(por AL refugiada) - Da varanda do meu refúgio olho para as vidas que na rua se tecem. No rés-do-chão do prédio de esguelha, uma janela aberta, vestida de cortinas de linho com entremeios de renda. Bonitas. Ela, já idosa, vai desfiando as horas do dia a costurar roupa e cansaço no parapeito. Ao fim da tarde junta-se-lhe a amiga. Mais nova, chega a cabo-verdiana ajoujada de sacos e de um dia de trabalho. Pegam-se de conversa. Do lado de dentro relatam-se os dramas diários da rua. "Foi um AVC!", anuncia-se com espanto; "Só um filho e um neto e veja lá a desgraça”, comisera-se; “É uma vida madrasta”, apoia-se. Do lado de fora chegam notícias das Avenidas Novas, das patroas que se prolongam em extensões de cabelos e unhas e se seduzem em carros de luxo. Trocam-se as amigas nos quotidianos e juntam-se nos insultos às vizinhas. Mastronça!, vem gritado lá de dentro; Mastronça!, ecoa gritado do lado de fora, em invectiva apontada a uma janela que permanece fechada. É uma amizade improvável debruada a mexerico e rematada em harmonia racial. Despedem-se: Até amanha!, Até amanha!. E fico eu, sozinha na varanda do meu refúgio, agradeço a serenata dos canários do prédio mais adiante, viro as costas à Rua da Paz e volto ao turbilhão da minha alma.