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Agora Existo", um documentário da jornalista
Anabela Saint Maurice (RTP) rodado em Outubro em Moçambique, sobre a realidade do Sida aqui. Transmitido na RTP-África no 1º de Dezembro para assinalar o Dia Mundial da Sida.
O olhar jornalístico europeu sobre África é relativamente padronizado. O português é-lhe exemplo talvez máximo. Tudo moralista, das boas intenções às boas impressões, uma mistura de "denuncionismo", "coitadismo" e "exotismo", um caldo de pitoresco entre capulanas, raparigas sorridentes, estropiados das minas, corruptos e famintos, com pôr-de-sol em terra batida por pano de fundo, com maior ou menos enfoque nas aventuras havidas pelos ditosos jornalistas em causa. Tudo isso resultando em produtos oscilando entre o indigente e o até abjecto. Produzindo sensações e, mais que tudo, desconhecimento.
Também por isso, mas acima de tudo pelo seu valor intrínseco, que até se desmerece em comparações com o padrão habitual, muito é de saudar este documentário da RTP, "
Agora Existo" de
Anabela Saint-Maurice. Abordando a realidade dos seropositivos em Moçambique (com excertos em Naamacha, Beira, Caia, Chiure, Ibo - um rápido "da Naamacha ao Ibo" qual metáfora do célebre "do Rovuma ao Maputo") Saint-Maurice trouxe a vida dos doentes, suas dificuldades, as irredutíveis e as esperançosas, sem a sua vitimização usual, essa que "desagencia" os indivíduos, os naturaliza desumanizando, passivizando-os. Gente doente fazendo pela vida, reclamando a vida, estrategizando pela vida. Curandeiros doentes lutando contra a doença, ali sem exotismo (e o como deve ser difícil a um europeu de passagem evitá-lo neste caso), putas meninas sem preservativo e sem denuncianismo, poligamia também, hospitais no o como existentes, nisso do mostrar o real actual e o que talvez venha a ser. Sem a lágrima fácil, vendo gente a andar, mesmo que por vezes trôpega. E isso sem que haja fechar dos olhos, penso que as imagens da praga de ratos na enfermaria feminina do Hospital da Beira ficarão na história. Saint-Maurice não facilitou. Um belissimo programa. Vénia.
Vejam. E se alguém que por aqui passe conhece a jornalista diga-lhe, sff, que há bloguista que gostou.