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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Desde há vários dias que vou recebendo notícias sobre um surto de criminalidade no "grande Maputo" e da formação de grupos de vigilantes populares, particularmente nas áreas de residência - no sempre dito "caniço" ou seja, as áreas residenciais da classe não-média, e em alguns novos subúrbios residenciais de classe média. Crê-se na existência de um grupo de malfeitores, ladrões violadores sádicos, pedófilos e bissexuais, que anunciam antecipadamente a sua visita às zonas e depois queimam com ferros de engomar as suas vítimas. Esse grupo é chamado o G20, e alguns dizem-no uniformizado e constituído por 20 elementos. Com efeito, os rumores revelando crimes acontecidos serão constantes e os linchamentos já começaram, como desgraçadamente o comprova o estuporado assassinato do escultor Alexandria, ocorrido ontem, dia no qual a população matou seis pessoas. As teorias da conspiração abundam, apontando responsáveis políticos (do poder ou da oposição) e/ou policiais para os crimes acontecidos. O temor disseminou-se, anunciando-se pânico. E a "justiça popular" (re)instalou-se na cidade.
Ora o que é certo é que ninguém ainda confirmou a existência desse tipo de crimes. Não me vou içar a "tudólogo", e abordar um fenómeno destes à distância. Mas esta vaga de crenças, práticas e rumores, indicia um caldeirão social fervilhante, uma gigantesca desconfiança nas instituições também, e um profundo mal estar. E, na base, uma enorme sensação de insegurança, de desconfiança face ao presente e ao futuro.
A própria simbologia anunciada, este "passar a ferro" das vítimas, será matéria para as fáceis metonímias ou metáforas, anunciando um povo a querer significar o facto de estar "espalmado", "queimado", devastado, por um real incerto e supra-esmagador. E assim desumanizador, "coisificador" da vítima, pois apenas objectos são passados a ferro, nisso destruidor das identidades individuais.
Dizem-me que o jornalista Fernando Lima já referiu a similitude deste surto com o fenómeno ocorrido no país nos anos 90s, a crença generalizada no "chupa-sanguismo". E que também Carlos Serra referiu o assunto. É exactamente isso que me parece, repito, à distância dos fenómenos, do "terreno". Uma vaga de rumores, alimentada pela criminalidade com toda a certeza, mas permitindo um rizomático discurso popular e correlativas teorias da conspiração.
Uma situação a exigir uma grande sageza, ao nível do discurso público. Para a qual, já agora, convirá olhar com alguma desconfiança essas leituras "metaforizadoras" deste tipo de crenças. Por isso me lembro de um texto meu em que abordei o "chupa-sanguismo". Não era centrado no assunto mas nele incidia. E olhando com muita desconfiança a ideia de que estes discursos populares traduzem uma antinomia sociopolítica explícita.
Para quem tenha paciência e interesse aqui deixo ligação ao tal texto, cujas primeiras páginas reflectem sobre a tal onda de "chupa-sanguismo" ocorrida em Moçambique há duas décadas ["Ma-tuga no mato"].