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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Abaixo levantei a questão sobre "que Maputo" surgia nas abordagens em cima do momento. Discordando da topologia que surgia, ancorada na velha dicotomia caniço-cimento. Porque obscurecendo as interligações na cidade. Porque aplanando a grande cidade. Porque na prática excluindo a cidade da sua dimensão urbana. E, também, porque inexplicando.
Acontece que desde ontem as comunicações via mensagens sms provenientes de telefones que utilizam crédito foram barradas, o que não aconteceu com os telefones que funcionam com contrato. Também os cartões de crédito telefónico desapareceram da venda ambulante. O objectivo é óbvio, impedir a disseminação de mensagens que convoquem mais manifestações e/ou disseminem mensagens alarmistas ou contestatárias.
Mas esta medida, pragmática, implica o reconhecimento de uma dicotomia sociológica: a burguesia funciona com várias modalidades de contratos enquanto o crédito pré-pago (Giro, na feliz terminologia da MCEL) é utilizado pela esmagadora maioria da população. E barrar as mensagens do povo [como chamar-lhe se não há indústria nem agro-indústria que lhe permita chamar proletariado? e se o "bom tom" da "classe média" impede o correspondente "classe baixa"?] implica o reconhecimento de uma fractura sociológica entre poder e sua base.
A importância do fenómeno "celular" na última década em Moçambique é extrema. Para quem se distraia sobre isso recomendo vivamente a leitura desta excepcional série a ele dedicado, que o sociólogo Elísio Macamo nos ofereceu [I, II, III, IV V VI, VII, VIII, IX, X]. Atendendo à importância sociológica e identitária deste tipo de comunicações e considerando o reconhecimento, até o seu sublinhar, da fractura político-sociológica que esta medida significa, parece-me que ela, por mais virtuosamente pragmática que tenha sido, implica a necessidade de um curativo posterior, um religar pontes entre Estado e população, algo que em muito ultrapassará o controle dos núcleos de manifestantes. E ainda, e isto para além daquilo que são os nossos auto-limites na abordagem à política moçambicana, ficará como um símbolo do hiato entre poder e sua base, bem para além da auto-imagem unitária e nacional do partido Frelimo.
Em suma, e sem qualquer ironia fácil, parece-me que à "oposição" Maputo-cimento/Maputo-caniço se sucedeu, inopinadamente, uma oposição Maputo-contrato/Maputo-crédito. Uma bem diversa topologia social, a exigir quem a pense. Ou, como o caso de Macamo, quem a continue a pensar. Mas sempre ela, tal como a anterior, com os défices das dicotomias. Défices que são males para quem as pensa. Mas ainda maiores para quem as produz.
jpt