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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
José Alberto Carvalho é locutor da televisão estatal portuguesa. Nela apresenta o telejornal. Que tenha eu reparado há pelo menos um ano e meio que termina a sua função, algo impante até, com a reclamação de que emitiram para todo "o mundo português". A primeira vez que tal ouvi nem quis acreditar. Foi-o talvez por coincidência ou talvez não, no momento da conferência de chefes de Estado do CPLP no Brasil. Acredito que entusiasmado por tão magno acontecimento se lembrou ele (ou o editor) de tal expressão: "o mundo português". Terá sido o “inconsciente colectivo” nele(s) brotado, ali a querer apagar a história?
Claro que os mais letrados se podem lembrar de Freyre e do seu "mundo que o português criou". Mas Freyre pode ser lido e relido, e sempre como homem do seu tempo, e arguto, que o caminho dele era bem mais complexo do que lho quiseram dar. E deste Carvalho duvido que leia Freyre, pelo menos com olhos de ler. E duvido ainda mais que seja homem do seu (nosso) tempo. Daí que este "mundo português" do qual se despede, impante repito, todas aquelas noites é-lhe decerto mais parecido com aquele império que se expôs em 1940.
É Carvalho um reaccionário, um saudosista, um revanchista? A querer mudar a história com a sua pequena retoricazita? Não o creio, acho mesmo que é apenas um ignorante e nem tem consciência do que diz. De que é emitido, e por via de acordos entre Estados, para os países africanos que não se consideram "mundo português". E que não o são. (Para bem de todos nós, diga-se.) E países onde tal afirmação constantemente repetida na nossa televisão estatal só pode criar desnecessários anti-corpos, resmungos, mal-estar: pois água dura em pedra mole ...
Má vontade minha com um pequeno pormenor? Um episódio ridículo do corropio de ignorância, bem sonora a televisiva? Não acho. Trata-se da televisão pública, da informação estatal. Pode não ser a voz do dono (e francamente acho que não o é, já a vi bem mais seguidista), mas no estrangeiro representa o poder, a sociedade. Percepção que se reforça, naturalmente, em países onde a informação é ainda mais dependente do poder político do que a nossa o é, o que molda a visão que têm das outras.
Francamente, esqueço-me desse Carvalho. Custa-me é que noite após noite ninguém na RTP, áfrica ou não, lhe diga "ó homem, cale-se lá com isso", que ninguém fora da RTP, áfrica ou não, lhe diga "ó homem, cale-se lá com isso...". Ou será que realmente se pensa por aí que há esse "mundo português"?
Caramba, bastava dizer um "mundo em português", um pequeno "em" até talvez hipócrita, mas que diferença semântica. Politicamente correcto? Não, não! Historicamente correcto [e mesmo sobre a língua haveria tanto para dizer, mas aqui não vale a pena]. Mas enfim, ninguém acha necessário dizer algo. Pelo menos blogo aqui a minha curiosidade, o meu espanto, onde é que vão descobrir esta gente, estes carvalhos e afins, de onde brotam eles, tão viçosos e saudáveis? E que raio, vão eles sempre florindo, e bem alimentados exactamente por parecerem credíveis, confiáveis. E assim seguindo com fé e afinco o mandamento bíblico, crescendo e multiplicando-se.
Neste Maputo, que de há muito não é LM ou um qualquer outro "mundo português", e onde como imigrantes vamos sendo julgados e/ou gozados por cenas como estas, olho-o(s) lampeiro(s) no ecrã e vou-me lembrando da velha pergunta de autor, "e não se pode exterminá-los"?
Mas, e pensando melhor, talvez não seja essa uma boa ideia, que bem piores se seguiriam, pois por aí parece não haver limite para tudo isso.