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Soares na Mondlane

por jpt, em 23.06.05

Mário Soares hoje, em conferência na Eduardo Mondlane. Lá estive, a curiosidade em ouvir-lhe o tom aqui. Mas acima de tudo em tentar perceber o tom daqui. E Soares em África é uma curiosidade. Estadista a sério, goste-se ou não dele, e portanto por cá nunca lhe gostaram as aberturas aos movimentos oposicionistas durante os 80s - nem à Renamo, então meros "bandidos armados", nem em Angola à UNITA. Enfim, goste-se ou não dos ditos movimentos, goste-se ou não de Soares, a história causou (a história não "dá", não é gente) razão a este último.

 

Trouxe-me memórias. Estive em Luanda há quase 10 anos quando ele foi a Angola em "visita de Estado", um in extremis pois foi a sua última viagem como Presidente. Dizia-se então à boca aberta que tinha forçado a viagem, não queria deixar o posto sem ir a Angola - e só os incautos podem desprezar o peso desse tipo de deslocações. E pude então entre-perceber o desconforto local com o sucesso da viagem, com os banhos (pequenos, controlados, mas ainda assim banhos) de multidão enquanto ele, sem autoridades locais, passeava no centro de Luanda - gente na rua [esses a que os pequenos burgueses filhos de malteses hoje chamam de "populares"] a dizerem-me, entusiasmadissimos "os nossos [políticos] passam de carro, a voarem, este anda no meio de nós", num óbvio "assim, sim!". E não esquecerei a piscadela de olho que o velho (Senhor Presidente, claro) me enviou e a um outro patrício, nós ali no passeio a vê-lo passar, um evidente "estão a ver como é?" e nós estávamos.

 

Soares na Mondlane hoje, coisa bem diferente, ladeado por Joaquim Chissano (a quem amplamente citou). Uma memória das negociações de há 31 anos, em Lusaka, da independência (no sábado faz 30 anos - [Machado e se aqui colocássemos o tal som que oferecias no ano passado?]), um final com citação de António José de Almeida no Brasil no seu 1º Centenário "obrigado por se terem tornado independentes!". E ainda lhe sobrou discernimento para quando o interpelaram sobre o modo como "deu a independência" a Moçambique corrigir num "eu não dei, nós negociámos a independência". Clarividente (e polissémico, claro).

 

Depois um olhar sobre o mundo, contra o neo-liberalismo dos 3Bs (Blair, Bush, Berlusconi), esse do proteccionismo em casa e da abertura alhures (nada de novo, liberalismo vitoriano), contra a reprodução da divisão internacional do trabalho. Pela defesa da ONU do "Por Um Novo Milénio", contra a univisão globalizante (das multinacionais, sic), pelo regresso a alguns textos de Marx (e aqui um grande e audível sorriso na audiência).

 

No debate que se sucedeu foi algo atacado, um interveniente citando Jorge Jardim, o "Moçambique, Terra Queimada". Não pude deixar de pensar que está tudo ao contrário, um "estrutura" daqui criticando Soares baseado em Jardim. Ele também o pensou, estou certo. Mas a polémica desritualizou o momento. E terá mostrado o como o mundo mudou.

 

Saí para o cigarro a pensar como é que o discurso do Velho (esse que para o aqui era reaccionário..) será integrado por uma elite (também académica) agora ferozmente neo-liberal. Hum...ainda o isqueiro me está aceso e retiro o "ferozmente". Desesperadamente neo-liberal, é melhor. Pois, "que fazer"?

 

E o mais importante? Nem uma gota de paternalismo. Nem um suspiro disso. E por isso saio contente. E, confesso, orgulhoso.

 

(Pena que tenham partido o molde)

 

Amanhã vai a Matalane, à utopia do Malangatana - aqui confesso a pena do não convite. E hei-de protestar com o velho.

publicado às 19:28


7 comentários

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De jpt a 16.06.2008 às 19:29

Gostei muito.

Publicado por: sara monteiro às junho 24, 2005 12:48 AM
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De jpt a 16.06.2008 às 19:30

Sabe?, Sara Monteiro, confesso-lhe que até lamento os bloguistas que não têm uma companhia como a sua, desse lado. Nem sabe o bem que faz ao ma-schamba. mil obrigados

Publicado por: jpt às junho 24, 2005 01:54 AM
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De jpt a 16.06.2008 às 19:30

Lamento não concordar com um aspecto: Na minha opinião a História não deu nem concedeu razão ao Soares no seu apoio a Savimbi e à Renamo.
Principalmente no caso de Angola, o apoio a Savimbi ajudou a prolongar uma guerra sangrenta, colaborou em muitas mortes inuteis.
O fim da guerra mal Savimbi foi abatido foi particularmente claro de que o conflito se baseava essencialmente na megalomania de um frustrado por não ser Presidente.

Publicado por: Machado da Graça às junho 24, 2005 08:24 AM
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De jpt a 16.06.2008 às 19:31

JPT,
Até fico embaraçada.

Publicado por: sara monteiro às junho 24, 2005 02:08 PM
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De jpt a 16.06.2008 às 19:31

Discordo Machado. Aquilo a que chamas apoio à renamo e à unita eu gosto de o ver como outra coisa. Em tempos de então vigorava a concepção de que um partido-único, partido-estado, representava o país, a nação, o povo, um futuro. Algo que é a unicidade. Como homem de Estado Soares abriu portas a movimentos que vieram a integrar-se no sistema político - um sistema político já não de partido-único, mas agora democrático. O desagrado com isso é anacrónico. E não me estou a referir a qualidades desses movimentos. Nem tampouco a qualidades dos governos/partidos que eles combateram.
Quanto a Angola, caso que mal conheço, e que portanto prefiro não desenvolver muito, será redutor reduzir tanta guerra à psicologia de Savimbi. Carismático, certo, líder de um povo, também, ditador sanguinário, parece óbvio aceitá-lo. Mas o processo interno angolano não se pode reduzir à sua psicologia, o tal "frustrado". Já agora, como fazer diante do regime de partido-único do MPLA, aceitá-lo ideologicamente (Travestido de socialismo atraíu muita gente assim lá pelas minhas bandas)? Pactuar, ainda para mais falando de pessoas com responsabilidades estatais, com uma cleptocracia repugnante? Ou abrindo portas a quem, tão repugnante e sanguinário como ela, a combatia. Que raio de mundo, hein. Mas, ontem como hoje, não acho nem um pouco que o tal "marxista" MPLA seja melhor que a "tribalista" UNITA. Ou melhor, tenha sido - mas falo em termos intelectuais, é uma realidade que mal conheço

Publicado por: jpt às junho 24, 2005 06:13 PM
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De jpt a 16.06.2008 às 19:31

Há tanto Blogue nestes comentários que, por vezes, dá vontade de passar a pente-comentário todo o Baú. A sério.

Publicado por: Carlos Gil às junho 25, 2005 04:13 AM
http://xicuembo.blogspot.com/
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De jpt a 16.06.2008 às 19:32

Ao fim de 30 anos pode-se com alguma segurança concluir que a história não causou (gostei da expressão) razão nem ao Savimbi nem ao Eduardo dos Santos. E já é tempo de aceitarmos isso.


Publicado por: Mário Almeida às junho 25, 2005 05:13 PM
http://afonte.blogspot.com/

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