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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Cada vez que aqui torço o nariz à retórica (e à cosmovisão) de Lula da Silva lá recebo os emails (mais ou menos furibundos) de cidadãos brasileiros invectivando o meu anti-brasileirismo (típico raciocínio fascista, o da mistura do país com o líder), de bloguistas retirando-me a velhíssima ligação entre-blogs (típico raciocínio fascista, por mais libertária encenação literária que construam). Concedo, alguns mais simpáticos anunciam-me que estou mal informado sobre Lula. Sim, estou mal informado sobre Lula da Silva, sobre o Brasil. Como estou mal informado sobre a Birmânia, o Chade, Marrocos, a China, a França ou a Irlanda [porque será que não usamos artigo definido com Marrocos?] e tantos outros sítios, como Portugal ou Moçambique. Também não posso botar sobre tudo aquilo?
Vem isto a propósito da visita de Lula a Moçambique, e que o ABM abaixo aborda. Aqui Lula fez uma palestra na Universidade Pedagógica, reportada no jornal O País. Independentemente de outras considerações (as declarações nestes contextos são sempre relativamente circunstanciais) o presidente brasileiro apelou ao reforço das relações entre o Brasil e África, algo que tem sido atrasado pois "... "como nós temos a nossa cabeça colonizada durante séculos, aprendemos que somos inferiores e que qualquer um que enrola a língua é melhor que nós”, disse."
E lá está, o ínvio discurso identitário, do Brasil que se vê como colonizado, dos brasileiros como colonizados, nisso projectando o seu húmus, explicando a sua realidade. Sim, fica bem na fotografia, aquando se chega aos países ex-colónias, o sedimento de uma irmandade (o gilbertofreyrismo de Brasília, nisto diverso do de Lisboa, mais cplpiano). Mas a que realidade se refere? Sobre essa auto-mitificação brasileira, do povo colonizado e vitimizado, e para quem lê francês, há um (já velho) delicioso texto do antropólogo Christian Geffray aqui. Uma falsificação histórica, agitada para enfrentar aqueles que "enrolam a língua" e nisso apenas esconder as actuais relações de poder.
Há quem pense que ser "progressista" / "desenvolvimentista" (ou até "de esquerda") é perfilhar este obscurantismo. Por mim que venha para África o investimento brasileiro. E, como prometido, que venha também a transferência de conhecimentos. Fantástico. "Enrolarei a minha língua" de satisfação. E quando começarem a dançar os obrigatórios "forró do colonizado" e o "samba do feio gringo" irei para casa, apenas enfastiado. Pois se não tenho paciência para as lusofonices no meu país porque haverei de ter para as patrioteirices dos outros, tão ou mais ordinárias? Mais ordinárias, diga-se. Pois falta-lhes, há que ser sincero, o charme discreto do gringo.
jpt