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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Mário Soares hoje, em conferência na Eduardo Mondlane. Lá estive, a curiosidade em ouvir-lhe o tom aqui. Mas acima de tudo em tentar perceber o tom daqui. E Soares em África é uma curiosidade. Estadista a sério, goste-se ou não dele, e portanto por cá nunca lhe gostaram as aberturas aos movimentos oposicionistas durante os 80s - nem à Renamo, então meros "bandidos armados", nem em Angola à UNITA. Enfim, goste-se ou não dos ditos movimentos, goste-se ou não de Soares, a história causou (a história não "dá", não é gente) razão a este último.
Trouxe-me memórias. Estive em Luanda há quase 10 anos quando ele foi a Angola em "visita de Estado", um in extremis pois foi a sua última viagem como Presidente. Dizia-se então à boca aberta que tinha forçado a viagem, não queria deixar o posto sem ir a Angola - e só os incautos podem desprezar o peso desse tipo de deslocações. E pude então entre-perceber o desconforto local com o sucesso da viagem, com os banhos (pequenos, controlados, mas ainda assim banhos) de multidão enquanto ele, sem autoridades locais, passeava no centro de Luanda - gente na rua [esses a que os pequenos burgueses filhos de malteses hoje chamam de "populares"] a dizerem-me, entusiasmadissimos "os nossos [políticos] passam de carro, a voarem, este anda no meio de nós", num óbvio "assim, sim!". E não esquecerei a piscadela de olho que o velho (Senhor Presidente, claro) me enviou e a um outro patrício, nós ali no passeio a vê-lo passar, um evidente "estão a ver como é?" e nós estávamos.
Soares na Mondlane hoje, coisa bem diferente, ladeado por Joaquim Chissano (a quem amplamente citou). Uma memória das negociações de há 31 anos, em Lusaka, da independência (no sábado faz 30 anos - [Machado e se aqui colocássemos o tal som que oferecias no ano passado?]), um final com citação de António José de Almeida no Brasil no seu 1º Centenário "obrigado por se terem tornado independentes!". E ainda lhe sobrou discernimento para quando o interpelaram sobre o modo como "deu a independência" a Moçambique corrigir num "eu não dei, nós negociámos a independência". Clarividente (e polissémico, claro).
Depois um olhar sobre o mundo, contra o neo-liberalismo dos 3Bs (Blair, Bush, Berlusconi), esse do proteccionismo em casa e da abertura alhures (nada de novo, liberalismo vitoriano), contra a reprodução da divisão internacional do trabalho. Pela defesa da ONU do "Por Um Novo Milénio", contra a univisão globalizante (das multinacionais, sic), pelo regresso a alguns textos de Marx (e aqui um grande e audível sorriso na audiência).
No debate que se sucedeu foi algo atacado, um interveniente citando Jorge Jardim, o "Moçambique, Terra Queimada". Não pude deixar de pensar que está tudo ao contrário, um "estrutura" daqui criticando Soares baseado em Jardim. Ele também o pensou, estou certo. Mas a polémica desritualizou o momento. E terá mostrado o como o mundo mudou.
Saí para o cigarro a pensar como é que o discurso do Velho (esse que para o aqui era reaccionário..) será integrado por uma elite (também académica) agora ferozmente neo-liberal. Hum...ainda o isqueiro me está aceso e retiro o "ferozmente". Desesperadamente neo-liberal, é melhor. Pois, "que fazer"?
E o mais importante? Nem uma gota de paternalismo. Nem um suspiro disso. E por isso saio contente. E, confesso, orgulhoso.
(Pena que tenham partido o molde)
Amanhã vai a Matalane, à utopia do Malangatana - aqui confesso a pena do não convite. E hei-de protestar com o velho.