De ABM a 13.10.2010 às 22:22
Jpt
Li com atenção a nota e o repositório do que na Casa é referido ao Alfredo Margarido (e cuja referência agradeço, às vezes as coisas estão debaixo do nosso nariz e nem por isso as vemos) só me penitencio por, para além daqui, nunca ter até hoje ouvido falar nele.
Primeiro, uma lamentação à sua família e amigos pela sua morte. Estes são sempre momentos delicados, de tristeza e de reflexão.
Do que li, parece-me que o seu contributo para certas discussões que são relevantes para os debates que aqui eclodem de vez em quanto, é significativo. E, creio, dava algum pano para mangas, pois AM refere-se a tópicos que hoje vegetam no DNA básico da portugalidade, da brasileiridade e da chamada lusofonia, remontando aos tempos em que as bases das mesmas ou foram constituídas ou mudadas. Para essas, por mim neste momento só me sinto capacitado para ir lendo e aprendendo.
Do que li, só me chamou particular atenção o tema - interessante - de quando é que os nossos irmãos brasileiros primeiro se sentiram brasileiros em vez de portugueses. A fascinante história do Brasil é um tema que me interessou e que por escolha estudei nos meus tempos de faculdade.
O Brasil tem a particularidade de o momento chave da afirmação e formalização da sua identidade e autonomia, praticamente coincidir com a) a quase bombástica afirmação das independências de praticamente toda a América Espanhola, em boa parte pela mãe de Simon Bolívar (que, para quem não sabe, tem uma estátua num dos passeios laterais da Avenida da Liberdade em Lisboa), b) a primeira afirmação internacionalmente relevante do eventualmente poderoso colosso norte-americano, na forma da Doutrina Monroe, c)os eventos na Europa e em Portugal, em que, em meia dúzia de anos, o Brasil passou de "colónia" a metade de um "reino unido" a sede da capital imperial, de que se destaca a transferência em massa da família real, a corte e parte muito significativa da sua "entourage", principalmente para a cidade do Rio de Janeiro entre 1807 e 1820, e d) a ascendência da Grã-Bretanha a potência militar e marítima global, em que era do seu interesse deslocar do eixo Rio-Lisboa o centro gravitacional das trocas financeiras e comerciais.
A combinação destes quatro factores, por si, só são poderosos incentivos para a criação dum interesse e dum pensamento autónomo que estão subjacentes à criação de uma especificidade, de um estado e de uma identidade "brasileira". Claro que há muito mais que isso, os elementos constituintes da realidade brasileira - o clima, quem lá vivia, o que lá havia, o que lá se fazia, pouco tinha de comum com Portugal.
Mas talvez interesse um pouco para aqui relevar que a independência do Brasil tem a dupla curiosidade de ter sido "proclamada" e liderada, ainda que relutantemente ao princípio, por nada menos que o príncipe herdeiro de Portugal - Pedro de Alcântara Bragança - e primariamente pela própria elite colonial e a "brasileira" colonial, que o rodeava e que mais ou menos controlava o imenso território. Creio que, na altura, à margem dos sentimentos e pensamentos da esmagadora maioria da população então residente, alguma da qual (a mais urbana, principalmente) aceitou e apoiou a tese e a realidade formal e até certo ponto cultural da identidade e autonomia brasileiras. Que lentamente se foram afirmando ao longo do século XIX, com alguns "tiques" ainda um pouco a dar para o colonial, mas já num contexto de independência. Na altura em Machado de Assis andou à estalada (amigavelmente) com o Eça (que era uma celebridade no Brasil, se calhar mais do que em Portugal na altura)já a elite era brasileira, sem aspas, penso.