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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[David Rowe, "Wikileaks and Uncle Sam]
Já devo ter deixado no blog ecos do meu desagrado com estes certames do World Press Cartoon (e também com o World Press Photo), que depois vêm exp0r a Maputo. Pois para ganhar, ou para ser exposto, há que ser do "lado certo". Não tenho paciência para essas manipulações das consciências, semi-marxistas e muito protestantes ("o humor é de esquerda" dirão os imbecis). Para mais aquilo da World Press Photo mais parece os Prémios Gandula da Fotografia, há vácuos radicais a serem premiados. Mas não é por isso que escrevo isto, a atenção vem mais pelo prémio World Press Cartoon 2011, agora concedido a este "Wikileaks and Uncle Sam".
Uma homenagem à tralha do ano passado. Que até provocou a cisão do ma-schamba e sua interrupção (como lembra hoje mesmo um blog que eu desconhecia - e cujo excerto que leio mostra bem ao que anda, o deturpar das vozes alheias). Mas isto da Wikileaks lembra-me também um acontecimento jornalístico delicioso, já este ano: um exemplar do semanário "Savana" (um jornal que é um interessante documento ideológico para analisar) publicava nas duas páginas centrais uma entrevista com o académico Boaventura Sousa Santos (concedida ao português "i") por razões que me escaparam (...). E logo na página seguinte publicava um longo artigo de um cubano-mexicano defendendo Assange, o wikilikeiro, considerando-o vítima de duas agentes sexuais a soldo dos anti-castristas, os cubanos de Miami. Um texto longo e fantástico, defendendo a pureza wikilikeira e vituperando claro Miami, Florida, os contras e, parece-me, Fulgêncio Baptista. Na semana seguinte a organização (empresa?) "wikileaks" publicava os textos da diplomacia americana dedicados a Cuba - onde o regime cubano era descrito como um coito de parasitas corrompidos. O jornal Savana nada referiu.
Foi em Maputo, 2011. Daqui a uns tempos lá virá a muito protestante World Press Cartoon 2011. E a esquerda censora local juntar-se-á, no vinho branco e chamussa (ou chamuça?). A ver se me convidam, sou louco por chamuças (ou chamussas).
jpt
Burburinho em Maputo, publicados hoje os primeiros telegramas da embaixada americana em Maputo. A Wikileaks sobre Moçambique começou a verter, já resultando em artigo no francês Le Monde. Honestamente faz lembrar O Nosso Agente em Maputo. Se é aquilo que os americanos sabem ... bem que me podiam pagar a mim e à rapaziada dos cafés da cidade que coisas mais sumarentas viriam à luz. Quanto ao resto, dei uma passagem pelas notícias de hoje da wikileaks (foi a primeira vez que abri). Secção Africana, os males de África vistos e conhecidos pela América (e a malevolência chinesa, pois "The Chinese are coming").
Não me vou debruçar muito sobre o assunto. Há imensa gente a escrever e a mentir sobre a questão, como se fosse sobre a liberdade de informação, etc. e tal. Para mais a história do wikileader dá para mau filme. O homem, australiano, é um pirata - como tal deve ser preso. Os serviços do estado (neste caso americano) não são um bem pirateável. E têm direito e dever à parcimónia informativa [se um palhaço australiano divulgar na internet o meu currículo fiscal eu não gosto, se publicar os aerogramas americanos eu gosto? Isto não tem ponta por onde se lhe pegue]. O que se trata aqui é de um dupla questão: a) voyeurismo informativo; b) demissão de cidadania.
A reclamação da liberdade de informação é uma falsidade gigantesca. Querem saber se há corrupção em Moçambique? Investiguem. Investiguem no terreno. Querem saber se há males no mundo? Investiguem. Não pilhem os serviços diplomáticos americanos - não estamos, frise-se, a referir Watergate. Nem a intervenções pré-Helsínquia (a China no Tibete, a Rússia na Hungria ou na Checoslováquia, os EUA norieguizando a torto e a direito). São serviços diplomáticos. São fundamentais, são constitucionais. Devem ser denunciados quando violam leis, regras e princípios. Devem ser protegidos quando cumprem o seu funcionamento democrático. Tudo o resto é voyeurismo.
E é também uma demissão de cidadania. O que aqui (um aqui global) se trata é o do que os americanos dizem e sabem nas suas vias diplomáticas. É isso que é usado, como substrato para reflectir ou denunciar em alguns casos, para burburinhar na maioria das vezes. É um yankee-dependentismo, para pensar, para protestar, para posicionar. Para ser. Ninguém exige as informações diplomáticas chinesas. Ou portuguesas. Ou alemãs. Ou brasileiras. Ou as marroquinas (já agora uma potência colonial vizinha de Portugal, fortemente apoiada pelos governos de Sócrates, aliada da China, nada disso verdadeiramente interessante, pelos vistos). Querem as americanas (pobres, ainda por cima) - por um lado gritam, perdigotam, os EUA como "o polícia do mundo"; por outro lado tratam-no, apelam-no, como "o polícia do mundo". Após este fluxo de revelações o que se sedimentará será a culpabilização do "americano" que tanto mal conhece e nada faz. É óbvio. (Mas se os EUA intervierem de imediato se estabelece a crítica, estrutural, da legitimidade do seu âmbito internacional).
É o terrível processo da pauperização intelectual.
Ah, voltemos ao princípio, os telegramas sobre Moçambique ... são interessantes? Eu mandei um aerograma a 11.12.2007 sobre a matéria. Nessa altura há anos que todos os cafés ouviam e diziam o que agora se agita. Por isso mesmo o poder socialista português suportado pelos serviços diplomáticos residentes fez aquele papel. Por isso mesmo. O papel que o poder socrático e o arrastado avatar neo-comunista deseja e quer. Para bem próprio. Para bem da sua barriga.
jpt
Samussone MACAMO
Nascido em 1945, em Chibuto. Migrou jovem para a então Lourenço Marques onde foi empregado doméstico e cozinheiro entre 1959 e 1970, período durante o qual foi colega do futuramente célebre Chissano. Em 1973 procura o já então renomado escultor que o acolhe durante 30 dias no seu atelier, iniciando-o na arte escultórica, sendo aí que obteve o saber brotar a imagem da madeira. Logo se profissionalizou como artista, realizando a sua primeira exposição individual em 1974 na “Casa Amarela” (hoje Museu da Moeda) e instalando-se como artista residente no Núcleo de Arte até 1979, data a partir da qual constituiu o seu próprio atelier. Desde então participou em múltiplas exposições colectivas nacionais e no estrangeiro (Portugal, Áustria, Itália, Espanha), bem como algumas individuais.
Na sua obra reconhece-se não só o estilo mas também a herança do imaginário do seu mestre. Trabalhando madeira, em particular o sândalo mas também umbila ou chanfuta, Macamo reclama a sua arte como uma escultura narrativa versando sobre o quotidiano, fiel a uma arte interventiva que filiada à urgência de uma elaboração pictórica do abismo humano, defrontada à pobreza que assola o seu povo.
Morada: Bairro Mavalane, Quarteirão 7, nº 20
Telefone: [acessível a quem o pedir por e-mail para aqui]
DITO
Nasceu em 1960 em Maputo. Jovem ainda iniciou-se no atelier do seu tio Idasse. Após isso ombreou com os vizinhos Luís Sengo e Tinga, companheirismo dos bairros de Infulene e T3, uma partilha de aprendizagens e vivências locais que muito viria a marcar a sua obra futura. Com o objectivo de se formar em pintura parte para a Alemanha (Schwerin, então RDA) em 1985, onde trabalhou numa fábrica de processamento de cabedal durante dois anos e depois frequentou um curso médio de pintura. Desse período salienta a formação recebida e o contacto com a tradição artística europeia, em particular a influência recebida dos impressionistas e dos expressionistas. Regressou a Moçambique em 1989 tendo sido professor até 2000, quando se profissionalizou como pintor. Desde então tem pintado em tinta-da-china, acrílico e aguarelas mas actualmente centra-se no óleo em tela. Artista particularmente activo tem organizado e participado em várias exposições colectivas em Maputo, e ainda participado em colectivas no estrangeiro (Botswana, África do Sul, Itália, Espanha, Portugal).
A sua obra ocorre num universo demarcado. Dito percorre e recria o mundo feminino dos subúrbios, utilizando o seu registo figurativo como forma de realçar a beleza dessas mulheres, o engenho das suas estratégias de vida, do seu embelezamento, os momentos de lazer, da conversa constante, o espaço público que elas marcam e festejam. É assumido o seu propósito de narrar um mundo de felicidade, de anunciar uma África de bem-viver, e é com esse objectivo que molda tal mundo com uma alargada paleta de cores ditas “quentes”. Essas que alguns anunciam como típicas de uma atmosfera africana mas que o artista reclama como balsâmicas e, como tal, inevitáveis ao seu mundo.
Endereço electrónico: ditotembe3[@]gmail.com
Sítio electrónico: www.interseccoes.net
FAIZAL
Nasceu em Maputo em 1975. Concluiu os seus estudos na Escola de Artes Visuais em 2004. De seguida fez formação em pedagogia infantil através da arte, percurso que integrou vários estágios em escolas dos distritos de Gaza. Nestes procurou a reconversão de materiais e saberes locais em recursos pedagógicos, com a construção de parques infantis apropriados. Esta experiência marcou decididamente a sua expressão plástica, tanto quanto à matéria-prima que utiliza como quanto aos valores que expressa, imprimindo-lhe uma atenção em produtos naturais e uma convivência com os valores comunitários e ancestrais.
A sua abordagem surgiu provocatória no meio artístico nacional. Desde cedo, até antes da sua primeira individual (2005), que Faizal acolheu amplo reconhecimento, com sucessivos prémios nacionais bem como com a integração imediata na colecção permanente do Museu Nacional de Arte, algo marcante para um ainda jovem artista e que traduz o enorme impacto que o escultor provocou. As suas obras contêm uma complexa heterogeneidade interna, cerâmicas pintadas que surgem como objectos musicais, apelando à imediata interacção entre obras, artista e público, à constituição de “performances”, esse espaço ainda raro nas artes plásticas nacionais. Estas múltiplas facetas ancoram num projecto artístico único, radicalmente pessoal, em que o escultórico surge associado à busca do “conceito sonoro”. Daí esta atracção pela reconstituição do “tambor”, apresentado em múltiplas e incessantes formas, convocado como corpo e veículo do património cultural moçambicano, este assim invocado, reconstruído. Mas não apenas reproduzido, pois trata-se da sua inquirição através do olhar de um dos mais inquietantes e provocantes artistas moçambicanos.
Endereço electrónico: fomarussumane[@]yahoo.com.br
Atelier: Bairro 25 de Junho, Quarteirão 33, casa 32
Telefone: [disponível para quem o solicitar por e-mail para aqui]
Adenda: a ideia é publicar pequenas e despretenciosas notas na revista Índico, divulgando nomes relevantes das artes plásticas moçambicanas e proporcionando a possibilidade de um maior contacto directo entre público (potencial) e os artistas. A primeira dessas fichas de artistas está aqui. Como é óbvio os artistas não são responsáveis pela fraca qualidade das fotos e reproduções aqui colocadas.jpt
Aqui referi a nova Índico, a revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique, uma nova série sob responsabilidade editorial de Nelson Saúte. E chega a informação que a revista, que vale bem a leitura, está já disponível para leitura através de edição electrónica.
jptA propósito de uma reunião em prol do desenvolvimento Bono está nestes dias em Maputo. O muito oficioso jornal "Notícias" assim noticia o encontro do Presidente Guebuza com o milionário Mo Ibrahim (aqui celebrizado pelo prémio atribuído há anos ao ex-Presidente Joaquim Chissano) e o cantor dos U2, celebérrimo activista de causas desenvolvimentistas. Vai uma gargalhada por Maputo, tudo a rir da "ignorância" dos jornalistas que esquecem a super-estrela aqui deslocada, apagada do título e reduzida na pequena legenda a mero "acompanhante".
Enganam-se. Não há qualquer ignorância. Há sim uma cosmologia a funcionar, uma explícita hierarquia. Está, literalmente, na cara. E não tem, rigorosamente, piada nenhuma.
jpt
AO, leitor veterano e silencioso do ma-schamba, enviou-me ligação para os dois primeiros números da revista Tempo (Setembro de 1970), inteiramente digitalizados. Aqui ficam as respectivas capas (com o particular interesse do segundo número ser encabeçado por Mário Barradas, então figura central do teatro local) e as ligações para quem queira ler (e ver) as revistas - uma preciosidade.
jpt(pressionando a imagem ela engrandece)
Transcrevo um texto publicado na última edição do jornal Savana (12.2.2010), da autoria de Jorge Oliveira actual secretário-geral da Associação de Escritores Moçambicanos, e dedicado ao escritor Andes Chivangue. Deixo-o aqui como um documento, parece-me que uma futura abordagem ao panorama literário moçambicano desta década passará pela reflexão das concepções aqui em jogo, as explícitas e as denotadas.
A transcrição deste artigo, pelo seu evidente interesse para o conhecimento das dinâmicas ideais do "campo literário" moçambicano, obriga-me a uma nota explícita e absolutamente linear: há algum tempo o seu autor dedicou-me um texto que considerei irrespondível. Para minha salvaguarda, moral. Mas também porque, se eu bem posso analisar a situação - e foi algo de muito profundo que aprendi com aquela para mim muito desagradável situação -, sobre ele incide a razão histórica e sociológica: a sua proeminência nos campos literário e mediático moçambicanos é um facto, profundamente vinculado à realidade e, nesse sentido, absolutamente legitimada. Pelo contrário, qualquer opinião analítica (crítica) que eu possa ter tido (ou a ter, num futuro) é historica e sociologicamente, e como tal racionalmente, descabida. Um mero epifenómeno oriundo de um estrangeiro, no sentido não só de desprovido de poder locutório como também de dimensão émica, e nesse sentido de legitimidade.
Portanto a transcrição que aqui faço não procura o mínimo enfoque crítico. É apenas o reconhecimento de um documento de extremo valor testemunhal sobre as dinâmicas do mundo cultural (neste caso literário) moçambicano neste início do século. Como digo acima, para reflexão em investigações futuras.
jpt
Comemorações (já!) do 10º aniversário da Escola Portuguesa de Moçambique. Feliz iniciativa, a de publicar este "A Invenção das Ilhas", uma antologia de Virgílio de Lemos, organizada por António Cabrita, e que contém ainda uma longa entrevista ao poeta, realizada em 1999 por Carmen Lucia Tindó Secco, para ser integrada na publicação da obra por ela organizada "Eroticus Moçambicanus" (editada por Nova Fronteira). A obra contém ainda, em regime de posfácio, um colóquio do organizador consigo mesmo, "A Buganvília Que Ri. Sobre a Poesia e Outros Suspensórios ou Breve Telegrama para o Virgílio de Lemos, Poeta da Luz e do Tricórnio". O volume contém vários dos seus heterónimos, Bruno dos Reis, Duarte Galvão, Lee Li-Yang, Virgílio de Lemos, cruzando a produção destes autores desde o início de 1950s até à presente década.
Avisam-me de planos para a publicação da sua obra completa, na Imprensa Nacional-Casa da Moeda. E ainda a iniciativa da tradução para português de (parte da?) sua obra em francês. Um conjunto de iniciativas que trarão Virgílio de Lemos para o convívio de poetas moçambicanos, uma presença hoje quase invisível como afirma Cabrita. Coisa talvez do seu percurso biográfico, há longas décadas vivendo em França e com muito raras visitas a Moçambique. E também ao relativo esquecimento, apesar do reconhecimento que alguns, como Eduardo Lourenço e Patraquim lhe votam.
Fica, não como exemplo, mas como nota de quem então partiu para não voltar, este poema de 1963, da autoria de Duarte Galvão:
Beijo-te Inteira África
Meus lábios procuram-te avidamente
e no delírio do meu amor por ti
beijo-te inteira África
e sou cruel terno verdadeiro
Nos troncos esguios de altos eucaliptos
shindjingritanas e soas
fazem ninhos e amor
sem a consciência das coisasmetafísicas.
Nós escutamos ritmos de jazz puro
de John Lewis
ou com volúpia dançamos
novos ritmos de marrabenta.
Mas não estamos anestesiados
pela música e pelo amor.
Meus lábios procuram-te loucamente
e no êxtase de minha derradeira entrega
beijo-te inteira África
e parto angustiado.
Uma acção dupla, em iniciativa conjunta BCI e Instituto Camões, a apresentação dos TOPs 50 de 2008 e 2009 do concurso World Press Cartoon (acesso a informação e aos vencedores). Hoje inaugura-se a dedicada a 2009, na galeria do Instituto Camões (av. Julius Nyerere). Amanhã inaugurar-se-á a relativa a 2008 na Mediateca do BCI (rua Joaquim Lapa). Ambas estarão disponíveis até 12 de Dezembro.
jpt
Paul Fauvet: Governo português tenta distorcer história colonial, é o texto do conhecido jornalista da AIM a propósito do concurso televisivo da RTP. Eu consigo perceber que na episteme de Fauvet não haja diferença entre "governo" (mesmo que do ps de Socrates, pigarreio eu) e "orgãos de comunicação públicos". Eu também posso presumir (nada mais que presumir) a associação ideológica de Fauvet ao velho-marxismo anglo-saxónico menosprezador de Portugal (a historiografia pós-anos 1960s está cheia de tralha dessa, muito racista já agora, que isto de ser "dego" é uma merda).
Mas também posso dizer que quando a televisão pública, o Ministério da Educação (da ex-esquerdista hoje ministra), o Instituto Camões (ex?)lusófono (deve ser ex, que a tralha sub-intelectual reformada até já assina contra estas coisas, como se não exemplificassem o mais baixo nível político meu-patrício, o húmus do qual isto brota e brotou) do Ministério dos Negócios Estrangeiros (lá está, a diplomacia "cultural" ...), a Presidência da República (pobre Presidente, há que refrescar os ares assessorais) e a medieva universidade se põem a jeito para estas pancadas ... mas também posso dizer, dizia eu, que agora o Paul Fauvet a falar dos portugueses (credo, abrenúncio, vade retro tugalhada) - enquanto santifica John Bull, atempadamente desculpabilizado pelo "socialista" terceira-via Blair - não deixa de ter matéria-prima para falar.
Há uns anos acabaram com um organismo do Estado, super-competente, que trabalhava na divulgação da história portuguesa, no apoio à pesquisa historiográfica. Sob as várias direcções teve um papel relevante para acabar com parvoíces destas. Depois fecharam-na. Para poupar, o défice e isso - por ano devia custar menos do que aquilo que o governo dá ao Nacional da Madeira ou assim.
Era óptima a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Não se restringia ao Malato e à Furtado (que bela, ...). E torneava estes Fauvets, inviabilizava-lhes a "deguice".
(ao Fauvet, aos Fauvets, gostaria de lhes recomendar um texto de Mia Couto sobre escravatura, publicado no "Pensatempos". Mas sou um "dego", sou um "tuga" - que podem eles aceitar de um merdas como eu, como nós? Seria tão bom ser normando ...)
(o qual não será exactamente um jornal marxista):
“Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado” (O Capital)
O jornal Zambeze (infelizmente desprovido de sítio actualizado) tem vindo a publicar uma importante - e corajosa - reportagem sobre as redes de tráfico de droga. Esta semana o 5º capítulo: nomes, fotografias, interesses, empresas (de cobertura), passado e presente. Está transcrita no Manuel Araújo.
Hoje de manhã ao comprar o jornal o ardina conta-me, com a excitada concordância dos cigarreiros vizinhos, que a edição foi quase completamente comprada na noite de ontem, por homens daquele mundo retratado. Assim em grande parte desaparecida das bancas.
Mais tarde dizem-me que o jornal está a ser vendido amputado das duas páginas alusivas. Mas que amanhã mais exemplares serão impressos e postos à venda.
Um filme negro, anos 30s. Só que a sério. Perigosamente a sério.
O Savana tem um portal, ainda em fase experimental - como avisa Carlos Serra. Talvez por isso não carrega todo o conteúdo do semanário. Espero que o venha a fazer, pelo menos as colunas de opinião, até porque o semanário vive bastante dos seus colunistas. Saudável inovação (já aqui resmunguei contra a indiferença electrónica do jornal).
Mas esta referência liga-se ao último jornal (25 de Julho), um vero documento onde, para além da actualidade noticiosa que lhe faz títulos, habita um manancial de posições e temas cruciais, e que denotam o ambiente intelectual no país. Um exemplar para guardar, para revisão futura. (E por isso mesmo a merecer perenidade informática). Deixo um rápido apanhado, tamanho o meu fascínio na sua leitura:
1. A valorização da reportagem no panorama jornalístico moçambicano, dimensão rara (por vários motivos: de possibilidades económicas, de escola, de hierarquia de importância atribuída a temáticas e locutores). Através da republicação das belas peças de Fernando Lima (texto) e Naita Ussene (fotografia) que valeram ao primeiro ser premiado no Prémio Jornalista Africano 2008 CNN Multichoice.
2. Uma reflexão sobre o jornalismo em África. O relato que Lima faz - na sua coluna "Espinhos da Micaia" - (com a lisura de um agraciado) da cerimónia da entrega desses prémios, ocorrida no Gana, sob os auspícios de John Kufuor. Elucidativa da concepção politicamente dominante do estatuto (e da natureza?) atribuída aos jornalistas ... Pois na forma da cerimónia se demonstra que, sob o agraciamento, radica (ainda?) uma ríspida desvalorização, da actividade e dos seus agentes.
[E isso chama a atenção para as condições de exercício do jornalismo. Não se prendem apenas com as dimensões políticas referidas acima. O Mail & Guardian dedica um suplemento a estes prémios (sem ligação electrónica). Nele questiona anteriores premiados sobre o efeito dos prémios nas suas carreiras e as respostas ecoam um rol de novos projectos surgidos, de como o prémio é um trampolim - pessoal mas também colectivo. Bem diferente é o testemunho do jornalista moçambicano premiado em edição anterior, centrado na melhoria das suas condições de vida. Numa leitura imediatista é empobrecedor. Mas l(v)endo bem ali está uma tradução das difíceis condições (económicas) de exercício profissional, essas que o leitor apressado esquece aquando critica o produto que lê]
(voltando ao Savana).
3. Para uma leitura política da actualidade é ilustrador do meio intelectual moçambicano o quase diálogo entre os cronistas habituais. Por um lado Afonso dos Santos remata a sua "Lide Lídima" com "A fase actual do neocolonialismo é, por conseguinte, a fase historicamente necessária para o desenvolvimento da luta pela segunda independência", pensamento teleológico que continua estruturante, ainda que não tão explicitado. Na página ao lado, no "A Talho de Foice", Machado da Graça desmonta criticamente o discurso anti-marxista do secretário-geral da Frelimo, que reclamou a unicidade nacional sob a égide do partido - na prática ecoando uma ideologia de frente de libertação.
4. Um texto de crucial importância, a exigir continuidade, é o de David Aloni, "Toponímia e a questão ortográfica". Cheio de sub-texto, e não só porque em ultrapassagem de outras discussões ortográficas. Um ponto subjacente, e que é constante na análise da realidade moçambicana: o assunto é a grafia da língua nianja (cinyanja) e Aloni afirma a sua legitimidade em abordar o assunto dado que é originário (falante) e que não foi "corrompido" [meu termo] pois nunca foi assimilado. É claro que tudo isso lhe dará competências linguísticas de utente, mas o que é interessante é encontrar até num assunto aparentemente pacífico a reclamação de diferentes graus de legitimidade para opinar segundo critérios histórico-ideológicos. Um traço constante aqui.
É muito interessante assistir à sua crítica das formas "aportuguesadas" (acentuação, inutilização dos k, w, y, agas mudos, etc) da grafia da língua, que vão entrando em vigor. Não sou linguista, não sei da justificação para tais distinções. Sempre as vi como uma recusa do "português", nunca percebi porque se deve grafar com K e não com C, com W e não U ou V, com Y e não com I. Nunca entendi por que é que essas grafias são mais "fiéis".
Mas mais do que isso Aloni levanta duas questões: uma, imediata, a da fixação e divulgação normativa das línguas moçambicanas. Basta consultar diferentes documentos e textos académicos para encontrar diversas grafias, até para a própria denominação das línguas. Uma outra, a das modalidades do seu ensino alargado. E é uma pena que um texto destes, e suas preocupações, se esqueça no jornal da semana passada [para o portal, já!].
5. Finalmente, um texto longo de António Cabrita "Porque lêem menos e trabalham menos os africanos?", em diálogo com texto de Gustavo Mavie sobre a indolência moçambicana, já criticado no Nkhululeko. O texto é muito longo, até sinuoso, e resumi-lo é traí-lo. Cabrita encontra uma distinção entre a ética laboral europeia e africana no seio dos diversos exemplos assumidos (entre outros, Heidegger no norte, Mohammed Ali no sul). Não se restringe a isso, envereda por explicações de cariz antropológico muitissimo discutíveis, mas legítimas (aliás, com recurso a bibliografia sufragada), e por um conjunto de afirmações sobre a vida intelectual e educativa na Europa que me parecem forçadíssimas. Mas o interessante é enquadrá-lo no ambiente intelectual dominante. Pois o texto é radica num catolicismo histórico, nele encontramos a dignidade, a competência, o caminho correcto como alcançáveis através da aceitação e perseguição dos bons exemplos, dos grandes vultos intelectuais. Da vida dos santos, como sempre pregou a Igreja Católica.
Enfim, justificado o agrado pela edição que resumo. A pacífica articulação, nada escatológica, destas teleologias. A presença do sub-texto constante. Um registo fascinante de um grupo de pensadores sobre um país (fascinante ele próprio, já agora).
Hoje, sexta-feira, é dia de Savana. Não vou perder ... Espero que mais um exemplar para o dossier.