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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Abaixo estão transcritas as mensagens da embaixada americana em Maputo agora tornadas públicas pela organização WikiLeaks. Não vale a pena tapar o sol com a peneira, a publicação do conteúdo destas mensagens, o facto de serem emitidas por quem são e o seu imediato (e futuro?) tratamento jornalístico produzem profunda mácula no poder moçambicano. E não vale a pena tentar tapar o sol com a peneira, a Wikileaks ganhou tamanha repercussão internacional que não referir essa publicação é absurdo. Também por isso deixei mais abaixo a ligação ao sítio que as alberga.
Mas neste âmbito entendo que há alguns pontos a realçar, até porque facilmente são esquecidos. O primeiro é o de que a notícia não são hipotéticos factos ilícitos produzidos por sectores da sociedade moçambicana. A notícia são as mensagens diplomáticas americanas sobre a situação moçambicana. E esta distinção não é um sofisma.
É certo que em Moçambique a vox populi há muito que refere a tendencial criminalização da economia, que resmunga diante da corrupção estatal, no que é acompanhada por instâncias da sociedade civil (como, por exemplo, o Centro de Integridade Pública) e, até, por alguns membros do poder, como por exemplo máximo o dirigente histórico da Frelimo, Jorge Rebelo. E aponta hipotéticos nomes e factos. As mensagens americanas agora publicadas ecoam parte disso. Mas elas não são "a verdade", "os factos", são mensagens transmitidas. São isso, apenas isso, ainda que devido à sua autoria signifiquem muito, influenciem muito. E são elas, apenas elas, a notícia.
Convém recordar esta distinção, até porque isso é esquecido: pelos jornais, pelos leitores, pelos bloguistas. Que abandonam a distância face aos discursos lidos, assumindo-os como factos. O que os diplomatas americanos dizem tornou-se "a verdade". Le Carré rejubila com a matéria-prima que brota. Greene sorri amarga e invejosamente, no purgatório, onde creio que nos observará.
Também por isso convém olhar para as caixas de ressonância e para os paladinos desta organização WikiLeaks. São em grande medida um lumpen-intelectualismo (mesmo se titulado, dada a proletarização da burguesia europeia) cujo húmus é um anti-americanismo ideológico, feroz e activo. É esse contexto de pensamento que surge agora a assumir as interpretações da diplomacia americana como se fossem letra de lei. Uma total contradição de termos. Estamos numa baixa rotação do pensamento, no ground zero da locução. Balbucia-se muita asneira. Impratica-se a reflexão. Entenda-se bem, no fundo de tudo isto, na sua base discursiva, habita uma refutação de tudo o que se assuma como instituição, um rasto típico do pensamento informulado.
A propósito destas mensagens relativas a Moçambique - e muito para além do que abaixo referi, de que nelas não encontro nenhuma novidade face ao que tenho ouvido publicamente sobre Moçambique nos últimos anos - há algo de fundamental a frisar. Não encontro nas mensagens tornadas públicas - nem tampouco numa outra respeitante a Portugal, e algumas outras sobre Zimbabwe ou Quenia -, nada que ofenda ou fira os princípios democráticos. Ou seja, não vejo em que é que este correio diplomático americano ofende as relações internacionais, o direito internacional, condição única para legitimarmos o seu roubo e publicação. Nem mesmo as vejo ofendendo uma relativamente abrangente ética interaccional. Neste contexto, e como abaixo disse, considero este roubo de comunicações internacionais um acto de pirataria. Indigno e anti-democrático.
Neste particular caso as mensagens ecoam factos prováveis sobre a realidade moçambicana? Porventura. É esse porventura, essa percepção do processo político local que me fez, em tempos, apesar da minha concepção de bloguista enquanto hóspede estrangeiro, referir irado um embaixador incompetente, incapaz pessoal e politicamente de se vincular a princípios democráticos, como seria de exigir a um representante português actual. E pude indignar-me com a actuação da presidência da Assembleia da República portuguesa, o qual indignificou a função para a qual foi, em má hora, eleito. Fosse por boçal incompetência fosse por interesseira articulação económica.
Não vale a pena taparmos o sol com a peneira, já o disse. Ou seja, as mensagens foram publicadas, quem quiser vai ler, estão aí as ligações. Outra coisa, radicalmente diferente, é ser reprodutor dessa pirataria. Piratear os textos estatais americanos é, já o disse, atentar contra a democracia. Reproduzi-los é disso ser agente, mesmo que involuntário. Da negação democrática, conjuntamente com aqueles que em nome de uma pretensa transparência democrática intentam a opacidade do totalitarismo. Assim incompreendendo a democracia. Institucional. E, como é óbvio, diplomática.
Coisa que em muito ultrapassa as conjunturas do poder político moçambicano.
O ABM pensa de forma diferente e reproduziu as mensagens, face ao seu putativo interesse para os amantes e amadores de Moçambique. É o seu entendimento. Tal como ele diz no texto anterior "uns americanos dizem uma coisa, outros dizem outra". Exactamente como no ma-schamba.
jpt