Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




A propósito das recentes entradas sobre os contactos de Ernesto Guevara (dito "Che") com a Frelimo Amélia Souto, que muito honra o ma-schamba com as suas visitas, enviou-me esta fotografia de uma reunião na Tanzânia do referido dirigente comunista com membros da direcção da Frelimo - onde se pode reconhecer Samora Machel.

Ainda a este propósito, e em directa ligação ao texto de João Cabrita abaixo reproduzido transcrevo uma mensagem que o Machado da Graça (once a blogger, always a blogger) me enviou.

"Estive agora a ler o texto do Cabrita sobre Mondlane e o Che. Ele põe as divergências entre os dois, como apresentadas pelo Helder Martins, como questões de lana caprina. Nomeadamente a questão do tipo de guerrilha a desenvolver. Ora eu creio que esta questão não era, de forma nenhuma, coisa sem importância. Era uma questão fundamental. O que não tira importância aos outros aspectos que o Cabrita levanta no seu artigo nem, de facto, os contradiz.

Mas qual era a divergência entre Mondlane e o Che? O Guevara aprendeu a fazer guerrilha em Cuba e, depois da vitória dos guerrilheiros, sistematizou a sua experiência num livro, que eu devo ter para aí em qualquer lado. Era a teoria do foco guerrilheiro. Segundo ele a guerrilha devia conseguir intalar-se numa parte da área a libertar e depois, a partir de lá, ir libertando o resto do território. No caso cubanbo o foco teria sido a Sierra Maestra. Depois disso ele procurou transferir esta teoria do foco para áreas muito maiores. Quando morreu, na Bolívia, a ideia era conquistar o poder naquele país e, a partir dele, exportar a revolução para os vários países vizinhos com quem a Bolívia tem fronteiras. Ora foi isso, também, o que veio propor em África. Aqui o foco seria no Congo e todos os movimentos de libertação deveriam apoiar os congoleses até conquistarem o poder naquele país e, depois, dele partiriam para a libertação dos vizinhos. Isso implicaria, se bem percebo, que a Frelimo deixasse de lutar em Moçambique e fosse reforçar o contingente no Congo. Só depois deste libertado se passaria para outros e, um dia, se chegaria a Moçambique.

E, ao que sei, foi a isto que Mondlane se opôs, defendendo que a luta da Frelimo era dentro de Moçambique, para libertar os moçambicanos, e não no Congo. Se houve tudo o mais que o Cabrita afirma, não sei, mas diria que uma coisa pode não contradizer a outra mas apenas complementarem-se.

[Entretanto] Muito se tem falado da ligação de Mondlane aos Estados Unidos, mas ainda não vi nada que me convencesse de que a ligação era institucional, com o governo americano, e não meramente afectiva com o país de origem da mulher e onde estudou. Mas um facto é que, no final da sua vida, ele declarou numa entrevista que a Frelimo estava cada vez mais socialista, um socialismo do tipo marxista-leninista. De qualquer forma, o artigo do Cabrita traz mais dados para a compreensão dessa época, o que é bom."

jpt

publicado às 09:11


12 comentários

Sem imagem de perfil

De Rui M. P. a 12.02.2010 às 10:41

Obrigado jpt.
Juntando tudo isto, as revelações de Machado da Graça e os dados de João Cabrita apercebemo-nos de como foi tão extemporânea a afirmação (que se queria lapidar, suponho) da co-blogger Ana Leão, uns posts lá atrás, a propósito da visita de Che à Frelimo: "Tanto quanto se soube, nada resultou desta visita". Pois.
Sem imagem de perfil

De AL a 12.02.2010 às 14:41

Tem razao RMP e dou a mao a palmatoria! Estava a referir-me no sentido mais lato da visita de Che a Africa que foi para o proprio Che uma desilusao. Estou a rebuscar a minha memoria, pois nao tenho o livro da viagem dele a Africa a mao, mas tanto quanto me lembro foi esta a sensacao com que fiquei quando na altura li o livro...
Sem imagem de perfil

De jpt a 12.02.2010 às 14:46

Guarda lá a mão que aqui ninguém te toca, só por cima dos nossos cadáveres (ou, pelo menos, do meu). Mas busca o livro e saca um bom post ...
Sem imagem de perfil

De Rui M.P. a 12.02.2010 às 17:23

É lindo apreciar a reacção "corporativa" (e tão cavalheiresca) do jpt. Não, ninguém bate em ninguém.
O objectivo era mesmo esse: espicaçar e aguardar a reacção num daqueles posts a que a AL já nos habituou.
Saudações amistosas a ambos.
Sem imagem de perfil

De João Cabrita a 12.02.2010 às 22:20

1. Se bem que a definição apresentada por Machado da Graça sobre o conceito de “foco” esteja correcta, no caso do Congo tinha um outro sentido. Tratava-se da ideia enunciada por Che Guevara sobre a “criação de dois, três muitos Vietnames”. Os Estados Unidos já estavam no Vietname, e a ideia dos cubanos era criar um conflito de idênticas proporções em África, a partir do Congo, e também expandir o já existente em vários países da América Latina. No raciocínio cubano, isto atrairia os Estados Unidos a novas zonas de conflito, o que acabaria por debilitá-los.

Um eventual envolvimento da Frelimo no esquema cubano não significaria necessariamente que todo o exército da guerrilha moçambicana tivesse de ser transferido da Tanzânia e do interior de Mocambique para o Congo. Imagine-se o tremendo problema logísitico que não se criaria se todos os efectivos militares existentes (Frelimo, MPLA, ZAPU, ANC, etc.) optassem por essa via. Sob o ponto de vista estratégico era de todo o interesse manter acesos os conflitos em Moçambique, Angola, Rodésia, Namíbia e África do Sul, dispersando-se assim as forças contrárias.


2. Machado da Graça diz não ter ainda visto nada que o convencesse de que a ligação de Mondlane aos Estados Unidos era “institucional, com o governo americano, e não meramente afectiva com o país de origem da mulher e onde estudou”.

No meu estudo, que citei no artigo publicado no Zambeze, servi-me de documentação oficial do Departamento de Estado norte-americano, e de outra obtida na Biblioteca John F. Kennedy e na Biblioteca do Congresso (totalizando cerca de 400 páginas). Nela estão estampados de forma inequívoca os profundos laços existentes entre Mondlane e a Administração Kennedy. As ligações mantiveram-se mesmo durante a presidência de Lyndon Johnson.

Poderia mencionar, entre outros, os despachos trocados entre a embaixada americana em Dar es Salam e o Departamento de Estado, um deles, com a data de 29 de Junho de 1962, a transmitir um recado de Mondlane para Wayne Fredericks, adjunto do subsecretário de Estado para os assuntos africanos: Mondlane “necessita desesperadamente de fundos para consolidar a independência da Frelimo em relação ao Gana e aos países do bloco comunista”, dado que ele, Mondlane, “já despendeu todas as poupanças pessoais”.

Um outro exemplo, foi o financiamento concedido pela Fundação Ford para construção do Instituto Mocambicano (IM) em Dar-es-Salam, destinado a reforçar a periclitante posição de Mondlane face às correntes antagónicas que ele havia derrotado na corrida à presidência da Frelimo. As diligências começaram por ser feitas por Mondlane junto do ministro da justiça (Robert Kennedy) e terminaram no gabinete do ministro da defesa, Robert McNamara, que antes de ter integrado a Administração Kennedy havia sido director executivo da Corporação Ford. Cito de uma nota de Robert Kennedy para Mennen Williams, assistente do Secretário de Estado norte-americano, datada de 11 de Abril de 1963: “...Mondlane needs about 50 grand to keep the lid on his people and also stay on top. That seems to me a small investment.” No fim, o “investimento” da Fundação Ford orçou em $96,000.

E quem foi trabalhar para administração do IM foram pessoas como a Sra. Betty King, funcionária do African-American Institute em Dar-es-Salam. Parte do corpo docente do IM foi rectrutado pelo Corpo da Paz. É do domínio público que o African-American Institute é uma instituição do governo americano (tal como o Peace Corps) e que entre outras coisas publica o «Africa Report», revista que se distinguiu pela forma como promoveu a imagem de Mondlane. O articulista cubano da «Prensa Latina» não escrevia à toa.

3. Não creio que o socialismo advogado por Mondlane correspondesse ao stalinismo do regime de Machel. Posteriormente à experiência stalinista da Frelimo, Janete Mondlane declarou que o marido “não teria concordado com as decisões tomadas após a independência, muitas das quais associadas à violação da ideia do direito à liberdade individual”.
Sem imagem de perfil

De jpt a 13.02.2010 às 00:15

JC se não se importar vou puxar isto para uma entrada, é por demais interessante para ficar nas catacumbas dos comentários, às quais nem todos descem
Sem imagem de perfil

De jpt a 13.02.2010 às 00:22

RMP nenhum corporativismo machambeiro. Mas sim extremo cavalheirismo amiguista (até, confesso, polvilhado de proteccionismo algo machista - ainda que a D. AL seja gente de me meter num canto, mas isso ...)
Sem imagem de perfil

De AL a 13.02.2010 às 00:38

Hmmm capaz ou nao de meter num canto, e' sempre com agrado que me vejo alvo de manifestacoes cavalheirescas. :)
Sem imagem de perfil

De ABM a 13.02.2010 às 04:36

Mais uma pérola maschambiana, ainda por cima com João Cabrita e Machado da Graça (cujas crónicas leio religiosamente no Correio da Manhã e de vez em quando no Savana estão são leitura obrigatória).

Conforme já referi, a tentativa de investida cubana em África e o papel da Frelimo foram novidade recente.

Mas as recentes constatações, bem como a recente leitura (culpa do Sr uB e Sr Fernando Gil...que agradeço) do que me pareceu ser uma espécie de ultimato do Rev. Uria Simango em Novembro de 1969 às hostes do movimento (http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/02/situa%C3%A7%C3%A3o-sombria-na-frelimo-por-uria-t-simango.html) e um texto de alguém não identificado mas assinado pelo Sr. Álvaro Guerra (http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/01/frelimo-mais-revela%C3%A7%C3%B5es-do-inferno-3.html) indicia-me duas constatações:

1. Uma rápida radicalização do movimento guerrilheiro entre 1968 e 1969 e que culminou com o assumir da liderança por Samora e a sua equipa;

2. Que me começa a parecer que a morte do Dr. Mondlane pode ter tido muito mais que ver com esse processo em si que com a capacidade da Pide portuguesa de o matar em Dar na precisa data em que a sua morte ocorreu. Do pouco (chíssimo) que li sobre a matéria, sempre estranhei que a primeira reacção da sua mulher, que foi mais de receio pelos filhos e por si (porquê?).

Mais: se o texto que li e que referencio acima de facto pertence ao Rev. Simango (não tenho maneira de o confirmar) ele indicia uma espécie de consipração, ou golpe interno, na Frelimo de 1969, com requintes que surpreendem. Foi assim?

Conheço mais ou menos a versão "heróica" do percurso da Frente de Libertação de Moçambique. Gostava de conhecer a versão real. Um dia.
Sem imagem de perfil

De Miguel A. a 13.02.2010 às 22:04

A histórioa é a contada pelos vendedores. Nunca se saberá ao certo o que se passou, nem em Moçambique, nem em Angola.

Uma coisa, no entanto, me parece certa: houve muitas 'cambalhotas' internas, não provocadas pelos 'donos' da altura.

Então deste lado do Atlêntico Sul, enfim...

comentar postal


Pág. 1/2



Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos