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WikiLeaks: o sol e a peneira?

por jpt, em 10.12.10

Abaixo estão transcritas as mensagens da embaixada americana em Maputo agora tornadas públicas pela organização WikiLeaks. Não vale a pena tapar o sol com a peneira, a publicação do conteúdo destas mensagens, o facto de serem emitidas por quem são e o seu imediato (e futuro?) tratamento jornalístico produzem profunda mácula no poder moçambicano. E não vale a pena tentar tapar o sol com a peneira, a Wikileaks ganhou tamanha repercussão internacional que não referir essa publicação é absurdo. Também por isso deixei mais abaixo a ligação ao sítio que as alberga.

Mas neste âmbito entendo que há alguns pontos a realçar, até porque facilmente são esquecidos. O primeiro é o de que a notícia não são hipotéticos factos ilícitos produzidos por sectores da sociedade moçambicana. A notícia são as mensagens diplomáticas americanas sobre a situação moçambicana. E esta distinção não é um sofisma.

É certo que em Moçambique a vox populi há muito que refere a tendencial criminalização da economia, que resmunga diante da corrupção estatal, no que é acompanhada por instâncias da sociedade civil (como, por exemplo, o Centro de Integridade Pública) e, até, por alguns membros do poder, como por exemplo máximo o dirigente histórico da Frelimo, Jorge Rebelo. E aponta hipotéticos nomes e factos. As mensagens americanas agora publicadas ecoam parte disso. Mas elas não são "a verdade", "os factos", são mensagens transmitidas. São isso, apenas isso, ainda que devido à sua autoria signifiquem muito, influenciem muito. E são elas, apenas elas, a notícia.

Convém recordar esta distinção, até porque isso é esquecido: pelos jornais, pelos leitores, pelos bloguistas. Que abandonam a distância face aos discursos lidos, assumindo-os como factos. O que os diplomatas americanos dizem tornou-se "a verdade". Le Carré rejubila com a matéria-prima que brota. Greene sorri amarga e invejosamente, no purgatório, onde creio que nos observará.

Também por isso convém olhar para as caixas de ressonância e para os paladinos desta organização WikiLeaks. São em grande medida um lumpen-intelectualismo (mesmo se titulado, dada a proletarização da burguesia europeia) cujo húmus é um anti-americanismo ideológico, feroz e activo. É esse contexto de pensamento que surge agora a assumir as interpretações da diplomacia americana como se fossem letra de lei. Uma total contradição de termos. Estamos numa baixa rotação do pensamento, no ground zero da locução. Balbucia-se muita asneira. Impratica-se a reflexão. Entenda-se bem, no fundo de tudo isto, na sua base discursiva, habita uma refutação de tudo o que se assuma como instituição, um rasto típico do pensamento informulado.

A propósito destas mensagens relativas a Moçambique - e muito para além do que abaixo referi, de que nelas não encontro nenhuma novidade face ao que tenho ouvido publicamente sobre Moçambique nos últimos anos - há algo de fundamental a frisar. Não encontro nas mensagens tornadas públicas - nem tampouco numa outra respeitante a Portugal, e algumas outras sobre Zimbabwe ou Quenia -, nada que ofenda ou fira os princípios democráticos. Ou seja, não vejo em que é que este correio diplomático americano ofende as relações internacionais, o direito internacional, condição única para legitimarmos o seu roubo e publicação. Nem mesmo as vejo ofendendo uma relativamente abrangente ética interaccional. Neste contexto, e como abaixo disse, considero este roubo de comunicações internacionais um acto de pirataria. Indigno e anti-democrático.

Neste particular caso as mensagens ecoam factos prováveis sobre a realidade moçambicana? Porventura. É esse porventura, essa percepção do processo político local que me fez, em tempos, apesar da minha concepção de bloguista enquanto hóspede estrangeiro, referir irado um embaixador incompetente, incapaz pessoal e politicamente de se vincular a princípios democráticos, como seria de exigir a um representante português actual. E pude indignar-me com a actuação da presidência da Assembleia da República portuguesa, o qual indignificou a função para a qual foi, em má hora, eleito. Fosse por boçal incompetência fosse por interesseira articulação económica.

Não vale a pena taparmos o sol com a peneira, já o disse.  Ou seja, as mensagens foram publicadas, quem quiser vai ler, estão aí as ligações. Outra coisa, radicalmente diferente, é ser reprodutor dessa pirataria. Piratear os textos estatais americanos é, já o disse, atentar contra a democracia. Reproduzi-los é disso ser agente, mesmo que involuntário. Da negação democrática, conjuntamente com aqueles que em nome de uma pretensa transparência democrática intentam a opacidade do totalitarismo. Assim incompreendendo a democracia. Institucional. E, como é óbvio, diplomática.

Coisa que em muito ultrapassa as conjunturas do poder político moçambicano.

O ABM pensa de forma diferente e reproduziu as mensagens, face ao seu putativo interesse para os amantes e amadores de Moçambique. É o seu entendimento. Tal como ele diz no texto anterior "uns americanos dizem uma coisa, outros dizem outra". Exactamente como no ma-schamba.

jpt

publicado às 00:02


9 comentários

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De Catarina Campos a 10.12.2010 às 01:29

A eterna confusão entre o mensageiro e a mensagem? O Ma-schamba, tal como o Wikileaks são apenas - neste caso - um meio de difusão de conteúdos que foram entregues por alguém (e esse vai levar com a corte marcial à porta fechada, não tenhamos dúvidas) ou estão a ser cúmplices? Aparentemente se nem os USA conseguem processar o Wikileaks, há aqui um vazio legal.
Olha, deixo-te um link interessante para leres, um "parecer" legal:
http://www.lasisblog.com/2010/11/12/wikileaks-has-committed-no-crime/
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De AL a 10.12.2010 às 00:44

Hear, hear! Mas quanto a pirataria dos textos nao estou totalmente de acordo JPT. Como dizes, eles estao ai para serem lidos por quem os quiser ler. Mas nao me choca a sua reproducao - e' pratico e facilita a leitura a quem aqui vem, que os pode ler sem ter que sair do maschamba para outro site. Principalmente para quem tenha ligacoes mais lentas e/ou dificeis a internet. Um pouco como quando pomos aqui musicas do Youtube. Ou fotos extraidas da net, mesmo que ponhamos a origem dela. No fundo, se formos ver bem, estamos tambem a colaborar com a pirataria e a infringir os direito de autor, uma vez que a maioria dos videos do youtube foram la postos por terceiros (ou estou errada neste pressuposto? Nao e' pergunta falaciosa, e genuina; nao sei). E poderiamos tambem por somente o link que encaminha os leitores maschambianos para o respectivo site no youtube.
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De VA a 10.12.2010 às 00:28

E quem fala assim...é iluminado! e democrata.
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De jpt a 10.12.2010 às 07:20

AL, CC, para mim é uma questão de princípios. É o mesmo que receber uns convivas à mesa, recém-chegados à cidade, e como quem não quer a coisa informá-los que a "Yvette" é uma rapariga bem apessoada, dita asseada e com fama de competente, estabelecida em tal sítio. Ou, pelo contrário, receber os mesmos convivas para o jantar e ter a mesma "Yvette" à mesa, enquanto vou informando (logo por alturas do aperitivo) que o quarto de hóspedes está à disposição para os mais necessitados.

Espero que o rude exemplo explicite a diferença, que não é jurídica.
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De As “Zambézias” | Aventar a 10.12.2010 às 17:34

[...] que foi imerecidamente despojada da sua dignidade. Cá e lá. No entanto, resta-nos saber – como aqui se diz -, se as mensagens dos representantes norte-americanos correspondem exactamente à verdade dos [...]
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De AL a 11.12.2010 às 03:31

Ok, mas se a Yvette for uma caterer e fizer comida para fora, que mal ha em ires la buscar o jantar para servires na tua casa aos convidados que se sentam a tua mesa. E durante o jantar ires cantando loas a boa cozinha da Yvette? :)
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De jpt a 11.12.2010 às 10:46

Mas é exactamente disso que se trata. Achas correcto ir buscar a comida fora aquando se recebe? E ainda para mais impingir a cozinheira à mesa?
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De ARL a 11.12.2010 às 15:10

como é difícil a democracia :)
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De Adeus ma-schamba | ma-schamba a 13.12.2010 às 01:37

[...] Mas eu não tenho o tal ethos jornalístico e não é com ele que habito este blog. Aqui e aqui explicitei o meu desagrado com o “caso Wikileaks”, e suas articulações moçambicanas. [...]

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