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Agora Existo

por jpt, em 04.12.05



"Agora Existo", um documentário da jornalista Anabela Saint Maurice (RTP) rodado em Outubro em Moçambique, sobre a realidade do Sida aqui. Transmitido na RTP-África no 1º de Dezembro para assinalar o Dia Mundial da Sida.

O olhar jornalístico europeu sobre África é relativamente padronizado. O português é-lhe exemplo talvez máximo. Tudo moralista, das boas intenções às boas impressões, uma mistura de "denuncionismo", "coitadismo" e "exotismo", um caldo de pitoresco entre capulanas, raparigas sorridentes, estropiados das minas, corruptos e famintos, com pôr-de-sol em terra batida por pano de fundo, com maior ou menos enfoque nas aventuras havidas pelos ditosos jornalistas em causa. Tudo isso resultando em produtos oscilando entre o indigente e o até abjecto. Produzindo sensações e, mais que tudo, desconhecimento.

Também por isso, mas acima de tudo pelo seu valor intrínseco, que até se desmerece em comparações com o padrão habitual, muito é de saudar este documentário da RTP, "Agora Existo" de Anabela Saint-Maurice. Abordando a realidade dos seropositivos em Moçambique (com excertos em Naamacha, Beira, Caia, Chiure, Ibo - um rápido "da Naamacha ao Ibo" qual metáfora do célebre "do Rovuma ao Maputo") Saint-Maurice trouxe a vida dos doentes, suas dificuldades, as irredutíveis e as esperançosas, sem a sua vitimização usual, essa que "desagencia" os indivíduos, os naturaliza desumanizando, passivizando-os. Gente doente fazendo pela vida, reclamando a vida, estrategizando pela vida. Curandeiros doentes lutando contra a doença, ali sem exotismo (e o como deve ser difícil a um europeu de passagem evitá-lo neste caso), putas meninas sem preservativo e sem denuncianismo, poligamia também, hospitais no o como existentes, nisso do mostrar o real actual e o que talvez venha a ser. Sem a lágrima fácil, vendo gente a andar, mesmo que por vezes trôpega. E isso sem que haja fechar dos olhos, penso que as imagens da praga de ratos na enfermaria feminina do Hospital da Beira ficarão na história. Saint-Maurice não facilitou. Um belissimo programa. Vénia.

Vejam. E se alguém que por aqui passe conhece a jornalista diga-lhe, sff, que há bloguista que gostou.

publicado às 11:09


1 comentário

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De jpt a 27.06.2008 às 09:40

Como amigo da Anabela, e portanto suspeito, também
vi com muito interesse o "tenho Sida logo existo...", se bem entendi a economia do título.
Acho que tinha a marca dela, provavelmente por duas ou três razões:
A sida funcionou, uma vez mais, como pretexto para falar do mundo e da vida, no caso, da vida em Moçambique, em África, no sul.....;
Para uma coisa dita ficaram mil implícitas para quem quiser ou souber captar....;
Há uma tentativa de agarrar em histórias-tipo, que para lá do valor ilustrativo,procuram conferir unidade e coerência à peça(terá sido totalmente conseguida para a generalidade dosespectadores? )

Outras coisas poderiam ser ditas, mas deixo isso para os críticos encartados. Em todo o caso apreciei, muito, o esforço não demagógico (num tema em que isso seria fácil), uma certa esperança, temperada por múltiplas perplexidades e alertas.

Finalmente um sentimento de doce inveja - pela experiência e pelo ilhéu que, certamente, daria por si só outro documentário (pela psicologia histórica presente, fantasia etnológica ..., riqueza ambiental ..., paradoxal isolamento...) sobre este mundo tão globalizado.

egk (lisboa)

Publicado por: EGKandemba às dezembro 22, 2005 06:11 PM

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