos (quais? que efectiva legitimidade tem a actual nebulosa próxima do poder) ou pelo TPI. Mas este seria difícil pois os americanos não aderiram, o que demonstra a sua malvadez. Até concordo. À direita (aqui de longe ainda não compreendi o que é a tantas vezes escrita “nova direita”) encolhem os ombros, não apreciam lá muito o TPI, se calhar porque os americanos não gostam (causa suficiente para muitos pensares), e lá vão apoiando os tais actuais iraquianos, sobre os quais dirão dentro de algum tempo os maiores impropérios. [Lembram-se como a euroesquerda delirou com Khomeini, para depois...?]

Volto à esquerda portuguesa e ao seu apreço pelo TPI. E (já cheguei ao ponto) coloco-me uma questão. Nos anos 60 e 70 Portugal recrutou tropas africanas nas três guerras em que esteve envolvido. Larguissimos milhares. Com as independências essas tropas tiveram destino diverso.

Em Angola predominou o pragmatismo, a guerra contínua impeliu ao seu recrutamento. Em Moçambique houve uma reintegração pacífica, por vezes apoiada em cerimónias públicas, estatais ou aldeãs, na vida civil, sendo certo que muitos vieram depois a integrar as forças militares estatais ou da renamo, por via de recrutamento e, decerto, pelo apelo do ethos militar. Mas em ambos os países predominou o desejo da reintegração e no Moçambique, sem o constrangimento imediato da guerra, a sageza estatal de uma pacificação pós-colonial.

Na Guiné-Bissau ocorreu o contrário. As tropas que tinham sido arregimentadas pelo Estado português foram dizimadas (e após acordo entre os países para as salvaguardar), processo em que talvez tenha interferido uma dimensão étnica. Isto decorreu durante o consulado de Luís Cabral, ainda que muitos apontem também responsabilidades de Nino Vieira. Enfim, não afirmo culpas. Não sei se foi o presidente Cabral ou o futuro presidente Vieira (ou os dois) que, bem diferentemente dos presidentes Neto e Machel, massacraram os seus conterrâneos recrutados pelo Estado colonial.

Só pergunto à tal esquerda, para que serve aderir ao TPI e depois albergar Cabral em casa? Que faz ele envelhecendo no meu país, esse que tanto grita contra Saddams e Suhartos? E depois Vieira, mesmo que aqui com a desculpa que o seu exílio terminou a guerra, pois porque não foi ele para o Senegal, por exemplo?

E a direita, velha ou nova, pomposa no seu desejo de comemorar os trinta anos do 25 de Abril atribuindo reformas aos antigos soldados do ultramar, como quer e diz Portas, enquanto a reboque retira a descolonização da Constituição? O acto em si talvez seja meritório, a República arregimentou gente para uma guerra estúpida, agora compensa-a na velhice. Mas é óbvio o prazer revanchista, ultramontano que brota deste pacote “comemorativo”, de patrioteiro armado em patriota, aparentando justiça desideologizada, como se isso existisse.

Mas seja, elegemos este poder (sim, eu elegi), levamos com o seu melhor (apreciando) e com o seu pior (protestando). Mas recompensar a tropa colonial, homenagem pública e financeira, e deixar Cabral e Vieira, envelhecendo calmamente em nossa casa? E os outros soldados, os massacrados? Não contam? Porque eram “guinéus”? Não eram eles também “soldados do Império”? Para que vale então ser patrioteiro?

Hum, cheira-me a racismo à direita, a hipocrisia à esquerda. Ou vice-versa. E vice-versa.

publicado às 18:14

Mundo Português

por jpt, em 22.12.03

saudade macua.jpg

Ontem mesmo, arrastando em Lisboa este tempo que por cá me resta, enfrentei aquele início de alfarrábio, ali postado entre o café Luanda e o café Polana, a avenida assim a agigantar-se em mapa cor-de-rosa. E descobri esta jóia, os poemas de Jorge Ferreira em “Saudade Macua”, um pequeno livro de 1969 e que então ganhou o Prémio Camilo Pessanha, atribuído pela Agência Geral do Ultramar e acredito que muito merecidamente.

Sou mero leitor, nada especialista em literatura, serão as minhas opiniões sobre os méritos deste livro apenas senso comum. Mas não posso deixar de realçar a obra, talvez até retirá-la do esquecimento, desmerecido, tão percursora ela é das sensibilidades e noções de hoje, a abrangente lusofonia. Pois nela se corporiza (antevê?) este sentimento lusófono que vem unindo portugueses e seus irmãos de outros continentes, não só a história que nos une, como ainda a comunhão que a habita nos correres dos tempos. Veja-se como Ferreira antecipa estas décadas do hoje em dia, Estados talvez apartados pelos ventos da política, povos unidos pela língua e pelo sentir, por tantos interesses comuns. Repito, a revisitar, este hoje esquecido poeta:

"O Branco da Terras"

 

Oliverra é o branco da terras’

Oliverra é nossa pai

gente conhece

gente entende

a nosso amigos’Oliverra

machamba de s’Oliverra

é sempre bom

chi..s’Oliverra

branco tem feitiço!

S’Óliverra usa chapéu

sol é muito quentee

s’Oliverra tem careca.”

Ah, tanta harmonia nesses dias, tanta harmonia para hoje.(Jorge Ferreira, Saudade Macua, Agência Geral do Ultramar, 11)

publicado às 18:50

"Mundo Português"

por jpt, em 22.12.03

José Alberto Carvalho é locutor da televisão estatal portuguesa. Nela apresenta o telejornal. Que tenha eu reparado há pelo menos um ano e meio que termina a sua função, algo impante até, com a reclamação de que emitiram para todo "o mundo português". A primeira vez que tal ouvi nem quis acreditar. Foi-o talvez por coincidência ou talvez não, no momento da conferência de chefes de Estado do CPLP no Brasil. Acredito que entusiasmado por tão magno acontecimento se lembrou ele (ou o editor) de tal expressão: "o mundo português". Terá sido o “inconsciente colectivo” nele(s) brotado, ali a querer apagar a história?

 

Claro que os mais letrados se podem lembrar de Freyre e do seu "mundo que o português criou". Mas Freyre pode ser lido e relido, e sempre como homem do seu tempo, e arguto, que o caminho dele era bem mais complexo do que lho quiseram dar. E deste Carvalho duvido que leia Freyre, pelo menos com olhos de ler. E duvido ainda mais que seja homem do seu (nosso) tempo. Daí que este "mundo português" do qual se despede, impante repito, todas aquelas noites é-lhe decerto mais parecido com aquele império que se expôs em 1940.

 

É Carvalho um reaccionário, um saudosista, um revanchista? A querer mudar a história com a sua pequena retoricazita? Não o creio, acho mesmo que é apenas um ignorante e nem tem consciência do que diz. De que é emitido, e por via de acordos entre Estados, para os países africanos que não se consideram "mundo português". E que não o são. (Para bem de todos nós, diga-se.) E países onde tal afirmação constantemente repetida na nossa televisão estatal só pode criar desnecessários anti-corpos, resmungos, mal-estar: pois água dura em pedra mole ...

 

Má vontade minha com um pequeno pormenor? Um episódio ridículo do corropio de ignorância, bem sonora a televisiva? Não acho. Trata-se da televisão pública, da informação estatal. Pode não ser a voz do dono (e francamente acho que não o é, já a vi bem mais seguidista), mas no estrangeiro representa o poder, a sociedade. Percepção que se reforça, naturalmente, em países onde a informação é ainda mais dependente do poder político do que a nossa o é, o que molda a visão que têm das outras.

 

Francamente, esqueço-me desse Carvalho. Custa-me é que noite após noite ninguém na RTP, áfrica ou não, lhe diga "ó homem, cale-se lá com isso", que ninguém fora da RTP, áfrica ou não, lhe diga "ó homem, cale-se lá com isso...". Ou será que realmente se pensa por aí que há esse "mundo português"?

 

Caramba, bastava dizer um "mundo em português", um pequeno "em" até talvez hipócrita, mas que diferença semântica. Politicamente correcto? Não, não! Historicamente correcto [e mesmo sobre a língua haveria tanto para dizer, mas aqui não vale a pena]. Mas enfim, ninguém acha necessário dizer algo. Pelo menos blogo aqui a minha curiosidade, o meu espanto, onde é que vão descobrir esta gente, estes carvalhos e afins, de onde brotam eles, tão viçosos e saudáveis? E que raio, vão eles sempre florindo, e bem alimentados exactamente por parecerem credíveis, confiáveis. E assim seguindo com fé e afinco o mandamento bíblico, crescendo e multiplicando-se.

 

Neste Maputo, que de há muito não é LM ou um qualquer outro "mundo português", e onde como imigrantes vamos sendo julgados e/ou gozados por cenas como estas, olho-o(s) lampeiro(s) no ecrã e vou-me lembrando da velha pergunta de autor, "e não se pode exterminá-los"?

 

Mas, e pensando melhor, talvez não seja essa uma boa ideia, que bem piores se seguiriam, pois por aí parece não haver limite para tudo isso.

publicado às 12:50

Tocqueville em África

por jpt, em 19.12.03



Ma-germane, maputo, 11.03 [a foto é péssima, perdão]

publicado às 19:26

A beleza da democracia

por jpt, em 18.12.03
Mais do que mui bela eleitora. Eleições autárquicas, norte de Moçambique, 2003.

publicado às 19:25

Blatter sobre o futebol actual

por jpt, em 17.12.03
Mr. Blatter, afinal?Acabadinho de roubar do "Jogo"..."Joseph Blatter disse o que lhe vai na alma ao prestigiado "Financial Times". O presidente da FIFA não usou de meias palavras para definir o estado actual do desporto-rei: "Os principais clubes europeus funcionam cada vez mais como verdadeiros neocolonialistas, implicando-se na violação social e económica, ao roubarem aos países em desenvolvimento os seus melhores jogadores"."

publicado às 12:48

Proto-bloguista

por jpt, em 17.12.03

Sebastião Alba, Albas, Quasi Editores

Blogs! Tanta coisa, tantos dizeres, novidade inventiva, revolução, mera moda, democracia até que enfim, flirt de verão (lá no norte), esfera própria, solidão, diálogo aberto. Tanta coisa mais... e afinal já estavam inventados e há muito.

É este o primeiro blog em livro? Ou apenas um bem melhor blog em livro?

[Isto é fantástico. Pega-se nestas Albas e compreende-se que com isto dos blogs, e mais os computadores, deixará de haver baús. Quanto muito, ficam-se com alguns discos duros para reparar...E assim, menos pilantras a refazerem-se nos espólios alheios]

Vejam, à escolha: "Estes gajos vivem para ultrapassar-se uns aos outros: em Literatura; no mercado de trabalho; na cama, com as mulheres e ao volante nas estradas. É um país...enormemente pequeno, mas de uma pequenez comovente" (é ali pela 131).

Ou esta: "Alba, ainda há dias te fechei a porta na cara, e hojes trazes-me um passarinho?". (logo ali ao lado).

publicado às 12:35

Cofiós

por jpt, em 15.12.03
Numa das minhas últimas visitas a Maputo estive, e por várias vezes, na universidade. Ainda que distraído dei-me conta de uma nova moda no tapar da cabeça, alunos de cofió ou similares, as alunas alongando mesmo os rendilhados, alguns quasi-naperons. Um modismo, que desvalorizava as anteriores boinas de operário, aquelas de pala à frente, sempre a fazerem lembrar o cinema francês, e que até então proletarizavam a aparência da futura intelectualidade do país, por deveres de elegância, que decerto já não era a ideologia a trazê-las até ali. Teológico, indaguei se não seria isto um signo da expansão do islamismo, cada vez mais visível, ainda que as estatísticas o não confirmem? Lesto, um jovem assistente, desses que ainda mantêm vínculos de geração, interesse e humildade com os estudantes, logo me desenganou. Nada de religião, isto é mesmo moda, embrulhando a conclusão num sorriso: "foi o 11 de Setembro!".

publicado às 08:58

Mambas-Guiné Conacry

por jpt, em 15.12.03
Mambas 0 - Guiné-Conacry 4

O público entristecido, o Monsto Sagrado todo Só, ali sem sucessores. Súbito, do povo em lágrimas salta um jovem, voa de heroísmo, corre para as redes guineenses, arranca lesto aquela agulha que o keeper francófono ali escondera, maligna guardiã da baliza almejada (e assim pouco alvejada), no tecer de invioláveis barreiras.Júbilo, Machava, júbilo! O feitiço desvendado, traiçoeiro apoio (falso como essas mais nórdicas e químicas drogas?), ilegalidade mágica, maldades de lá, prejuízo e dor de cá... E haviam de vê-lo, ao povo então em coro, mais gritando do que se sucessivos golos fossem. No frémito da ira, da justiça, da liberdade ao mérito. Porque ali desnudada a perfídia estrangeira, secretas malfeitorias.

Ai, estas coisas africanas, ditas ignorâncias obscuras, crendices de antanho que não conseguimos ultrapassar. Atavismos populares, laivos de criancice que teimam em não crescer.

Depois:Mambas 3 - Guiné Conacry 4

Afinal??

publicado às 03:58

A liberdade da escrita

por jpt, em 14.12.03
Marcelo Panguana, que é amigo, e que prosa, chegou há dias a acenar com a citação "o homem que escreve é livre". Ah, Marcelo, quem dera, quem dera, mas será mesmo...? Não será apenas ilusão? E até provocando outras prisões, aquelas que vemos em tão inchados eus, inchados de nada até.

[ou se calhar tens razão, talvez por isso tantos andemos a teclar.]

publicado às 12:42

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