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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
"No blog desnudas a alma" exagerou, criticamente, um amigo meu no jantar de ontem:
Como sabem os leitores aqui nunca falo de trabalho, mas segue-se excepção. E como sabem os meus amigos mais próximos, meus colegas e alunos, atravessei (?) um profundo mau-momento nos últimos meses. Não terá sido provocado por isso mas despoletou-se quando percebi que a esmagadora maioria dos alunos universitários com os quais trabalho não têm quaisquer ideias actualizadas sobre as características do universo. Tudo isto brotou numa aula (e nas imediatamente subsequentes) aquando de um impreparado exemplo sobre a "revolução coperniciana" - falava-se de Kuhn numa para mim nova disciplina introdutória de ciências sociais. Ali me deparei, em total espanto, com o facto de que os futuros colegas têm uma concepção geocêntrica do universo ou, em alguns casos, heliocêntrica.
Na altura esta apreensão causou-me uma dolorosa e perplexa consciência do hiato (abismo) ali existente entre nós. E da necessidade de reflectir sobre os conteúdos e formas da comunicação. Como ser docente quando o(s) discente(s) te(ê)m uma tão diversa apreensão do mundo? Para além dos problemas imediatos isto levanta também um doloroso questionar sobre a estrutura curricular do ensino secundário em Moçambique (o que se ensina e quando. E, porventura, também o como). Mas também da divulgação científica nos meios de comunicação. Não se exagerem as dificuldades, quem chega à Universidade tem acesso a televisão, ao omnipresente rádio e, também, a jornais. Lembro de imediato a televisão, pública e privada. Que estação tem divulgado programas sobre o universo?, dedicados a qualquer divulgação científica - certo é que terão que ser atractivos e divulgados, popularizados. E certo é que a estação mais vista pelo povo será a Miramar, cuja filiação evangelista não me parece compatível com versões não criacionistas deste nosso "vale de lágrimas".
Mas não é o meu papel discorrer sobre conteúdos programáticos do ensino de "ciências naturais" (como antes se dizia) no ensino secundário moçambicano nem tampouco sobre o painel de programas da TVM ou concorrentes privadas. Fico-me, angustiado, diante dos meus alunos. Sou um modesto antropólogo, entregue a alguns programas temáticos. E o "mundo" não faz parte deles. Mas sem esse "mundo" que entenderão sobre o mundo, como entenderão o mundo? E como apresentar(-lhes) este vasto "mundo"? Em rombas palavras de nada especialista do assunto? Em pobres fotocópias roubadas a velhos exemplares da editora "Gradiva"? Uma radical impotência.
Recebo agora (via fb) esta ligação ao Sítio do Telescópio Hubble (em inglês). É para os alguns alunos que aqui passam de quando em vez. Pode ser que desperte alguma inquietação sobre o que é "isto". O como é "isto". E dê para perceber que a gente não está no seu "centro". Com tudo o que daí vem. Ou (espera-se) poderá vir.
jpt