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A infalibilidade do Papa

por jpt, em 21.03.09

Aos críticos das declarações do Papa sobre sida e preservativos, nesta sua deslocação a África, Francisco José Viegas chama "flibusteiros" e alarves, Paulo Pinto Magalhães considerou ineptos, e Vasco Pulido Valente resolveu-os histéricos. São exemplos de conhecidos bloguistas, entre tantos outros, ecoando o impacto da questão em Portugal.

Haverá dois níveis da análise disto:

1. o rasteiro, à imagem da argumentação alheia. Vasco Pulido Valente resolve a questão, largando a típica superficialidade que tanto lhe aplaudem: "Muito pelo contrário, do ponto de vista dele [Papa], era ali, numa situação extrema e manifestamente ambígua, que devia reafirmar o que julga ser a verdade."

A inteligência da afirmação é totalmente similar a alguma que defenda as afirmações da Nobel da Paz Wangari Maathai que considera ser o sida uma criação europeia (aliás, branca) para destruir África. Ou que defenda o cardeal de Maputo quando este considera que a epidemia é espalhada propositadamente pelos países europeus, por via de medicamentos e preservativos. Pois se acreditam nestas verdades não têm eles o direito (até mesmo o dever) de a divulgar? - dir-se-á que são meros dislates, que não são comparáveis. Há provas científicas disso? Ou, tal como eu, crê-se que são dislates?

Ou serão eles criticáveis e o Papa acriticável? Ainda infalível ou como se tal, mero vestígio simbólico dessa velha crença dogmática?

Mas isso não é o fundamental sobre estas declarações generalizadas.

2. O que é notável é a forma de apropriação da questão (da sua "nacionalização"). De tudo o que li o mais elucidativo é este comentário de Suzana Toscano, que João Gonçalves reproduziu: "Tornámo-nos uma sociedade de grande sentido prático mas de reduzido sentido de valores.". Ora é exactamente aqui que está a questão: qual sociedade? Quais valores, quais sentidos? (por favor, agora a "aldeia global" de mcluhan não, há limites para o esparvorar).

Esta aparente evidência, e recorrentemente afirmada (já de si muito discutível, pois na prática é um mero avatar da invectiva à laicização, mesclado com a velha utopia da idade de ouro passada) demonstra exactamente de que falam e do como falam. Na prática não interessam os assuntos tratados. Estes são apenas matéria para discorrer sobre a tal sociedade (a própria, como é óbvio). E, nessa, proceder ao constante jogo topológico: se num outro blog, outro partido, outro jornal, outro grupo, alguém favorece ou contraria algum facto, então urge contrapor, vincar as posições mútuas, o inter-distanciamento, a inter-dependência. Ser.

O real, esse, interessa apenas para o jogo. Que não é mera retórica. É, afinal, o só real.

3. Finalmente. As declarações do Papa em África sobre o preservativo são marcadas por contextos comunicacionais (que começa - e isto para os do "anti-intelectualismo", que gostam de gozar com o que não lhes cabe na algibeira - pela simples opção da língua em que fala), neste caso estrondosos. E por um contextos interpretativos. Nesse sentido os seus efeitos (que são procurados, estrategizados, claro), as suas traduções, não são os de uma paróquia burguesa portuguesa.

Quem incompreende isso, quem não quer atentar nisso, esse sim é um inepto, um histérico verborreico. Um pirata.

publicado às 03:59


6 comentários

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[...] graves, contra o uso do preservativo. Compreende-se! Leia-se o que escreve a propósito JPT no Ma-Schamba. O que já é muito difícil de compreender é a ausência de relevo e notoriedade nos media [...]
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De abm a 21.03.2009 às 18:46

Meu Lord of the Maschamba: nós lemos o teu belogue com dedidcado desportivismo para saber o que pensas e como vamos digerir esta realidade crua que nos cai pela porta dentro. O Viegas, o Magalhães e o Polido Valente que esperem - ou que façam os seus belogues, que não leio. Assim, please diz-nos se achas que faz sentido um líder de uma religião com esta dimensão vir dizer o que ele disse sobre o uso do preservativo como ponto de arranque comunicacional do seu passeio em África? vai à Swázi e ao Botswana e olha à tua volta para tentar perceber o que é isto do Sida.
Uma nota de rodapé: a infalibilidade da pessoa do Sumo Pontífice não é crença, foi formal e solenemente proclamada em meados do século XIX no vaticano por um papa ligeiramente menos imaginativo e que obviamente já estava a ficar farto de aturar confusão. Nos termos deles, é de lei. Mesmo quando o papa está redondamente errado.
Quando eu era miúdo lá em casa o pai Melo usufruia mais ou menos do mesmo estatuto...
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De congeminações a 21.03.2009 às 19:54

Caro amigo do meu ponto de vista a afirmação do Papa foi muito infeliz nada medida em que cientificamente e é em quem domina era área que devemos acreditar o uso do preservativo também é uma forma de evitar o aumento do flagelo. Curiosamente ontem entre os vários angolanos católicos que aguardavam a chegada do Papa e quando instados sobre a sua afirmação pelo reporter da RTP foram peremptórios na resposta. Nós acreditamos que o uso do preservativo é uma forma de evitar o risco de contrair a SIDA. Mas olhe caro amigo em contrapartida gostei imenso do discurso do Papa em relação à necessidade dos responsáveis pela governação de Angola, combaterem a corrupção e as desigualdades, afirmação que deve ter embaraçado o Eduardo dos Santos. Um abraço
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De jpt a 22.03.2009 às 00:38

1. Cong. não li as declarações do Papa em Angola, apenas vi uma referência elogiosa no Abrupto [mais uma vez, e no seguimento deste post, fundamentalmente virado para "quem em Portugal" não fez o mesmo. Há um enorme e obtsuso fundamentalismo lusocêntrico no "postadores" portugueses que é inibidor do próprio país].
Mas ainda bem que o Papa fez a referência crítica, louvável. Acho que não terá embaraçado JESantos e seus sequazes, que me parecem ter carapaça para isso (e se não tivessem não teriam trabalhado para que o Papa lá fosse, pois teriam que esperar algo assim). Mas ainda que não tenha embaraçado as elites com toda a certeza animou o povo. E isso é importante.
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De jpt a 22.03.2009 às 00:44

2. ABM levantas uma questão blogoimportante: isto serve para botar o que vai na alma ou para dialogar com os outros maluquinhos do bloganço? Ao longo dos anos já me meti em algumas polémicas e fui falando de outros (de outros posts) mas confesso que estou contigo, o menos interessante é a porradita no bar alheio. E deixei-me disso, não tanto por opção mas mais por desinteresse (também leio cada vez menos blogs).
Mas "o que vai na alma" também é o que se lê, daí esta irritação gigantesca que para aqui deixei.

Quanto à "crença": a infabilidade foi um proclamado dogma, aceite por uma comunidade de crentes. Daí que me pareça adequada a utilização do termo "crença" para a definir. Não que a diga aceite hoje (pelo menos pelos locutores visados) mas acho que há um intervalar do espírito crítico quando se fala do Papa que é herdeiro daquela. É um superavit simbólico, se lhe quiseres chamar assim. [De "outro lado" - lá está a tal tipologia - qualquer Papa é um Savonarola demoníaco, o que também não ajuda a pensar].

Se faz sentido falar assim? Eu acho que sim, que lhe faz sentido. É isso mesmo o criticável, o sentido que lhe faz
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De O Papa e os Preservativos | ma-schamba a 20.11.2010 às 22:33

[...] visitou países africanos e muito mal falou sobre o Sida e os preservativos. Muito mal pois fez tábua rasa sobre os contextos interpretativos das suas palavras, ao sublinhar (mesmo que em contexto relativamente privado) a oposição da [...]

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