Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]




Notas sobre literatura colonial portuguesa no Blog da Rua Nove, um interessante blog que descubro via Carlos Sousa de Almeida.

publicado às 21:45

A neo-Jacquerie de Maputo

por jpt, em 10.02.08

1. Um susto os acontecimentos de Maputo desta semana passada. Estive longe, na altura no interior da Zambézia sem acesso a comunicações constantes. Na quarta-feira, segundo dia dos acontecimentos, à noite em Morrumbala tive ecos do que se passava, ainda assim meros excertos. Ali, como em tantos outros lugares, a cobertura da MCel, quando existente, é episódica e espasmódica [propositada estratégia para abrir espaço à Vodacom? um dos membros da equipa tinha um cartão dessa empresa e um pouco mais de acesso telefónico. Confesso a minha continuada surpresa, tantos "Verões Amarelos" e as capitais de distrito tão falhas de rede].

Longe dos acontecimentos fui recebendo chuvas de mensagens. E foi talvez a distância que as deixava entender como assustadas e assustadoras. Mas também solidárias - uma "jacquerie" compreensível aos olhos de muitos apesar do jeito violento.

Entendam-me, em Morrumbala ao olhar a TVM e ver barricadas fumegantes e carros em fuga a meros 2 km de casa ("se isto é na TVM o que será nas outras estações!"), ali na Praça da OMM, o "olhar distanciado" apaga-se aliás torna-se "olhar aproximado" e a causa analítica desaparece face à preocupação com a família lá longe, minha ausência a ampliar medos (agora, no depois do lar,  posso sorrir no reconhecimento deste fundo ideológico patriarcal, desta expontânea aceitação da responsabilidade protectora do pater familias, quiçá mesmo do pater potestas. Mas só agora, à distância ...).

Uma corrente de boatos, de comentários, via sms. O carácter espasmódico da cobertura telefónica celular nas capitais distritais implica coisas como acordar às 4 da manhã com o barulho da entrada de 9 mensagens (proto-apocalípticas) relativas ao assunto. Mas a notar algo sobre a neo-modernidade destes movimentos sociais, desta neo-jacquerie - se a mcelização tem vindo a ser denunciada como o extremo da mercantilização do país (o seu peso na estrutura da despesa familiar urbana e periurbana está por descortinar; a dimensão publicitária histriónica das telefónicas "nacionais" e até o seu peso na paisagem urbana e aldeã) este momento demonstra como o mero telefone móvel se tornou um meio de comunicação de massas, de convocação social, muito mais poderoso do que a internet e livre de tentativas de controle social, seja pelo poder estatal, partidário ou até empresarial (já para não falar das omnipresentes associações religiosas).

2. Quando Carlos Serra, o grão-bloguista moçambicano, cumpriu o primeiro aniversário do Diário de Um Sociólogo (o primeiro dos vários blogs que anima) aqui disse que ao bloguismo "... Serra torna-o numa espécie de estação de rádio". No regresso a Maputo logo me elogiam o que Serra fez nos dias tumultuosos da passada semana. Com efeito ali está, ao jeito de rádio, a crónica dos dias passados em actualização constante. E fica também um documento historiográfico de capital importância [o que mais uma vez me leva a referir a necessidade de uma política de arquivo bloguístico]. É ver a sucessão de entradas: Revolta popular em Maputo (5.2.08), ...Tarifas voltam ao estádio anterior (5.2.08), Maputo Fantasmada Hoje (6.2.08), Povo Pacífico Estragado por Mão Externa (7.2.08) (contendo uma aguda análise do discurso do jornal "Notícias", conotável com o Estado), A Espada de Dâmocles (7.2.08), Boato (7.2.08), TPM de luxo na rua... (7.2.08), Antes de Tumultuarmos os Outros ... (8.2.08), O que são Pão e Chapas (8.2.08), ...Canção de Azagaia Sobre a Revolta Popular de Maputo (8.2.08), para entender o dia-a-dia passado. Depois Serra faz (e presumo que continuará a fazer) a sua análise dos eventos. Mas desde já fica o relato do ambiente que se viveu.

3. A ler ainda "As Manifestações", de Elísio Macamo que promete regressar ao tema.

4. Compete, com primazia, aos teclistas moçambicanos a análise dos acontecimentos que se vêm sucedendo. Este residente apenas pode transpirar o que vem inalando: há um hiato entre o real e a compreensão que os poderes dele têm. A vulcanização urbana (e aqui estou de acordo com Serra) e o receio rural - pois se há episódicos movimentos reactivos nas cidades no campo o Estado é temido, tal como os seus agentes (mesmo sendo um mero antropólogo estrangeiro), um silêncio que pode ser tomado como adesão mas não a é. Tudo isto aponta para novas formas de diálogo social. Resta saber se intra-partidárias se trans-partidárias. Esperemos (um "nós" de gradualistas) que das primeiras.

publicado às 12:06


Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos