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Morreu Alfredo Margarido

por jpt, em 13.10.10

Morreu hoje Alfredo_Margarido, homem com ligações profundas à intelectualidade moçambicana do período tardo-colonial e do advento da independência. Ao longo dos anos o grande intelectual português aqui algumas vezes foi referido. Não tantas, com toda a certeza, como o deveria ter sido. Ainda assim ficaram algumas breves citações de um pensador arguto, de uma consistência nada aprisionada no (i)mediatismo. E bem actual - acima deixo cópia de um livro que desvendou os anos 1990s (e não só) portugueses com particular e raríssima acutilância.

Fico com a memória pessoal da sua passagem em Maputo, em 1998 ou 1999. Veio para proferir a abertura do ano lectivo do então ISPU, se não me engano. Depois participou num curso de literatura organizado pelo Instituto Camões. Ambas as intervenções de uma densidade avassaladora, recordo. E logo depois encontrei-o na Beira, e com ele então pude privar. Aí se deslocara dois dias, razões particulares casando com uma enorme curiosidade. Foram dois dias de convívio quase constante, enquadrado pelo gentil e literato cônsul português de então, Pracana Martins. Alfredo Margarido à vontade, distendido, resultando em dois dias de reflexão constante, densa, vulcânica, sobre o mundo "pós-colonial", articulado por um pausado mas corrosivo sentido de humor. Absolutamente único. A sageza, se é que há personificação dessa palavra. Um privilégio, aquele encontro.

jpt

publicado às 17:00


5 comentários

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De RAA a 13.10.2010 às 17:48

Era um intelectual brilhante, com pouca visibilidade mediática. Pela sua maneira de ser?, não sei. Calculo que haja muitos dispersos a merecer volume.
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De jpt a 13.10.2010 às 17:50

RAA quer crer que não encontrei uma foto no google para colocar? Um homem de outro tempo, com toda a certeza. (eu poderia ter ido para os velhos albuns, daqueles dias haverá alguma fotografia, ainda tentarei isso)
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De Alberto Lyra a 13.10.2010 às 20:13

Grande germanista, grande ensaísta, grande tradutor.
Tenho, só de traduções dele, Nietzsche (Zaratustra),
Sartre (Existencialismo/Humanismo), Kafka (Diários).
Todos comprados aqui no Brasil. Grande português!

ab
aly
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De ABM a 13.10.2010 às 22:22

Jpt

Li com atenção a nota e o repositório do que na Casa é referido ao Alfredo Margarido (e cuja referência agradeço, às vezes as coisas estão debaixo do nosso nariz e nem por isso as vemos) só me penitencio por, para além daqui, nunca ter até hoje ouvido falar nele.

Primeiro, uma lamentação à sua família e amigos pela sua morte. Estes são sempre momentos delicados, de tristeza e de reflexão.

Do que li, parece-me que o seu contributo para certas discussões que são relevantes para os debates que aqui eclodem de vez em quanto, é significativo. E, creio, dava algum pano para mangas, pois AM refere-se a tópicos que hoje vegetam no DNA básico da portugalidade, da brasileiridade e da chamada lusofonia, remontando aos tempos em que as bases das mesmas ou foram constituídas ou mudadas. Para essas, por mim neste momento só me sinto capacitado para ir lendo e aprendendo.

Do que li, só me chamou particular atenção o tema - interessante - de quando é que os nossos irmãos brasileiros primeiro se sentiram brasileiros em vez de portugueses. A fascinante história do Brasil é um tema que me interessou e que por escolha estudei nos meus tempos de faculdade.

O Brasil tem a particularidade de o momento chave da afirmação e formalização da sua identidade e autonomia, praticamente coincidir com a) a quase bombástica afirmação das independências de praticamente toda a América Espanhola, em boa parte pela mãe de Simon Bolívar (que, para quem não sabe, tem uma estátua num dos passeios laterais da Avenida da Liberdade em Lisboa), b) a primeira afirmação internacionalmente relevante do eventualmente poderoso colosso norte-americano, na forma da Doutrina Monroe, c)os eventos na Europa e em Portugal, em que, em meia dúzia de anos, o Brasil passou de "colónia" a metade de um "reino unido" a sede da capital imperial, de que se destaca a transferência em massa da família real, a corte e parte muito significativa da sua "entourage", principalmente para a cidade do Rio de Janeiro entre 1807 e 1820, e d) a ascendência da Grã-Bretanha a potência militar e marítima global, em que era do seu interesse deslocar do eixo Rio-Lisboa o centro gravitacional das trocas financeiras e comerciais.

A combinação destes quatro factores, por si, só são poderosos incentivos para a criação dum interesse e dum pensamento autónomo que estão subjacentes à criação de uma especificidade, de um estado e de uma identidade "brasileira". Claro que há muito mais que isso, os elementos constituintes da realidade brasileira - o clima, quem lá vivia, o que lá havia, o que lá se fazia, pouco tinha de comum com Portugal.

Mas talvez interesse um pouco para aqui relevar que a independência do Brasil tem a dupla curiosidade de ter sido "proclamada" e liderada, ainda que relutantemente ao princípio, por nada menos que o príncipe herdeiro de Portugal - Pedro de Alcântara Bragança - e primariamente pela própria elite colonial e a "brasileira" colonial, que o rodeava e que mais ou menos controlava o imenso território. Creio que, na altura, à margem dos sentimentos e pensamentos da esmagadora maioria da população então residente, alguma da qual (a mais urbana, principalmente) aceitou e apoiou a tese e a realidade formal e até certo ponto cultural da identidade e autonomia brasileiras. Que lentamente se foram afirmando ao longo do século XIX, com alguns "tiques" ainda um pouco a dar para o colonial, mas já num contexto de independência. Na altura em Machado de Assis andou à estalada (amigavelmente) com o Eça (que era uma celebridade no Brasil, se calhar mais do que em Portugal na altura)já a elite era brasileira, sem aspas, penso.
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De Cristina Correia a 14.10.2010 às 22:06

Ao desfolhar o Jornal Público deparei-me com o desaparecimento de um dos grandes intelectuais portugueses da segunda metade do século XX. Poeta, ficiconista, ensaísta, tradutor, artista plástico, sociólogo, estudioso e divulgador das literaturas africanas de expressão portuguesa, ALFREDO MARGARIDO faleceu esta terça-fe......ira em Lisboa. Longe dos focos mediáticos, a sua morte não tem sido muito noticiada, no entanto, a sua morte significa uma grande perda para a cultura, ensino e investigação portuguesas. Com fortes ligações ao surrealismo introduziu o nouveau roman» em Portugal, traduziu obras marcantes à escala mundial, incluindo o Moby Dick de Melville. Investigador da École des Hautes Études, docente na Sorbonne, teve preponderante influência no meu percurso académico. Na minha consciência fica a pesada carga emocional de nos últimos anos não o ter contactado. Com nostalgia, guardo as cartas que me remetia de Paris com conteúdos programáticos para o curso de Sociologia da UAL. Fica a saudade dos finais de tarde à Sexta-feira. Não eram aulas, eram licões de vida... que muitos poucos souberam apreciar, valorizar e interiorizar. Deixo a minha sincera homenagem a quem já partiu mas que jamais esquecerei.«Lúcido, crítico e livre, e por isso mesmo polémico e indisciplinador de consciências».Cristina Correia

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