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Craveirinha póstumo

por jpt, em 21.01.04

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(José Craveirinha, retratado por Sérgio Santimano)
 
Pompa e cerimónia, como aqui nunca tinha visto para lançamento de livro. A sede do "private" do banco patrocinador, lugar de gente bem, e naquele dia dela tão cheio. [E eu, gin na mão, a lembrar os diferentes - e mais vazios, e bem mais frugais - dias da apresentação do Babalaze das Hienas e do Contacto e Outras Crónicas, mas enfim, morto é morto, e assim mais fácil de homenagear]. Estou certo que o velho haveria de ter exercido a acidez, se por ali estivesse. Ele que ironizava de "urna" o Mercedes que o transportava - coisa de vice-presidente do Fundo Bibliográfico, assim feito "estrutura" honorífica - e até de "coveiro" o respectivo motorista, parece que adivinhava o adivinhável. Mas, vaidoso e cobrador de um reconhecimento que nunca lhe era excessivo, haveria de ter gostado da festa de hoje. E também do livro, até de capadura, ainda que depois fosse para casa protestar aquelas gralhas de prefácio.
 
Estou a falar do social. Que lá de dentro se calhar... pois poemas fechados na gaveta quarenta anos, e ele que até publicou poemas de prisão: Cela 1. Optou? Por os esconder? Se calhar não, pois estes textos não o acompanharam durante muito tempo. Mas isso são as eternas questões do baú. Publicam-se os restos ou não, a eterna dúvida post-mortem dos grandes? Há muita tralha que sai por causa disso, mas há sempre o Kafka e o Brod para legitimar rapar os fundos dos tachos alheios.
 
Muito do que surge neste livro tem interesse histórico. O que poderá não ser o melhor para poesias. Mas não lhe vem particular mal por isso. Ainda que o tempo seja impiedoso para algumas coisas, talvez mais próprias lá para os 70s: o poema "Pergunta a Ernest Hemingway" serve de exemplo.
 
Mas estou aqui para narrar o meu garimpo no livro, que pepitas me mostrou a peneira. Então lá vai: para aqueles que se tanto se incomodam com os requebros da língua, arranca-se aqui um "Já me desapetece a poesia".... E, já agora, para tantos racialistas de Maputo (até para os meus amigos que me fazem sentir uma espécie de negativo do Sidney Poitier): "Que nesta mulher que passa/também há um ventre de mãe/ e não é branco nem é negro/ o ovário na gestação" - mas esses hão-de protestar o velho, agora que morto, e por razões várias.
 
E, ainda, para todos, a verdadeira grandeza de homem, suficientemente corajoso para escrever "Era não! mas o tabaco é um vício/ E o vício / fumado nas omoplatas / põe-nos sobre a língua a nicotina  /e descerra os lábios / para o sim".
 
Caramba, assim bem mais homem do que todos esses que se dizem Homens.

publicado às 15:24



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