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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Jack London, O Vagabundo e Outras Histórias, Dinossauro Edições, 1995]
(texto mais para antropólogos e vizinhos)
A observação participante é o grande mito dos antropólogos, em tempos o método que consistiria na fusão do investigador com os pobres diabos que se estudava, ideia que veio a ser muito (auto)criticada, assim se originando páginas infindas para se comprovar a ideia, tão "bom senso" afinal, de que isso (o "eu" tornar-se um "outro") é coisa impossível. Para os leigos isto é coisa pouco interessante ou pouco referida, mas muitos dos mais velhos leram ou ouviram falar de Carlos Castaneda, e as suas aventuras com os cogumelos mágicos. Pois serve como símbolo. Assim sendo o desvario de ser o outro foi-se acabando, ainda que haja muito bom profissional que continue a encenar o seu exotismo (acontece nas melhores famílias) - se a deglutição de cogumelos alucinantes saiu de moda hoje são mais os dias do "curandeirismo" (o antropólogo como proto-curandeiro) como a década passada foi a do "The Chief and I" ("olha para nós na fotografia", eu mais o chefe tradicional, tão amigos que nós somos, e coisas assim) - tralhas que sempre me fazem lembrar aquela velha série televisiva em que o careca Yul Breyner era o rei do Sião e a preceptora inglesa, ali deslocada em intuitos civilizadores, lhe caía na cama (presumivelmente pujante, dadas as sabedorias orientais).
Estas coisas da "observação participante" vêm-me a propósito deste livrinho do Jack London que fui buscar à estante. É, enquanto London, muito fraquinho, um pobre conjunto de textos político-ideológicos, tudo muito engajado num socialismo democrático (como hoje se diria) de inícios de XX, firmemente ancorados na crença da via sindicalista para a reforma social. Mas ainda assim tem três textos muito interessantes: o auto-biográfico "O que a vida significa para mim"; um belíssimo exemplo de evolucionismo organicista, até com toques de eugenia social, muito de época (já agora, bom para aulas, caso algum colega passe por aqui) "O que o sistema de livre concorrência faz perder à comunidade".
Finalmente, um delicioso "Ao Sul da Fenda" publicado em 1909, um tratado sobre a observação participante. Está lá tudo - não há nada como um génio literário, mesmo em narrativa menor. Freddie Drummond é um professor de sociologia (!!, oops, e assim até tem mais piada) da universidade da Califórnia e lança-se em investigações na zona operária de São Francisco. Alguns livros irá publicar sobre a matéria assim analisando a matéria que Bill Totts (ele próprio, versão operária) lhe vai trazendo. Um dia, e claro que nisto haverá um cherchez la femme, Bill Totts mata (engole) o professor Drummond e segue triunfante, amada pelo braço, a via de líder sindical. Uaau.
jpt