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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Teclado amigo envia-me esta informação, que partilho: "As dinâmicas africanas num mundo multipolar" é o título-mote desta 5ª conferência europeia de estudos africanos. É organizada pelo Centro de Estudos Africanos de Lisboa, e decorrerá entre 26 e 28 de Junho de 2013. Falta, portanto, muito tempo. Mas está aberto o "apelo a propostas de painéis" até 19 de Outubro de 2012. E o "apelo a artigos" decorre entre 19 de Novembro de 2012 e 18 de Janeiro de 2013. Quem tiver interesse em organizar painéis ou participar, como orador, pode procurar informações (na língua inglesa, claro) na página do evento: ECAS: "call for panels". E também poderá encontrar algumas informações no ECAS no facebook. E aqui se identificam os organizadores do evento.
Está, pois, na hora de painelizar.jptA revista "Nada", dedicada a "tecnocultura, pensamento, arte e ciência". Nela encontro uma interessante entrevista ao sociólogo Hermínio Martins, mais do que recomendável leitura (a entrevista, o que se apanhar dele-próprio). Está aqui. Deixo uma citação, para aguçar o apetite:
"Posso escolher tudo. Mas isso não resolve o problema fundamental que é que os nossos filhos não nos escolheram. A minha previsão é que as relações entre pais e filhos vão ser muito más nas próximas décadas, porque numa sociedade em que tudo é contratual, tudo é escolha livre e tudo é temporário, reversível, a microrelação misteriosamente irreversível, não escolhida dá-se com os nossos pais e irmãos..."
Hermínio Martins está sempre bem para além do "patois" do Rossio. E mete o dedo neste "contratualismo" da época.
jpt
[Edward Said, Power, Politics, and Culture, Bloomsbury, 2001 (organização e introdução de Gauri Viswanathan)]
Ontem aqui referi uma boa excepção aos habituais "tiques cardinalícios" (a expressão é "redonda" mas é uma boa canelada) de académicos, os quais, não sendo universais (valha-nos Deus Nosso Senhor) continuam, de geração em geração, a ser parte importante do "ethos" corporativo (da "cultura" organizacional, diz-se noutro tipo de linguagem). O interessante é que são sistematicamente explicados pelas personalidades, o teor psicológico, dos putativos cardeais (ou bispos ou curas). Assim violando aquela ideia, já velha, até Mandamento, de explicar as práticas sociais por causas sociológicas.
Então, e mesmo devido ao escrito de ontem levantei-me do sofá, suei até à estante, e trouxe isto:"The idea of the anti-dynastic intellectual is very important to me. To tell you the honest truth, that's a specially important point to me, because ever since I was a student, I was aware of the whole question of discipleship, which is fascinating because being a student of somebody and then being a teacher of somebody - that kind of relationship - is replicated not only in our lives at the university but even before that when we're students. I have always had a very complicated feeling about this, because I don't like to be thought of as somebody else's person, in the first instance. And, in the second instance, I don't want anybody to be my person. In other words I stake a great deal on the question of doing something for oneself. It's a form of independence, I suppose, which (a) I cherish, and (b) I don't think the kinds of works I write ... I don't think they derive from formulas or concepts that can be handed on. They really derive from personal experience, and that's something terribly important to me." (186)
Ditos que epistemologicamente (termo exo-blogal) serão problemáticos, mesmo nas nossas ciências sociais, mas assim pelo seu valor facial vou aceitar. Sei que há muitos (patrícios meus) para quem Said é uma espécie de califa infiel, moiro bárbaro. Mas também há muitos outros que vivem agitando a sua simpatia (e até crença) pelo mundo saidiano. E que depois são "gente com gente" e/ou "gente de gente". Carregando a mala do "professor" ou mesmo a sua machila. E exigindo carregadores. É muito engraçado, vê-los pressurosos à esquerda, democrática ou radical. Mas "portas adentro" a exigirem fidelidade conceptual, temática e conclusiva. A exigirem boas notas e classificações para os "seus". E financiamentos.
É a estes que se pode chamar, na profissão, "a esquerda que ri". A gente, às vezes, no tempo do cacimbo, vê-os por cá ... no caminho de também mestres. Ou já mesmo ...
E, como deveria ser evidente, nada disto tem a ver com as características psicológicas de cada um. Pura sociologia, puras estratégias de poder, de apropriação e redistribuição pessoalizada (nada burocrático-racional) de recursos.
Chamem-lhe manias ... Nada disso. É mesmo igreja.jptLeitor amigo envia-me este cartaz do colóquio a realizar na próxima semana na mui bela Évora (a cidade mais bonita de Portugal, pelo menos das que conheço). Tenho muita pena de não ir lá, ainda por cima estando aqui tão perto, um pouco a sul. Pelo encanto da cidade anfitriã. Pelo que se come naquela terra. E porque o título do colóquio me cheira a "esturro" (aliás, lusofonices e hibridezes, o tralálá do costume), bom para dar caneladas, para a verve corrosiva e sarcástica dos após-repastos. Mas talvez o conteúdo drible o nome, assim podemos sonhar.
jpt"O Futuro da Revisão Paritária. Um interessante texto de Richard Price no blog do sítio Academia, dedicado à partilha das pesquisas. Uma boa reflexão e propostas interessantes. O texto arranca bem:
"Many academics are excited about the future of instant distribution of research. Right now the time lag between finishing a paper, and the relevant worldwide research community seeing it, is between 6 months and 2 years. This is because during that time, the paper is being peer reviewed, and peer review takes an incredibly long time. 2 years is roughly how long it used to send a letter abroad 300 years ago."
jptJá agora, e dado que imediatamente abaixo aflorei o universo das ciências sociais em Portugal, ainda que por razões que lhes são relativamente excêntricas, lembro-me de aqui pedir a ajuda dos leitores deste blog (ou dos "amigos dos leitores"). Leio que Portugal tem a segunda taxa de fecundidade mais baixa do mundo, apenas maior do que a da Bósnia-Herzegovina (outras fontes colhidas no Google apontam-na como ainda maior do que a de Malta). Acontece que isto é uma notícia sussurrada ciclicamente desde os anos 90. Dos políticos encartados nunca ouvi nem li nada realmente consistente sobre o assunto (para além do "tomem lá mais meia dúzia de euros mensais no abono de família"). Por isso gostaria de pedir ajuda:
Sendo esta uma questão fundamental na reprodução social do país, e das suas modalidades institucionais e valorativas, donde de uma "dignidade" e de uma "existência colectiva" agora postas em causa pela malevolência orçamental do governo neoliberal no qual não está Mariano Gago, e como estou interessado no futuro do meu país (apesar do meu estatuto "diaspórico"), será que os amigos leitores me podem enviar ligações ou indicações sobre os múltiplos estudos e as múltiplas intervenções públicas (na tv, nos jornais, etc.) sobre esta questão, produzidas pelos especialistas nesta questão da reprodução das sociedades? Sim, falo dos cientistas sociais. Portugueses. Com toda a certeza que muito haverá para ler mas a distância afasta-me do conhecimento.
jpt
Via e-mail chega-me um manifesto de um escol de cientistas sociais apelando à greve geral em Portugal. Alguns dos meus professores lá estão. Até colegas. Gente capaz. Perita na palavra, sopesando-a. Claro que a minha pergunta, ainda a meio do texto, é simples "onde estavas no 25 de Abril?". Ou seja, no eixo ISCTE-Coimbra que ali surge dominante, onde estavam no guterro-socratismo? Falo não só das posições de cidadania, das considerações sobre o modelo de desenvolvimento português, da "aliança de classe" [era assim que se falava quando estudei] face à estatização societal. Mas também na repartição dos recursos societais pelas nichos da corporação [Desde o trânsito entre a academia, o poder político e o poder económico até ao supra-financiamento institucional bem delimitado até ao mais corriqueiro "com o PS ao menos tenho emprego", sic, e neste último caso, dos mais desprotegidos, não me venham dizer que invento algo tantas vezes ouvido - apesar de há quinze anos fora do país. Falo, atente-se, apenas de signatários]. E não me venham arengar do "desinteresse", de um sobrevoar sociológico, a fecundar estas posições políticas. Para gente que tem este trabalho de cientista social a utilização desse argumento só cobre de ridículo.
No entanto um torcer de nariz, violento no meu caso, ao passado corporativo não deve impedir uma consideração sobre a justeza e clarividência do que ali é argumentado. Dito e escrito por gente, repito, perita na palavra (e na reflexão que a produz).
Escolho, portanto, uma palavra que ali está: "Europa". O seu conteúdo. E o que demarca. E o que vincula. E daí partindo me parece que daqui a uns largos anos o documento (arquivem-no, para futura consulta) será incluído em objectos de estudos, "estudos culturais", "sociologia da administração pública", por exemplo. A analisar pelos descendentes destes signatários. Que não serão, geneologias à parte, simpáticos para com estes seus antepassados.
jpt
Há alguns meses um amigo meu, intelectual extraordinário, um príncipe da academia, dizia-me que tinha os seus textos disponibilizados nesta rede. Coisa para gente ligada à "academia", docentes, investigadores, mundo fluído. Trata-se Academia.edu. Fui até lá, criei o meu perfil. Não há muitos colegas, nem portugueses nem (e muito menos) moçambicanos.
Aqui em Moçambique muito nos queixamos da falta de locais para editar, da fraca capacidade editorial e ausência de revistas académicas. É uma realidade que em parte serve para desculpar a parca escrita (falo por mim, mas sei que não estarei sozinho). Mas também acaba por ser uma falta de incentivo. Uma rede como a Academia.edu não é uma alternativa, é um complemento. Servirá para alojarmos os artigos ou os esboços (isso que o arrivismo pateta e ignorante de tantos lusófonos chama de "papers" e "drafts"). Para dar a conhecer as colegas e conhecer o trabalho deles, tudo discutir. O que é produto final académico (artigos [os tais "papers"] e livros [os nunca "books"] e o que o acompanha (projectos de investigação, outras actividades ligadas)`, bem como aquilo que muitos de nós produzimos, os textos mais "cinzentos" ligados à indústria do desenvolvimento (as "consultorias") tendencialmente destinados ao rápido esquecimento.
Não se substituindo às tradicionais formas de publicação (livros colectivos, revistas, com recursos a "juris de pares"), fundamentais até à actualidade para a hierarquização interna e reprodução das corporações [processos de reprodução social que a próxima geração tratará de forma diferente], esta partilha em rede é um caminho prometedor.
Eu estou aqui. E gostava que os colegas, aqueles que gravitam na mesma área de interesses, independemente do cartão de sócio, de geração ou outras particularidades, aparecessem. Para ver o que vêm fazendo.
jpt
Abaixo a AL agitou este filme e eu não resisto a metê-lo. É muito interessante. Não tanto para o discutir, por um lado porque seria anacrónico. Mas por outro porque é muito bem-vindo, apesar da sobrevoar, como se não importasse, a questão crucial, sobre a produção de conhecimentos de tipo diferente. Pois é muito bem-vindo como violenta canelada naqueles dos cientistas sociais - e não só economistas - que se ascendem a curandeiros.
jpt[de Will Eisner]
Durante a manhã recebo três e-mails (amigos) com o mesmo conteúdo: "Carta às Esquerdas" de Boaventura Sousa Santos, publicada hoje mesmo na revista Visão. Sorrio, até nostálgico, há muitos anos que não me enviavam de modo tão lesto os textos de opinião de BSS. Leio. O conteúdo deste "que fazer?", nove singelas teses, não será particularmente impressionante mas o texto é importante. Pela importância e influência intelectual, académica e política, do autor, que tanto eco tem. Como tal um texto destes permitirá também separar as águas, apartar as ideias de muito que por aí anda.
Para BSS a "esquerda" teve e tem múltiplas configurações históricas, as "esquerdas". Mas nelas há âmago, a "esquerda" define-se por uma característica que lhe é monopólio, que a distingue de todo o resto do eixo intelectual político, "A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto". É essa concepção de "dignidade humana" que a separa de todo o resto, a(s) ali indita(s) "direita(s)", desprovido desse valor.
É certo que na sua multiplicidade histórica houve momentos em que "Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda". Lendo em português conclui-se que para BSS não foram cometidas atrocidades contra a não-esquerda. Ou então que as foram mas nem se justifica referi-las no texto decerto porque historicamente insignificantes, desprovidas de relevância, justificadas por si-mesmas. Até porque o "mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas" (graças às "esquerdas", ainda que com as tais intra-atrocidades, pois, repito, as inter-atrocidades não são para aqui chamadas). Com esta prosa encontro - até porque me lembro de alguns, e não poucos, factos históricos - em BSS uma noção de libertação até teleológica que surge óbvia justificação para as tais hipotéticas atrocidades não-referenciadas.
Inenarrável, intelectual e eticamente, botar uma coisa destas em 2011. Mas para alguns é o BSS, há que fazer vénia ... e daí a corrente de emails a reproduzir isto.
Mas apesar deste meu calafrio, intelectual e ... ético, parece-me necessário utilizar o texto (até pelo momento em que é publicado) para apartarmos discursos. BSS é liminar. Só a esquerda conhece e defende a dignidade humana. E esta só é defendida contra o capitalismo. Entenda-se, só há "esquerda" e só há "dignidade humana", só há "igualdade humana" num não-capitalismo, e só neste se pode "travar a barbárie que se avizinha". Todos os que não são anti-capitalistas são, mesmo que por omissão, de "direita(s)" e pela "barbárie". Desconhecedores da "dignidade humana".
Parece-me importante salientar isto. As ideias do autor são legítimas, cada um pensa como quer. Mas que dizer desse continuado encanto, apoio, interacção, por BSS? De tantos que nada ou muito pouco são anti-capitalistas, uma amálgama intelectual social-democrática (dita "socialista" em Portugal), mais ou menos libertária, mas nada mesmo acapitalista? Na corporação académica, ciosa e reprodutora, mas acima de tudo nos poderes políticos (e governamentais), e institucionais, também eles muito reprodutores. Que plasticidade é esta? Ou se é ou se não é. Pela tal dignidade humana, pelo tal pós-capitalismo. Sem meias-tintas. Ou sem hipocrisias a la carte até corporativas. Esta porosidade fede. Entre a "esquerda" de BSS e toda a(s) "direita(s)" que o cortejam.
Quanto ao resto, o que propõem as "nove teses", o tal inomeado pós-capitalismo? Não tem nome, défice conceptual até surpreendente (será?) num intelectual conhecido por ser um produtor (criador) de conceitos - a retórica para o povo exige "cuidados e caldos de galinha", claro, senão espanta o público. Mas tem conteúdo: a "4ª tese" de BSS "a experiência do mundo mostra que imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente" - e aqui acredito que todos nós, antropólogos filhos de Malinowski e Mauss, anuímos; ecologia, igualitarismo, e claro que simpatizamos (convém apagar a palavra "equidade" destas coisas, mas se despontar por qualquer lapso é sempre dita só sinónimo de "igualdade" não é verdade? ...). E depois, a nona e culminante "tese": "Melh0r Estado, sempre; menos Estado, nunca.". Afinal? Valerá a pena falar das contradições dos termos? Olhar para a 4ª tese e chamar a atenção? Não vale a pena. Porque esta é mesma a "Tese". O que resta. Décadas corridas, plurais esquerdas, fica isto para culminar ... Pobre panfleto. Eticamente inaceitável. E incoerente.
Não me mandem mais e-mails com estas tralhas, por favor. Chamem-lhe mestre, mas não me fodam.
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Também em versão portuguesa, para me aliviar do incómodo face ao pimbismo nacionaleiro ...
[Fernando Namora, Auto-Retrato]
"Essa, aliás, uma das diferenças entre nacionalismo e sentimento nacional. Aquele, manipula os instintos, deforma, isola; este, em vez de conferir um valor exclusivo às particularidades em que se robustece, toma consciência de si próprio ao mesmo tempo que respeita a pessoa alheia e os seus respectivos valores, com eles estabelecendo uma congraçadora convivência"
[Fernando Namora, Discurso das Comemorações do 10 de Junho de 1978, em Camões e a Identidade Nacional, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 46]
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Em Portugal e não só tempos de crise. Já longos, e continuarão a prolongar-se. Pelo que vou lendo são tempos de nacionalismos a chegar. E nisso um pimba-cliquismo, um "pimbismo" galopante. Ou galopante? Repito um excerto de uma mais longa citação aqui colocada, que me parece muito a propósito:
“Moreover, although endlessly brooding on power, victory, defeat, revenge, the nationalist is often somewhat uninterested in what happens in the real world. What he wants is to feel that is own unit is getting the better of some other unit, and he can more easily do this by scoring off an adversary than by examining the facts to see whether they support him. All nationalist controversy is at the debating-society level.” (p. 22)
“By nationalism I mean first of all the habit of assuming that human beings can be classified like insects and that whole blocks of millions or tens of millions of people can be confidently labelled “good” or “bad”. But secondly – and this is much more important – I mean the habit of identifying oneself with a single nation or other unit, placing it beyond good and evil and recognizing no other duty than of advancing its interests. Nationalism is not to be confused with patriotism.…”.
“By “patriotism” I mean devotion to a particular place and a particular way of life, which one believes to be the best in the world but has no wish to force upon other people. Patriotism is of its nature defensive, both military and culturally. Nationalism, on the other hand, is inseparable from the desire of power.” (pp. 8-9)
[Georges Orwell, Notes on nationalism, In Defence of English Cooking, Penguin Books, 2005)
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Parece escrito para hoje.
"Nunca fui muito sensível ao mundo de conotações que o termo de "pátria" envolve. E todavia é invencível reaprendê-lo, nesta hora de "temor e tremor", para usarmos uma expressão de Kierkegaard, ainda que o reaprendamos no silêncio e humildade dos corações. É nos grandes valores, disse alguém, que melhor pode abrigar-se a hipocrisia; é nos grandes valores, direi eu, que melhor pode abrigar-se o ridículo. E um Eça de Queirós, esse ferino detector do ridículo mais subtil, pôde denunciar, a propósito do patriotismo, os que ele classificou com esse espantoso vocábulo de "patriotarrecas".
(...)
Mas "expurgado de toda a conotação épica e ancestral - escrevi um dia - o conceito que (à Pátria) corresponde não vejo que possa ser outro senão o de uma comunidade ou da integração de um povo naquilo que o constitui e sobretudo o projecta. Ela é assim menos o que é e muito menos o que foi - do que aquilo que a define na responsabilidade do que há-de ser." De qualquer modo, é inexorável reaprender o sentido da continuidade, da permanência, do alto valor quase impensável como o respirar que é a nossa individualidade como um todo, na terra que é o nosso lugar no mundo, na cultura que é nosso modo de ser em elevação, na língua que é o nosso modo de pensar e de ao mundo, ou à distância dele, tornarmos transparente. Será assim incompreensível que se lute, e com justiça, contra a opressão, a exploração, o "paternalismo", e pareça às vezes aceitar-se essa sorte para o País."
[Vergílio Ferreira, Discurso nas comemorações do 10 de Junho de 1977, em Camões e a Identidade Nacional, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pp. 14-15]
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Ontem à tarde a RTP, televisão estatal portuguesa [com inadmissíveis custos para a sociedade, exigindo a sua privatização ou, pelo menos, sanguinária sangria] passou em directo o casamento do príncipe do Mónaco com um (belíssima) vizinha nossa.
Os estatistas, aparentes iluministas mas fervorosos crentes na omnisciência e omnipotência do Estado, protestam com estas coisas, que não é "serviço público" - pedagógico, desalienador. Os liberais, mergulhados em infantes no caldeirão da poção individualista, aproveitam e gritam "vendam", que isto não é serviço público.
Mas é. Produção de valores sociais. Embrulho algo kitsch, certo. Mas casem-se, tenham filhos, façam famílias, entreajudem-se, criem redes afectivas, económicas. Com os parentes e com os amigos, parentes espirituais, e com os vizinhos, aliados, (que vêm comer, beber, sentir, ao casamento e convidarão, reciprocamente, para fazer lembrar dos laços). E nisso tudo talvez, até, possam ser felizes. Pelo menos às vezes, durante algum tempo.
Isto é o serviço público. Parabéns à RTP.
[Os antropólogos ocidentais, e também portugueses, para além dos outros cientistas sociais, são muito agrestes com estas coisas da vida cor-de-rosa. E muito defensores do estatismo. É engraçado ver como aquando passam do Equador se aprestam a ganhar dinheiro (consultorias ou investigação) em vias de defesa e "empoderamento" da sociedade civil, das suas constituintes, e como tal das instituições de parentesco (e conjugalidade). Em casa, com o ordenado estatal garantido, pura e simplesmente não pensam. A não ser na produção de valores "alternativos" (homoparentalidade, monoparentalidade, homoconjugalidade, por exemplos-mores), amansados no usufruto das parcas benesses (e tão em risco estão elas). Reaccionários, conservadores, algo derivado da sua posição de classe, burocrata. Nada mais.]
Casemo-nos. Com o brilho possível. Como principes e princesas. A cada um os seus quinze minutos principescos ...
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Grande parte das pesquisas que tenho feito assenta em diálogos e entrevistas com gentes diferentes, para recolher a informação que busco. Úteis de uma forma geral, tomam por vezes rumos inesperados. Uma pergunta mal entendida pode dar-nos informações preciosas sobre a entrevistadora (eu, neste caso), sobre a entrevista em si, mas também sobre o assunto em debate e acrescenta frequentemente dimensões inesperadas à informação que se procura. Lembro-me que foi devido a um mal entendido que numa entrevista em grupo as pessoas me explicaram como iam dormir para o mato durante a guerra, pois era geralmente de noite que as tropas faziam incursões nas aldeias. A partir daqui divergiu a entrevista para aspectos sobre percepções de espaço que me proporcionaram uma dimensão inesperada ao objectivo que lá me levara.
Mas às vezes, mesmo sem perguntas, a informação flui e corre num sentido que não tem qualquer interesse, nem pessoal, nem em termos do objecto de estudo e da informação pretendida. E são estes entrevistados os mais difíceis de orientar ou conter.
Vem isto tudo a propósito do Recenseamento e de uma amiga minha entrevistadora que se tem deparado com situações inesperadas. Pergunta sobre o aquecimento da casa e lá vem o arrazoado de queixas contra o senhorio, a falta de dinheiro para reforçar janelas; pergunta-se sobre o agregado familiar e lá vêm as queixas do marido que não participa e do filho que não faz nada; pergunta-se sobre o tamanho da casa e lá vêm as queixas sobre a vizinha do lado ou dos de cima que fizeram obras e agora a casa está a abrir rachas, quer ver? Mas embaraçoso mesmo, diz ela, é quando à pala do censo lhe gastam horas e horas de verborreia a maldizer o vizinho do lado e o marido e as amigas do marido e as tareias que o de cima dá na mulher e as bebedeiras que a do rés-do-chão apanha e... e... e...E tu?, perguntei-lhe eu, que fazes? Olha, o que querias que fizesse? Tento interromper mas raramente me dão chance, tenho que ir aguentando para ir preenchendo o inquérito e o tempo todo na minha cabeça só grito: há informações que prefiro não saber! (ler isto aos gritos e em maiúsculas)
Agora que parecem abundar as críticas, justas ou não, ao inquérito do census lembro aqui neste texto quase inútil esta minha amiga e todos os outros que, como ela, mais que entrevistadores e facilitadores do processo parecem ser terapeutas. Um efeito secundário e terapêutico do recenseamento e do qual não se tem falado.
AL