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A Viagem Profana, de Nelson Saúte

por jpt, em 30.12.03
Nelson Saúte, A Viagem Profana, Marimbique.
A editora Marimbique estreia-se aqui. Pertence ao poeta. Se este tivesse feito uma edição de autor, com o seu dinheiro ou de patrocínios, tê-lo-iam saudado. Como inaugura uma casa de livros alguns criticam-no. Pré-juízos?
O livro é bonito. Bom papel, boa capa. Belo lay-out. Bem revisto, inexistência de gralhas, pelo menos à segunda vista. Tudo isto é bom e por cá infelizmente tão raro. E prova que todas as outras falhas que por aí se vêm não brotam das reclamadas “nossas limitações” gerais mas sim de distracções particulares. Pouco importante? O livro é um objecto, mesmo que simples. E neste caso feito por quem gosta destes objectos, e o mostra.
Do que está lá dentro já me custa mais falar, falta-me o saber sobre a poesia, não sou das críticas, sou só um cliente. Mas como estrangeiro olho-o como sempre faço diante da literatura moçambicana: o documento-ajuda para perceber tudo isto.Quem apresentou o livro já o referiu. Saúte autobiografa, e já (já?). E dele sai a imagem de um moçambicano cosmopolita, homem do mundo e assim daqui. Interessante num país onde as legitimidades pessoais continuam a brotar das raízes ancestrais, dos localismos, até das negações de putativos “estrangeirismos”. Estranho país este, onde escrever um mero “Amo as cidades distantes” pode ter sentidos tão políticos. Certo que no correr das suas memórias lhe afloram os espíritos antepassados, mas estes não são os velhos “lá da aldeia” mas sim (sacrilégio?) os mais velhos poetas, Ginsberg, Knopfli e todos aqueles outros, são esses que ele invoca para lhe iluminar o caminho, protecção.
E tudo isto é ainda mais interessante pois este livro não é um sinal dos tempos, aliás é mesmo um oposto aos tempos que aqui correm, como se este país antes de olhar o futuro precisasse de muito contemplar um “passado” que se entretem a idealizar.
Pouco importante? O livro é um objecto, mesmo que polémico. E neste caso feito por quem gosta destas polémicas, e o mostra.
Do meu gosto? Se me perguntares hei-de dizer-te, Nelson, que te prefiro nos curtos, quando de sopetão ainda te lamentas da falta de jeito na Munhuana, é aí que dialogo contigo. Mas isso pouco vale, fraco leitor, “homem de acção” reduzia-me um velho poeta lá das europas. Da estética que falem outros, daqui sai postal.
E invejo-te. Não te brota dor. Nem falsa (a falsidade do poeta) nem verdadeira (se é que são diferentes). Invejo-te. Ao homem que autobiografa. E ao poeta que nela não se ancora, refugia.

publicado às 15:14

Escolhas do fim de ano II

por jpt, em 30.12.03

[fui adolescente nos anos 70. Lá onde era isso significava ler, também, a Rock&Folk. E foi nela, estou certo, que li e reli aquela frase de um jornalista americano, dita bem nos inícios da década e depois célebre. Qualquer coisa como “eu vi o futuro do rock n’roll e chama-se Bruce Springstein”. Agora que passou tanto tempo que o Springstein é já o passado do rock n’roll, ou se calhar é mesmo o rock que é o passado, houve uma noite em que me lembrei dela, que raio de memória, atafulhada de pequenos, esconsos (insignificantes) detalhes. Foi a...] 21 de Agosto, Café com Letras - e este é também uma boa escolha, hoje o bar do Naguib é o mais bonito de Maputo, ainda por cima com a Catembe fronteira a ajudar (Ka Tembe, um nome para o bar que falta do outro lado).

 

Jazz, o grupo de Celso Paco. Convidado Sérgio, um marimbeiro jovem. Durante algum tempo, três trechos lembro, apenas o baixo a marcar, como lhe era pedido, a bateria de um Celso cadenciado, excelente a saber não ser exuberante, a provocarem uma enorme e suave tensão, e a marimba do Sérgio a soltar-se, mas solta num diálogo muito ritmado, compassado, insistente, bem afirmativo do trio tenso, num som compacto.

Excelente. Mais do que excelente. O melhor que já ouvi em Moçambique. Ainda que soasse a esquiço, ou talvez por isso mesmo. Estava ali um caminho muito original. E, aleluia, sem quaiquer preocupações, dessas que por aqui ainda subsistem, das essências musicais, da tradição, da moçambicanidade, apesar da marimba estar lá. [Tensão tanta que todas as conversas interrompidas, e o nosso grupo estava muito animado, a despedir umas patrícias aqui há muito professoras. Um velho à mesa a dizer “eh pá, isto é muito ECM!”, ok, ok, dá para ilustrar o texto ainda que seja falso.]

 

Fantástico e, claro, "eu vi o futuro da música moçambicana, e chama-se...". Vou-lhes dizer isso, mas agradecem entre sorrisos enquanto desiludem, que não estão a pensar avançar muito naquilo, foi só para brincar naquele dia. Ah, conhecesse eu algum produtor musical!

publicado às 15:11


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