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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Realce total para a notícia de que a Itália se apresta em devolver o obelisco de Axum à Etiópia. A questão da devolução de itens cruciais do património cultural é vasta, e de nada serve abordá-la a correr (a meio de uma manhã de trabalho então nem pensar). Mas a pausa do café dá para saudar este caso particular. E lembrar que este não é nada um caso particularmente africano, como o demonstram as reclamações gregas junto ao Reino Unido. Como o lembrou, deliciosamente, V. Graça Moura na carta dirigida ao Ministro (dos Negócios Estrangeiros?) francês no ano passado, a reboque da questão iraquiana, então exigindo a devolução do produto das pilhagens napoleónicas.
Sem dogmatismo esta é questão em que cada caso é um caso. Lembro o impacto que teve na África do Sul, também no ano passado (?), a devolução dos restos mortais da mulher Khoi-San levada para a Europa nos inícios do século XIX como curiosidade científica e circense.
Finalmente, regressar a esta notícia, citando-lhe um aspecto que abala algumas certezas incertas com que vamos olhando para estas questões: "Até aqui os governos italianos tinham recusado todos os pedidos de devolução, garantindo que a Etiópia não estava em condições de assegurar a sua preservação. Mais de 60 anos depois, a realidade vem provar o contrário: o obelisco que ficou em Roma foi atingido por um raio e está muito danificado pela poluição, os dois monólitos que ficaram em Axum encontram-se em perfeito estado de conservação." refere o Público.
Enfim, caso a seguir com interesse. Até pelas implicações de precedente que poderá vir a ter.
A "polemicazita" sobre a descolonização deslocou-se para o mundo blog. No colectivo Mar Salgado gerou uma polémica interna, em reacção a um texto ali colocado por V. Lobo Xavier, no qual se defende liminarmente o colonialismo português.Acredito que o teor desse texto esteja vinculado a dois factores: a um reflexo da polémica partidária que lhe é anterior; a um profundo desconhecimento do seu autor sobre o assunto que aborda. E, talvez, a um desejo de cutucar aqui e ali. O texto vale o que vale, as respostas que recebeu em casa própria servem para o ultrapassar. E, provavelmente, VLX terá curiosidade em se informar um pouco melhor sobre a matéria, agora que escreveu sobre ela, agora que se cumprem trinta anos sobre os processos de independência das colónias portuguesas.
Não é portanto sobre esse texto que venho escrever. Mas sim sobre um outro do mesmo Mar Salgado, de FNV. Uma posição crítica à do seu parceiro, lúcida. Mas onde ainda se retira "O Regime pode ter feito uma colonização menos brutal...", um traço recorrente na leitura do colonialismo português, e quase sempre conjugada com algum luso-tropicalismo, ainda que básico (não neste caso). Ideia baseada em alguns lugares comuns, frágil, preconceituosa.
A leitura da história e a realização da historiografia são actos políticos. Por isso não me pode surpreender que as perspectivas políticas surjam tão arreigadas quando se fala de Portugal em África. Mas o império acabou há já trinta anos, e não há apenas trinta anos. Para quê continuar a falar do colonialismo entricheirados em aparentes campos político-partidários?
O regime colonial era de uma brutalidade terrível. Não apenas pela violência política mas fundamentalmente pela sobrevivência quase até ao seu final de mecanismos violentos de exploração do trabalho local . Sobrevivência que não está ligada a qualquer "maldade" nacional (o que é isso de "maldade"?) mas à própria estrutura económica portuguesa, incapaz de desenvolver mais rapidamente outras formas de incentivos à produtividade. Está isso narrado, contado, analisado (ainda que não em demasia). Basta ler, olhos abertos e despido de alguns preconceitos serôdios, anacrónicos.
Olhar para isso, saber isso, nada deveria ter a ver com as perspectivas políticas que se defendem para a sociedade de hoje. Saber o passado apenas. Saber mais sobre um Portugal ainda recente. E despirmo-nos dessa ganga de ignorância que de retemperadora nada tem.
Pois senão o coro de discursos sobre o regime colonial e sobre o seu evidente corolário, a descolonização, possibilitarão o reavivar de uma velha ideia tantas vezes apregoada: a de que a esquerda é mais "intelectual", "sábia" do que a direita. Ideia tão preconceituosa, irreal e anacrónica como as acima lamentadas.
Finalmente, e um pouco marginal a isto. Surpreende-me que um partido do governo, que o seu chefe parlamentar, usem a descolonização e a crítica radical aos regimes subsequentes como arma de política interna. Penso que foi Telmo Correia que disse quase isto "O dr. Mário Soares provocou e teve resposta apropriada". Isto é de uma ligeireza absoluta. Porque pode prejudicar as relações entre Estados - e portanto são atitudes desprovidas de Razão de Estado. Porque pode prejudicar os interesses portugueses e as comunidades aqui imigrantes. Se fossem discursos integrados numa opção governamental de ruptura ou esfriamento com estes regimes não seriam ligeiros e seriam até legítimos (ainda que passíveis de discussão). Mas não é esse o caso. Assim são atitudes de dirigentes políticos tornados apenas ruído nas relações. E portanto ligeiras. E ligeireza em política é incompetência.
Questiúnculas em Lisboa sobre a descolonização [meros reflexos de outras coisas, parece-me].
Mas mantenho-me fiel ao lema, que há poucos apontamentos me obriguei a relembrar: não me irritar. Ainda assim surpreende-me que se possa discutir a (des)colonização sem se discutir a colonização - parece-me um erro de lógica.
Mas com tanto lugar-comum apregoado é nítido que falam de si próprios e não tanto das realidades que invocam. Para falar delas bem que podiam ler [nota pessoal: ao escrever isto ando décadas para trás, estou igualzinho ao meu pai]. E, já agora, mergulhar no Companhia de Moçambique, coisa tão séria, e nada utilizável para pressas tonitruantes. Depois sim, podiam vir botar os discursos que quisessem, talvez mais informadosMas apesar do lema, não resisto a botar opinião sobre a descolonização:
e porque não tê-la feito uns dez ou quinze anos antes?
e, afinal, quem é que fez a descolonização? Não, não, não estou a perguntar se foi o sr. dr. a ou o sr. dr. b. É mais tipo se foi por aí ou por aqui que se fez.
[desabafo: que raio de país é o meu, entalado entre ultramontanos bolorentos e patrimonialistas fundamentalistas]