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Não se assustem, não vem aí “a minha opinião sobre tudo aquilo”. Apenas aproveitar o assunto para lembrar algumas incoerências na lusa pátria.

Bem, o homem foi preso, os americanos foram um bocado ordinários, não havia necessidade de lhe mostrar os dentes hirsutos, JPP teve mais do que razão [situação em que ameaça tornar-se monótono]. Por aí toda a gente falou, berrou, blogou. Logo veio o “julguem-no”, alguns saddamianos a ruminarem-lhe uma pena de morte, outros nem tanto, todos mais ou menos a opinarem sobre quem o deve julgar, os iraquianos (esses a prazo, os que estão agora mais no poder e que vão acabar mal, coitados) ou uma tal “comunidade internacional”.

Ora é aqui que a minha porca torce o rabo, e nem me estou a ligar ao tal homem, tantos a pensarem sobre o assunto devem chegar a uma conclusão suficiente. Ouço e leio aí à esquerda que Saddam deve ser julgado pelos iraquianos (quais? que efectiva legitimidade tem a actual nebulosa próxima do poder) ou pelo TPI. Mas este seria difícil pois os americanos não aderiram, o que demonstra a sua malvadez. Até concordo. À direita (aqui de longe ainda não compreendi o que é a tantas vezes escrita “nova direita”) encolhem os ombros, não apreciam lá muito o TPI, se calhar porque os americanos não gostam (causa suficiente para muitos pensares), e lá vão apoiando os tais actuais iraquianos, sobre os quais dirão dentro de algum tempo os maiores impropérios. [Lembram-se como a euroesquerda delirou com Khomeini, para depois...?]

Volto à esquerda portuguesa e ao seu apreço pelo TPI. E (já cheguei ao ponto) coloco-me uma questão. Nos anos 60 e 70 Portugal recrutou tropas africanas nas três guerras em que esteve envolvido. Larguissimos milhares. Com as independências essas tropas tiveram destino diverso.

Em Angola predominou o pragmatismo, a guerra contínua impeliu ao seu recrutamento. Em Moçambique houve uma reintegração pacífica, por vezes apoiada em cerimónias públicas, estatais ou aldeãs, na vida civil, sendo certo que muitos vieram depois a integrar as forças militares estatais ou da renamo, por via de recrutamento e, decerto, pelo apelo do ethos militar. Mas em ambos os países predominou o desejo da reintegração e no Moçambique, sem o constrangimento imediato da guerra, a sageza estatal de uma pacificação pós-colonial.

Na Guiné-Bissau ocorreu o contrário. As tropas que tinham sido arregimentadas pelo Estado português foram dizimadas (e após acordo entre os países para as salvaguardar), processo em que talvez tenha interferido uma dimensão étnica. Isto decorreu durante o consulado de Luís Cabral, ainda que muitos apontem também responsabilidades de Nino Vieira. Enfim, não afirmo culpas. Não sei se foi o presidente Cabral ou o futuro presidente Vieira (ou os dois) que, bem diferentemente dos presidentes Neto e Machel, massacraram os seus conterrâneos recrutados pelo Estado colonial.

Só pergunto à tal esquerda, para que serve aderir ao TPI e depois albergar Cabral em casa? Que faz ele envelhecendo no meu país, esse que tanto grita contra Saddams e Suhartos? E depois Vieira, mesmo que aqui com a desculpa que o seu exílio terminou a guerra, pois porque não foi ele para o Senegal, por exemplo?

E a direita, velha ou nova, pomposa no seu desejo de comemorar os trinta anos do 25 de Abril atribuindo reformas aos antigos soldados do ultramar, como quer e diz Portas, enquanto a reboque retira a descolonização da Constituição? O acto em si talvez seja meritório, a República arregimentou gente para uma guerra estúpida, agora compensa-a na velhice. Mas é óbvio o prazer revanchista, ultramontano que brota deste pacote “comemorativo”, de patrioteiro armado em patriota, aparentando justiça desideologizada, como se isso existisse.

Mas seja, elegemos este poder (sim, eu elegi), levamos com o seu melhor (apreciando) e com o seu pior (protestando). Mas recompensar a tropa colonial, homenagem pública e financeira, e deixar Cabral e Vieira, envelhecendo calmamente em nossa casa? E os outros soldados, os massacrados? Não contam? Porque eram “guinéus”? Não eram eles também “soldados do Império”? Para que vale então ser patrioteiro?

Hum, cheira-me a racismo à direita, a hipocrisia à esquerda. Ou vice-versa. E vice-versa.

publicado às 18:14



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