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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Os familiares de António Gouvêa Lemos criaram aqui (Facebook) um local memorial desse jornalista, referência do pensamento e escrita das décadas finais do regime colonial em Moçambique. Presumo que a responsabilidade desse sítio seja, pelo menos parcialmente, do seu filho também ele bloguista José Paulo Gouvêa Lemos. Confesso que preferia que essa memória surgisse em terreno aberto (entenda-se, blog) pois nem todos aderiram (aderimos) a essa febre facebookista. Talvez um "interface" blog-facebook fosse a mais adequada intervenção, se me permite(m) o conselho.
Mas independentemente disso (afinal minudências) não consigo resistir a transcrever o texto de António Gouvêa Lemos que acabou de ser deixado nessa página: "Patrioteirismo". Parece ter sido escrito hoje, certeiro o seu conteúdo, louvável (e tão fresca) a sua forma. Até espantosa se o pensarmos escrito no Lourenço Marques de 1957 ...
E assenta que nem uma luva, perdoem a apropriação, talvez abusiva e arrogante, a este jpt que aqui bloga.
PATRIOTEIRISMO
A consciência plena da nacionalidade que se tem, o orgulho inteligente de a ter, fundamentados ambos no verdadeiro conhecimento da História e na apreciação imparcial das realidades actuais; mais a preocupação sincera pelo futuro da Nação de que se é membro, com o desejo de colaborar na elevação do seu nível econômico, social e espiritual - tudo fundido na forma de uma personalidade vincada, que leva a guardar ciosamente o direito de ter opinião e participação no que é nacional e tudo realçado pelo amor à terra que é a nossa, a dos nossos antepassados e a dos nossos filhos e pela veneração das memórias daqueles que se ilustraram, de qualquer modo, ao serviço da Nação e ainda pelo respeito daqueles que abnegadamente a servem hoje - tudo isso se chama patriotismo.
É um sentimento antigo, cuja origem se perde nos séculos e tem raízes na própria natureza humana.
Não foi criada recentemente e não se manifesta por gritos, melindres histéricos, escrúpulos despropositados e receios de invasão por forças estrangeiras através de manifestações ligeiras e divertidas, de actividades inconsequentes e de factos, frases ou escritos sem qualquer significado especial.
Aí começa outro fenómeno e esse não tem nada a ver com o cérebro nem com o coração. Só terá a ver alguma coisa com o cérebro, em certos casos e isso mesmo, se considerarmos a esperteza uma qualidade intelectual. De resto, explica-se pela ignorância, pela estupidez ou pelo desequilibro nervoso. É o patrioteirismo.Encontra-se muito nos sujeitos que se arvoram - eles próprios - em pais da Pátria e que se sentem no dever de se ofenderem - por ele e pelos que julgam indiferentes - como tudo quanto se esforçam por considerar grave e não tem gravidade nenhuma. Indignam-se e pespegam lições de portuguesismo, sem cuidarem primeiro de saber se quem as recebe delas precisa ou as pode ministrar. Falam sempre na primeira pessoa. Porque eu, na minha qualidade de português, jamais consenti, não consinto nem hei-de consentir que, diante de mim, etc. e tal.
Há também os que se afligem, no seu portuguesismo de alfarrábio, porque se comparam em certos campos, realizações estrangeiras ou conquistas de outros povos, como o que nós fazemos, com o que nós temos. E não curam de explicar ou de justificar as diferenças, nem dão tempo a que o outro faça tal. Enfurecem-se patrioteiramente e, envergando a armadura, enfiando o elmo e de lança em riste, acometem o mouro, berrando sandices.
O patrioteiro - da família das sensitivas - dá-se muito bem em climas quentes.
(Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1705, em 27 de Dezembro de 1957, p. 1 e 5 na Col. Mesa Redonda.)