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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Aos críticos das declarações do Papa sobre sida e preservativos, nesta sua deslocação a África, Francisco José Viegas chama "flibusteiros" e alarves, Paulo Pinto Magalhães considerou ineptos, e Vasco Pulido Valente resolveu-os histéricos. São exemplos de conhecidos bloguistas, entre tantos outros, ecoando o impacto da questão em Portugal.
Haverá dois níveis da análise disto:
1. o rasteiro, à imagem da argumentação alheia. Vasco Pulido Valente resolve a questão, largando a típica superficialidade que tanto lhe aplaudem: "Muito pelo contrário, do ponto de vista dele [Papa], era ali, numa situação extrema e manifestamente ambígua, que devia reafirmar o que julga ser a verdade."
A inteligência da afirmação é totalmente similar a alguma que defenda as afirmações da Nobel da Paz Wangari Maathai que considera ser o sida uma criação europeia (aliás, branca) para destruir África. Ou que defenda o cardeal de Maputo quando este considera que a epidemia é espalhada propositadamente pelos países europeus, por via de medicamentos e preservativos. Pois se acreditam nestas verdades não têm eles o direito (até mesmo o dever) de a divulgar? - dir-se-á que são meros dislates, que não são comparáveis. Há provas científicas disso? Ou, tal como eu, crê-se que são dislates?
Ou serão eles criticáveis e o Papa acriticável? Ainda infalível ou como se tal, mero vestígio simbólico dessa velha crença dogmática?
Mas isso não é o fundamental sobre estas declarações generalizadas.2. O que é notável é a forma de apropriação da questão (da sua "nacionalização"). De tudo o que li o mais elucidativo é este comentário de Suzana Toscano, que João Gonçalves reproduziu: "Tornámo-nos uma sociedade de grande sentido prático mas de reduzido sentido de valores.". Ora é exactamente aqui que está a questão: qual sociedade? Quais valores, quais sentidos? (por favor, agora a "aldeia global" de mcluhan não, há limites para o esparvorar).
Esta aparente evidência, e recorrentemente afirmada (já de si muito discutível, pois na prática é um mero avatar da invectiva à laicização, mesclado com a velha utopia da idade de ouro passada) demonstra exactamente de que falam e do como falam. Na prática não interessam os assuntos tratados. Estes são apenas matéria para discorrer sobre a tal sociedade (a própria, como é óbvio). E, nessa, proceder ao constante jogo topológico: se num outro blog, outro partido, outro jornal, outro grupo, alguém favorece ou contraria algum facto, então urge contrapor, vincar as posições mútuas, o inter-distanciamento, a inter-dependência. Ser.
O real, esse, interessa apenas para o jogo. Que não é mera retórica. É, afinal, o só real.
3. Finalmente. As declarações do Papa em África sobre o preservativo são marcadas por contextos comunicacionais (que começa - e isto para os do "anti-intelectualismo", que gostam de gozar com o que não lhes cabe na algibeira - pela simples opção da língua em que fala), neste caso estrondosos. E por um contextos interpretativos. Nesse sentido os seus efeitos (que são procurados, estrategizados, claro), as suas traduções, não são os de uma paróquia burguesa portuguesa.
Quem incompreende isso, quem não quer atentar nisso, esse sim é um inepto, um histérico verborreico. Um pirata.