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O Universo e o Hubble

por jpt, em 21.08.10

"No blog desnudas a alma" exagerou, criticamente, um amigo meu no jantar de ontem:

Como sabem os leitores aqui nunca falo de trabalho, mas segue-se excepção. E como sabem os meus amigos mais próximos, meus colegas e alunos, atravessei (?) um profundo mau-momento nos últimos meses. Não terá sido provocado por isso mas despoletou-se quando percebi que a esmagadora maioria dos alunos universitários com os quais trabalho não têm quaisquer ideias actualizadas sobre as características do universo. Tudo isto brotou numa aula (e nas imediatamente subsequentes) aquando de um impreparado exemplo sobre a "revolução coperniciana" - falava-se de Kuhn numa para mim nova disciplina introdutória de ciências sociais. Ali me deparei, em total espanto, com o facto de que os futuros colegas têm uma concepção geocêntrica do universo ou, em alguns casos, heliocêntrica.

Na altura esta apreensão causou-me uma dolorosa e perplexa consciência do hiato (abismo) ali existente entre nós. E da necessidade de reflectir sobre os conteúdos e formas da comunicação. Como ser docente quando o(s) discente(s) te(ê)m uma tão diversa apreensão do mundo? Para além dos problemas imediatos isto levanta também um doloroso questionar sobre a estrutura curricular do ensino secundário em Moçambique (o que se ensina e quando. E, porventura, também o como). Mas também da divulgação científica nos meios de comunicação. Não se exagerem as dificuldades, quem chega à Universidade tem acesso a televisão, ao omnipresente rádio e, também, a jornais. Lembro de imediato a televisão, pública e privada. Que estação tem divulgado programas sobre o universo?, dedicados a qualquer divulgação científica - certo é que terão que ser atractivos e divulgados, popularizados. E certo é que a estação mais vista pelo povo será a Miramar, cuja filiação evangelista não me parece compatível com versões não criacionistas deste nosso "vale de lágrimas".

Mas não é o meu papel discorrer sobre conteúdos programáticos do ensino de "ciências naturais" (como antes se dizia) no ensino secundário moçambicano nem tampouco sobre o painel de programas da TVM ou concorrentes privadas. Fico-me, angustiado, diante dos meus alunos. Sou um modesto antropólogo, entregue a alguns programas temáticos. E o "mundo" não faz parte deles. Mas sem esse "mundo" que entenderão sobre o mundo, como entenderão o mundo? E como apresentar(-lhes) este vasto "mundo"? Em rombas palavras de nada especialista do assunto? Em pobres fotocópias roubadas a velhos exemplares da editora "Gradiva"? Uma radical impotência.

Recebo agora (via fb) esta ligação ao Sítio do Telescópio Hubble (em inglês). É para os alguns alunos que aqui passam de quando em vez. Pode ser que desperte alguma inquietação sobre o que é "isto". O como é "isto". E dê para perceber que a gente não está no seu "centro". Com tudo o que daí vem. Ou (espera-se) poderá vir.

jpt

publicado às 12:05


9 comentários

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De ARL a 21.08.2010 às 12:19

Boa Z. Que tal uma voltinha pelo Einstein?
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De VA a 22.08.2010 às 11:22

Será isso uma manifestação do "tal" relativismo cultural? (pergunto com uma pontita de cinismo)
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De jpt a 22.08.2010 às 12:43

ARL seria muito recomendável. Mas, e repito-me, eu não sou capacitado para acompanhar essa (e a mais global) introdução a tudo "isto"

VA sem ser retorcido não percebi bem a boca, parece-me
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De VA a 22.08.2010 às 19:30

Era boca...mas não directamente para ti...fez-me pensar nos relativistas culturais e na premissa da especificidade de cada sociedade...diferente concepção do universo, diferente apreensão do mundo...o post vai um pouco nesse sentido, para além das tuas dificultades pessoais. Então, a tua experiência fez-me mais uma vez pensar que a dificuldade está em concilar as concepções relativistas com as universalistas. Só isso...
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De ABM a 23.08.2010 às 00:33

Jpt (e Sra Baronesa)

Em tempos recentes escrevi uma nota sobre o livrinho "A short story of everything" que dá uma apresentação sucinta sobre este e outros temas relacionados sobre o universo (o que está dentro de nós e debaixo dos nossos pés e o tal a que te referes). Não conheço o currículo escolar do Moçambique actual nem a máquina que presta esse serviço de educar e preparar as criancinhas para o mundo que é e que vem, mas suspeito que deve ter lacunas de assombrar, de entre as quais a visão heliocêntrica do universo é um mal relativamente menor.

Mas que é confrangedor, nunca deixa de ser. Mais ainda a falta de curiosidade e de interesse geral por parte de muita gente. A influência de algumas religiões pode ser nefasta, pela tendência destas contarem a sua versão dos "factos".

Por exemplo, eu, que fui educado na religião católica nos tempos de LM, lembro-me claramente de era avançado como factual que fora Deus que afundou o Titanic em 1912.

Pois.
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De jpt a 23.08.2010 às 08:33

VA (agora baronesa?) é também isso, tens razão. Neste (nada) pequeno episódio do quotidiano se denotam os limites desse "relativismo".

ABM a questão, para além da estrutura curricular do ensino secundário moçambicano (que acredito deixar as ciencias de fora para quem vem para as "humanidades"), que colocas sobre a curiosidade é bem mais vasta. Há quem acredite que a curiosidade é inata (e a possibilidade de o ser é-o com toda a certeza), até como sinónimo dessa "inteligência". E há quem acredite que ela se pontapeia. Eu acredito que ela se pontapeia.
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De VA a 23.08.2010 às 12:19

Declino o título pois baronesa só há uma. :) ...engano do vosso/nosso ABM
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De jpt a 23.08.2010 às 12:34

Hum ... esse teu republicanismo (ainda que em ano de centenário) parece-me um pouco fundamentalista. Já em tempos te alvitrei essa ascensão à nobreza, deverias repensar. Nem que fosse para "aqueceres" os dedos de modo algo irresponsável - irresponsabilidade que é, como bem sabido, a característica da verdadeira (aka, velha) nobreza
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De VA a 23.08.2010 às 23:47

Lisonjeias-me, JPT…anuo quanto ao fascínio da irresponsabilidade, tão característica da velha nobreza, mas os ideais republicanos ainda me tolhem o teclado. Talvez, quando o que chamas fundamentalismo já não signifique realmente nada, esta fiel leitora possa ascender a tão nobre posição.

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