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(recebo, comovido, esta mensagem da Fátima Ribeiro)


EM MEMÓRIA DE FERNANDO PEDRO, UMA DAS VÍTIMAS DAS EXPLOSÕES DO PAIOL

 

Neste momento de luto e dor no nosso país, e em que tudo deve ser feito para apurarmos as responsabilidades do trágico acontecimento e tão inaceitável incúria continuada das explosões do paiol, venho com muita mágoa e profunda indignação recordar uma das muitas vítimas cuja memória tem de ser dignificada. É Fernando Pedro, que, regressado da República Democrática Alemã, onde trabalhou vários anos chefiando um dos grupos de jovens moçambicanos que ali se encontravam, foi funcionário e membro fundador da Associação Moçambicana da Língua Portuguesa (AMOLP) e escritor. Trabalhador dedicado, foram várias as profissões por que passou – entre outras, trabalhador portuário, motorista, secretário, assistente administrativo, e, finalmente, docente universitário. Num esforço contínuo para melhorar honestamente as suas condições de vida, frequentou como estudante-trabalhador o Instituto Superior Politécnico Universitário, onde concluiu há poucos meses atrás, com muito bons resultados, a sua licenciatura em Direito.Publicou os livros de crónicas e contos “Tantã, um tambor na Neve” e “Madgermanes na RDA - Vida Cotidiana”, ambos da Editora Ndjira, e ainda contos infantis. Fernando Pedro foi atingido por um dos projécteis em frente da sua residência em Mahlazine, de onde conseguiu retirar a tempo a sua família. O seu corpo ficou completamente despedaçado. Deixou mulher e três filhas, Marlene, Milena e Mirela, esta de apenas seis meses de idade.

 

Em sua memória e homenagem aqui transcrevo um dos seus contos:

 

O Voto de Nhanengue


De merenda na neneca, Nhanengue caminha no árduo solo da planície. Aquela tortuosa caminhada é-lhe familiar. Já curva, pesam naqueles ombros flácidos os anos de vivências com as obrigações do sistema africano. Não tivera oportunidade para a livre escolha das melhores coisas da vida: o marido fora-lhe imposto pelos familiares. Os filhos foram aparecendo, teimosamente, como gotas em torneira avariada e o número já não o conhece ao certo; espalhou-os pelo mundo onde se procura a vida e ela ficou esquecida pelas circunstâncias do tempo. Andando a uma velocidade rápida, ruma à aldeia Munhembete, onde a primeira oportunidade de escolher algo a espera. Na ponta da capulana, está enrolado em forma de cilindro o cartão do eleitor, que é nele onde a velha tem concentrada a sua mente de fumo .Em Magul, pelas fendas abertas no solo pelos tempos de seca, nasce agora um verde-vivo, gozando a paz dos homens.

 

A cacimba pinga cristalina no solo, abanada pelo vento matinal. A velhota recorda, agora, os seus tempos de juventude. Dos búfalos e das manadas enormes. Naquele tempo, os rapazes realizavam campeonatos de pancadaria. Os mais valentes tinham como troféu as moças mais belas da aldeia. "Éramos tão importantes!" Falava baixinho. A fila é longa junto à mesa eleitoral; Nhanengue vai perdendo forças, mas a esperança lhe faz aguentar. Está alegre e conta coisas dos tempos que já lá vão aos co-eleitores. Há festa em Munhembete!

 

Nhanengue arranja um canto e senta-se; tira um pedaço de mandioca da panelinha e começa a mastigar. Por causa da falta dos dentes, nota-se o trabalho que faz para comer; rumina lentamente, com o olhar fixo na lista dos candidatos colada num quadro próximo da mesa onde vai votar. É a sua vez. Levanta-se vagarosamente e caminha a passos lentos rumo à mesa. O jovem, com o distintivo das eleições, molha o seu dedo com tinta vermelha. A velhota caminha em direcção ao quadro onde estão patentes as caras e os símbolos dos partidos. Uma lágrima teimosa rola pelo seu rosto. Pára diante do quadro e pinta com o dedo a cara de um dos candidatos.- Não é aí vovó! - grita o presidente da mesa. Nhanegue vira-se, lentamente, e fixa o olhar lacrimejante no homem que falara, Subitamente, roda sobre os calcanhares e cai pesadamente no solo.Nhanengue morreu! Não teve a possibilidade de um dia escolher algo por vontade própria. (Junho de 1995)


(in “Tantã, um tambor na neve”, Editora Ndjira, 1998)

 

publicado às 17:24


4 comentários

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De Madalena a 23.03.2007 às 22:34

Queria deixar a expressão da minha tristeza pelo momento muito mau que a minha terra vive. Deixo-a aqui. Receba-a JPT. Ouvi horrorizada as emissões da TSF que iam dando conta da impotência dos recurosos e dos meios para minimizar os efeitos das explosões. Um abraço!
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De RAA a 23.03.2007 às 23:52

Não tenho palavras para o sem-sentido desse horror.
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De Zé Paulo Gouvêa Lemos a 25.03.2007 às 19:53

O sentimento, de quem acompanhou de longe essas explosões, é de uma implosão.
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De Papoila a 27.03.2007 às 22:45

Recebi consternada a notícia das explosões do paiol de Malhanzine. Tenho este blog onde dou notícias e tenho linkado o blog do Carlos Serra. Tenho um outro no Sol onde o linkei, espero que não se importe.
http://sol.sapo.pt/blogs/mssn/default.aspx
Tenho actualizado a informação dentro do possível.
Moçambique vive no meu coração.
Abraço

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