Releituras:
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Ainda que sonde as minúsculas tocas de onde os caranguejos espreitam, como faz o homem, à mulher movem-na menos enigmáticos propósitos. Não nos iludamos: ela procura o que comer e o que dar a comer aos seus, quem quer que sejam. Abre as suas pernas fortes, fincadas na areia da praia como os pilares de uma ponte que a sustente – coxas firmes, gémeos largos, pés seguros – e dobra o tronco para chegar ao chão. Para um lado e sobressai-lhe uma anca, para o outro e sobressai-lhe a anca oposta, numa extrema agilidade. Move-se pouco no espaço do areal, se tirarmos a sucessão lenta de poses desta sua solitária dança, menos um movimento que um conjunto de imóveis retratos. Presa que está ao trabalho de descobrir aquilo que a paisagem só aparentemente despida tem para oferecer, que requer particular argúcia. Evolui em círculos, esta mulher, e quando deixa cada lugar é porque o esgotou ou porque os minúsculos organismos encontraram um método eficaz de se dissimular, de deixar de existir aos olhos delas."
(
João Paulo Borges Coelho, “Ibo Azul”, Setentrião, Maputo, Ndjira, 2005, p. 193)